13 dez, 2024 - 00:00 • Fábio Monteiro
Por comparação com outros países europeus, Portugal gasta muito pouco dinheiro nas prestações destinadas a combater a exclusão social, aponta o relatório "Trabalho, Emprego e Proteção Social", do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR), que será apresentado, esta sexta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Segundo o relatório, a que a Renascença teve acesso, se a União Europeia a 27 despende, em média, 1,1% do PIB com prestações sociais de combate à pobreza, Portugal fica-se pelos 0,3%.
Além disso, o impacto na redução da pobreza dessas mesmas prestações é também muito menor em solo nacional: 8,6 pontos percentuais (p.p.) na UE e de 4,1 p.p. em Portugal.
O relatório do CoLABOR defende que o “reforço” das prestações destinadas a combater a exclusão social é “um elemento importante para reduzir a pobreza e as suas formas mais extremas”. E assinala que é “pouco compreensível” que existam medidas que visem apenas combater a pobreza extrema – o caso do Rendimento Social de Inserção (RSI) – e outras que têm o escopo de elevar as pessoas e as famílias acima do limiar de pobreza oficial - o Complemento Solidário para Idosos (CSI) e a Prestação Social para a Inclusão (PSI).
Em 2023, existiam em Portugal 154.421 titulares de PSI, 239.934 titulares de Rendimento Social de Inserção e 169.199 beneficiários de Complemento Social para Idosos.
Em declarações à Renascença, o sociólogo Frederico Cantante, um dos responsáveis pelo relatório, assinala “uma divergência crescente” nos últimos anos entre o valor referência de algumas prestações “que foram calibradas para combater ou mitigar a pobreza”.
Tal é evidente quando se coloca o RSI e o CSI lado a lado. O valor do CSI foi alvo de múltiplas atualizações nos últimos anos. E ainda este mês subiu para 7.568 euros, passando o valor máximo mensal para 630,67 euros. O RSI, por sua vez, está nos 237,25 euros mensais (por titular), tendo sofrido, nos últimos 15 anos, apenas pequenas atualizações.
“O RSI tornou-se uma prestação maldita, que, hoje em dia, do ponto de vista da inserção, tem muito pouco. É bastante óbvio, do ponto de vista monetário, que essa prestação não evoluiu ao mesmo ritmo daquilo que tem acontecido com o CSI, apesar de nos últimos anos ter existido algum aumento do valor de referência, por via da atualização do indexante de apoios sociais”, diz o sociólogo.
A título ilustrativo, Cantante acrescenta: “Às vezes é mais fácil garantir a proteção social em relação ao risco de pobreza, quando falamos da população mais idosa, do que propriamente da população em idade ativa ou mais jovem. Quando uma pessoa é o Zé ou o José, existe uma grande desconfiança em relação a essa pessoa. Quando o Zé ou José passam a ser o Senhor José, quando tem uma outra idade, isso aí passa a ser mais aceitável de certa forma. E, em boa medida, isso explica porque é mais fácil aumentar o valor de referência do CSI do que outras prestações - de mínimos sociais - que são essencialmente dirigidas à população ativa.”
O investigador nota que o RSI é uma medida “pouco revisitada, pouco valorizada, até do ponto de vista político”. Nesse sentido, entende que é necessário pensar se a Segurança Social “não deve procurar homogeneizar ou pelo menos aproximar aqueles que são os valores de referência de algumas prestações sociais”.
“Se calhar não vale a pena termos prestações que são essencialmente calibradas para fazer face à intensidade da pobreza. Ou se queremos manter essa diferenciação é necessário valorizar do ponto visto monetário este tipo de prestações”, diz.
Para se superar o estigma em torno do RSI, o sociólogo afirma que é preciso “maior coragem política”. “Hoje em dia não é popular dizer que é preciso acudir às pessoas que têm menos recursos na nossa sociedade, principalmente se essas pessoas estiverem em idade ativa”, explica.
Na sua opinião, a pandemia do Covid-19 foi uma oportunidade perdida. Foram introduzidas, então, “várias prestações sociais ad hoc” para proteger as pessoas, em vez de integrá-las no RSI. “Isso aconteceu porque na verdade muitas das pessoas estavam naquela altura circunstancialmente descobertas, numa situação de grande vulnerabilidade, porventura essas pessoas não se sentiriam confortável em ser beneficiárias do RSI.”