08 out, 2015 - 15:51 • João Carlos Malta
As eleições foram há poucos dias, mas parece que não aconteceu nada em Vagos. Encontrar nas ruas cartazes ou propaganda política é quase tão difícil como falar com alguém que assuma ter colocado a cruz noutro quadrado que não o da Portugal à Frente.
O exercício era à partida complicado. Este município do distrito de Aveiro, com quase 23 mil eleitores, deu a maior vitória (percentual) aos partidos de direita. Mais do que dois em cada três eleitores votaram na coligação PSD/CDS.
Estava eleito o novo PAFistão (durante a campanha eleitoral, o presidente da Câmara de Lamego rebaptizou Viseu de "Cavaquistão" para "Passistão", mas Paulo Portas, o número dois da coligação, preferiu "PAFistão”)
Na rural freguesia de Soza, no concelho de Vagos, o talhante reformado António Martins Lopes, de 67 anos, está à porta de uma vivenda térrea, que ali se multiplicam como cogumelos. Garante que estes resultados não têm nada de estranho. Eram os únicos possíveis.
“Compreendemos que os homens fizeram um grande esforço, tremendo mesmo, para termos uma segurançazinha. Fizeram o que os outros não fizeram”, começa por dizer. De seguida, dispara um elogio ao líder: “Passos Coelho foi um grande homem”. Faz alusão ao caso “irrevogável” de Paulo Portas para reforçar o reconhecimento do esforço de Passos. Saiu-lhe do corpo.
“O homem daqui a mais nem tem cabelo – e é um rapaz novo. Isto deu cabo dele.”
A quem faz falta 100 euros na reforma?
António está reformado. Teve cortes na reforma. Mas isso não o demove. “Aceitei isso tudo. Por exemplo, um tipo que ganhe 1.500 euros não lhe faz muita diferença ficar com 1.400 euros. É melhor do que daqui a uns anos não ter nada como na Grécia”, acredita.
À esquerda nem quer vê-la. Andaram a empenhar Portugal. “Por amor de Deus. Quem tiver juízo... até me custa ver alguns economistas a falarem ao contrário. Nós temos é de poupar, não podemos viver acima das nossas possibilidades”, remata. A cassete repetida vezes sem conta nos últimos quatro anos foi ouvida com atenção e assimilada.
Uns passos ao lado, no café São Miguel, está sentado o proprietário, José Carlos Dionísio. Fala do alto dos seus 80 anos. “Já vi muito”, chama à atenção. É do PPD, não do PSD, enfatiza. “Sou Sá Carneiro”.
Apresentação feita, José Carlos diz que a coligação é quem mais interessa às gentes da terra, até porque os socialistas “nunca tiveram grande prestígio em nenhum lado do mundo”.
A interpretação histórica passa do global para o local com um destinatário: Sócrates. “O povo português vê bem que o antigo primeiro-ministro punha isto na miséria se ganhasse quando perdeu. Este país ia para a Espanha ou para outro país qualquer. Portugal era vendido”, acredita.
José Carlos tem uma vida ligada à lavoura e ao comércio. Repete, uma e outra vez, que acorda às 7h00 e se deita à uma da manhã. A vida de trabalho não o fez ficar amigo dos sindicatos. Aliás, para o octogenário, são os grandes responsáveis pelo mal que alastrou pelo país nos últimos quatro anos.
“Quem arruinou mais isto, neste mandato, foram os sindicatos. Deviam deixar governar os homens. Houve muita manifestação e muita greve”, afirma o proprietário do São Miguel, que diz ter nascido no “tempo da outra senhora”, mas que quanto a ele “não era”.
Demonstra que a aversão à esquerda tem bases profundas. Com décadas. “Quem deu cabo disto foi o Mário Soares, pôs isto na miséria. Ele não saiu do país como socialista mas como comunista”.
Esquerda ou direita? Todos os caminhos vão dar a Merkel
Alguns quilómetros à frente, também na agrícola freguesia de Ouca, Carlos Alberto, de 59 anos, concretiza a venda do posto de gasolina que deteve durante muitos anos. O negócio ressentiu-se da crise com a queda da construção na vizinha cidade de Aveiro e a quebra de vendas das leitarias locais.
Assume que votou na coligação, mas avança para a explicação dos resultados de 4 de Outubro com dados potencialmente adversos à coligação PSD/CDS. Aponta como factores determinantes o envelhecimento do concelho e o “caciquismo que funciona em temos locais”.
Os cortes nos rendimentos, garante, não se notaram tanto como noutros lugares porque as pessoas vivem das pensões mínimas que não sofreram alterações.
A juntar a todos estes factores há um outro, a falta de alternativa. As pessoas não confiam em António Costa.
“O assalto ao partido, numa altura em que o PS tinha ganhado as eleições, acho que foi uma traição. O Seguro tinha ganhado por pouco mas ganhou. O Costa perdeu”, sublinha.
Apesar disso, Carlos é pouco sensível aos jogos políticos da esquerda e da direita. Chegou a votar em José Sócrates quando acreditava na necessidade de uma mudança e resume numa imagem o que pensa. “Isto da direita e da esquerda é um pouco confuso. É como ir para o centro de Vagos por este ou por aquele lado. Só demoro mais tempo, o destino é o mesmo. Quem manda é a senhora Merkel”, sentencia.
