20 dez, 2024 - 11:37 • Olímpia Mairos
O Governo prepara-se para apresentar um plano de ação para prevenir e mitigar os efeitos de fenómenos naturais como a seca e chuvas extremas.
O plano de ação, baseado num relatório do grupo de trabalho Água que Une, constituído por despacho conjunto dos ministérios do Ambiente e da Agricultura, vai incluir medidas e práticas a adotar para garantir uma gestão mais eficaz da água no território nacional.
À Renascença Rui Cortes, do movimento MovRioDouro, diz que este plano “não é verdadeiramente um plano estratégico”, lembrando que foi lançado em junho e não houve “tempo para fazer um debate entre os diversos utilizadores da água, inclusivamente com as organizações não-governamentais ou a comunidade científica”.
“Foi tudo muito à pressa, muito em cima do joelho. Foi uma decisão política. Eu creio que o que será importante será a elaboração do Plano Nacional da Água, que vai ser feita posteriormente”, acrescenta.
Para o professor da UTAD, esta iniciativa, que teve lugar e que foi descentralizada, “foi meramente para auscultar opiniões e até é, de algum modo, redundante”, porque todos os utilizadores, entidades privadas, governamentais, estão reunidos nos conselhos da região hidrográfica.
O problema - diz - “é que estes conselhos não têm funcionado e, portanto, isso é uma pena, porque há cerca de dois anos que não há qualquer reunião, aliás, como do próprio Conselho Nacional da Água. E seria muito mais interessante, de facto, ter um trabalho realizado com um aprofundamento de todas estas questões”.
Rui Cortes adverte que as medidas estratégicas estão “apenas viradas para a questão agrícola, quando os problemas da água são muito mais vastos e têm a ver com o ciclo urbano da água, têm a ver com a qualidade da água, com os impactos ambientais, etc.”
O investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e membro do Conselho Nacional da Água é contra as transferências de água entre bacias hidrográficas, sublinhando que uma tal solução irá criar grandes conflitos sociais e problemas de défice nos locais de onde é retirado o recurso.
“Esta ideia, que existe um excesso de água no Norte, não corresponde minimamente à realidade. Aliás, basta falar com as populações no interior de Trás-os-Montes, por exemplo, que têm, ciclicamente, falta de água em muitas povoações”, diz Rui Cortes.
O especialista insiste que “há imensas populações que são abastecidas, como, aliás, aconteceu em 2022, mas é uma situação regular, aliás, aconteceu, inclusivamente, até este ano, em que há escassez de água e os abastecimentos têm de ser realizados por autotanques. Isto acontece desde Vimioso até Carrazeda de Anciães e, portanto, existe, de facto, um déficit de água”.
“Basta perguntar às pessoas que que vivem na região, na Bacia do Douro, especialmente no interior, se acham que existe água a mais e a resposta é, obviamente, que não, e, portanto, não faz minimamente sentido fazer esse desvio de água. Aliás, eu creio que essa ideia dos transvases, a tal autodenominada autoestrada da água, vai criar, de facto, conflitos a nível regional”, adverte.
O Governo criou este grupo de trabalho para deline(...)
Rui Cortes afirma que os transvases onde são feitos criam grandes conflitos e dá o exemplo de Espanha.
“Basta olharmos aqui para o lado, ver o transvase do Tejo, do Alto Tejo para o Segura, no sul de Espanha, na Andaluzia, e com as tensões tremendas que tem havido, de tal maneira que os valores, neste momento que são desviados, representam um quinto ou um sexto dos valores inicialmente definidos, porque, realmente, existe grande oposição das populações”, exemplifica.
Segundo o investigador, com as alterações climáticas “essas situações são ainda mais graves e os sinais que temos, por exemplo, para a bacia do Douro, até ao final deste século, indicam, em média, uma perda de água de cerca de 30% a nível das águas superficiais e cerca de 20% das águas subterrâneas. Portanto, esta situação de déficit hídrico no interior do país tende a agravar-se e, consequentemente, esta ideia dos transvases não faz qualquer sentido”.
Nestas declarações à Renascença, o especialista aborda ainda a agricultura intensiva e superintensiva – que utiliza grandes quantidades de água – e que não foi alvo de análise e debate.
“A agricultura consome cerca de 74% a 75% de água em termos das diversas utilizações e, portanto, a chave de procura de minorar os déficits hídricos e compensar os diversos setores utilizadores de água passa exatamente pela agricultura”, defende.
Segundo Rui Cortes, tem-se verificado “um constante aumento da área regada, sem quaisquer limites, e, aliás, eu costumo dizer que mesmo que, hipoteticamente, se fizesse essa asneira, que é muito grave do ponto de vista ambiental, de desviar a água do Douro para o Sul, e neste momento fala-se em qualquer coisa como 900 hectómetros cúbicos, eu tenho a certeza que, com o aumento, com a expansão desmedida da área de rega, depois esse transvase já não seria suficiente”.
Seca
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O investigador volta, aliás, a referir o caso de Espanha, em que os transvases do Alto Tejo para a bacia do Segura motivaram grande oposição e conduziram à diminuição dos transvases.
“A reação dos agricultores a nível dessa agricultura, cada vez mais superintensiva, foi o de abrir, procurar utilizar a água subterrânea, portanto, levando a uma descida tremenda dos aquíferos, implementando a sua contaminação através de intrusão salina e, portanto, existe um caos completo, como existirá em Portugal, no caso desta situação ser realizada”, alerta.
O especialista, alerta ainda que se está a caminhar para uma situação que é muito perigosa, ao proporem-se os transvases que irão quebrar completamente o que está preconizado na Directiva-Quadro da Água.
“Criando situações em que a água é transferida de umas bacias para outras vai criar utilizações de água, designadamente a nível da agricultura, absolutamente insustentáveis e isto foge completamente aos princípios a que nós estamos obrigados pela própria Diretiva-Quadro da Água, em que a gestão deve ser realizada por bacia hidrográfica”, sinaliza.
“O que me parecia importante era realmente haver debates aprofundados a nível dos conceitos da região hidrográfica, haver uma reativação do Conselho Nacional da Água”, defende, assinalando que “o anterior ministro do Ambiente e a atual - que preside ao Conselho Nacional da Água - não têm realmente procurado fazer essas reuniões”.
O investigador alerta ainda que “já estão delineados os contornos do plano” sem que tivesse havido “uma devida discussão e que esse plano fosse construído pelas diversas entidades interessadas na gestão dos recursos hídricos”.
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No entender de Rui Cortes devia haver “um debate aprofundado antes da definição de um plano, designadamente, como vai ser o Plano Nacional da Água, que vai ter uma duração de 10 anos e que obriga, realmente, a que seja construído ouvindo os diversos parceiros, ouvindo os diversos utilizadores, a comunidade académica e científica, as organizações não governamentais, e, portanto, um plano destes que vai ter uma duração de 10 anos tem que ser construído de maneira a que todos os utilizadores, a comunidade académica e científica, etc, realmente possam contribuir”.
Por fim, Rui Cortes diz encarar “com preocupação o que se está a passar, porque a Diretiva-Quadro da Água obriga a que haja uma melhoria do estado ecológico das massas de água e que todas as massas de água atinjam um bom estado ecológico até 2027, e nós não estamos a caminhar nesse sentido”.
“Existe uma degradação dos habitats, existe uma degradação da qualidade da água e com esta ideia peregrina de mais barragens para armazenamento, de transvases, etc, essa degradação ainda vai ser superior. Portanto o que eu espero sinceramente é que haja um debate muito aprofundado dentro dos diferentes parceiros que utilizam a água”, remata.