Onde está a esquerda? “Ninguém os viu”
No centro da vila está Olga Simões, de 43 anos, dona da Lojinha de Sabores. Elogia os políticos locais do PSD e CDS. São “superacessíveis”, “sem arrogâncias”, “podemos falar com eles e dizer que problemas temos”.
Diz que os socialistas perderam por falta de comparência. “A esquerda quase não é conhecida, quase não se fala deles”, assegura. Porquê? “Não sei, esquecem-se da população de Vagos. Durante a campanha, se vieram à rua, ninguém os viu. Se calhar, não têm dinheiro para fazer campanha em todos os lugares”.
Paulo Gil, membro da direcção política do PS de Vagos, rebate. “Tivemos várias acções”. Mas reconhece que “o partido com certeza concentrou meios e campanha em sítios onde seria mais favoráveis porque já é tradicional que este seja um território difícil.”
O socialista desvaloriza os resultados que fazem de Vagos o município mais à direita do país. Assegura que apenas se manteve a tradição e refere que nas anteriores legislativas PSD e CDS obtiveram 81% dos votos. Gil recorre aos números: em quatro anos, os dois partidos perderam dois mil votos, o PS ganhou 300.
Até está satisfeito com os resultados. “É um concelho muito grande e com dificuldades enormes para os partidos de esquerda. Chegámos a ter 5% em autárquicas há uns anos. Agora temos 12%, pelo que acho que o trabalho tem sido bem feito”, concretiza.
A este retrato da realidade, o dirigente político soma a abstenção dos jovens, que dificulta a mudança, e uma outra constatação. “As pessoas votam muito no símbolo, é como se fosse clube de futebol.”
A política pode valer zero
Cristiano Silva, de 20 anos, está sentado na esplanada de um café do centro da vila e parece dar razão à análise do afastamento dos jovens da política. A abstenção em Vagos suplantou os 50%. Houve quase menos 900 pessoas a votar do que em 2011, quando o número de inscritos até era maior.
Cristiano até diz que “há montes de partidos que têm outras ideias”, mas para a seguir lamentar que “as pessoas ficam estagnadas na mesma coisa”. Vai daí, diz que perde a motivação “para tentar ajudar à mudança”.
Mas o voto não poderia ser solução? “Não vale a pena, é isto que a maior parte dos jovens pensam. Mais de 80% das pessoas vivem cegas”, responde.
“Vivo bem sem política e não me afecta nada. Zero”, remata.
A professora Sofia Pimentel, de 43 anos, não chega a dizer que as pessoas não vêem, mas garante que as pessoas escolhem por razões “clubísticas”. “Não tomam atenção se há um programa bem explicado. Votam sempre no PSD”, garante.
Ainda assim, acha “totalmente incompreensível” que a população não tenha processado as “consequências das atitudes deste governo”.
“Parece-me que as pessoas pensam que isto atingiu o máximo de austeridade e que não pode ficar pior. Acreditam que, não optando pela mudança, agora vão retirar o rendimento dos sacrifícios que fizeram. Não parece que seja o que vai acontecer”, defende uma das poucas pessoas que assume uma visão contrária à política da coligação de direita.
Quando a criação de emprego não trava a emigração
O presidente da Câmara de Vagos, Silvério Regalado, eleito nas listas do PSD, não podia estar em maior desacordo. Defende que o Governo apenas teve de teve de tomar as medidas de austeridade devido à herança que foi deixada.
Garante que o município passou dificuldades, mas que não foram tão pesadas como noutros lugares. Houve até criação de postos de trabalho. Num só investimento, o primeiro que junta chineses e portugueses ao nível industrial no território nacional, foram criados 1.500 postos de trabalho.
A mudança de composição socioeconómica, de uma vila com alicerces na agricultura para uma terra mais industrializada, não trouxe, no entanto, alterações políticas. Silvério Regalado explica-o com recurso à tradição da direita e, claro, com o trabalho feito na autarquia.
Mas ainda assim olha para a esquerda e assinala um resultado surpreendente. “O Bloco de Esquerda quase multiplicou por três a votação”, “uma subida estrondosa.” Regalado diz que a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, tem raízes em Vagos, mas acredita que a explicação está no efeito de contaminação da tendência de subida nacional dos bloquistas.
O autarca garante que a taxa de desemprego do município fica abaixo da média portuguesa, o que, somado à especialização dos empregos agora criados, gera um problema que não se repete em muitos concelhos do país. “Os empresários falam da dificuldade em conseguir mão-de-obra, que começa a ser aqui um bem escasso”, assegura.
Mas mesmo esta realidade, não consegue fazer com que muitos jovens encontrem razões para ficar. Ana Novo tem 33 anos e é cabeleireira. Não encaixa na indústria. Vai partir no início do próximo ano para a Suíça. Não votou.
“Estou muito desanimada. Isto está muito parado. Também não me dou ao trabalho de ir votar. Não tinha nenhuma utilidade? Não, até porque, como se viu, muita gente não foi votar”, defende-se.
Ana diz que não vê motivos para confiar numa mudança, nem em Vagos, nem no país. “Está tudo muito difícil. A população está envelhecida e os casais portugueses não fazem filhos, não dá.”
Por isso, e porque quer outro futuro, a via verde da saída está aberta. “As pessoas estão sempre a cortar nisto para pagar aquilo. Por isso emigram e eu também o vou fazer”, conclui.