21 out, 2015 - 16:09 • João Carlos Malta
O activista luso-angolano Luaty Beirão está em greve de fome há 31 dias num hospital de Luanda e a Renascença quis saber junto dos partidos com assento parlamentar qual deveria ser a postura do Estado português sobre o caso.
Dos seis partidos, três responderam às questões: o PCP (partido que lidera a CDU, coligação com Os Verdes), o PAN e o CDS. Do PSD e do PS nem um comentário. O Bloco de Esquerda tem publicamente colocado o caso na agenda mediática – e na terça-feira levou-o ao Presidente da República.
As duas perguntas enviadas pela Renascença foram:
- Qual é a posição e que acções deveria o Estado português empreender no caso Luaty Beirão?
- Está em causa apenas um caso humanitário ou trata-se de um cidadão com a nacionalidade portuguesa detido ilegalmente?
O PCP, em resposta oficial enviada à Renascença, diz que “Portugal não deve ser instrumento e servir de plataforma para a promoção da ingerência contra um Estado soberano”.
E acrescenta à justificação: “Designadamente ao serviço daqueles que, envolvendo e mobilizando cidadãos angolanos partindo de reais problemas, contradições, fenómenos negativos e legítimos anseios, de facto, agem com o intuito de os instrumentalizar para desestabilizar e concretizar a denominada ‘transição’ ou ‘mudança’ de regime em Angola, impulsionadas a partir do exterior”.
Os comunistas argumentam ainda que a Constituição Portuguesa defende “a soberania e independência nacionais e a separação dos poderes político e judicial. Princípios que, naturalmente, têm aplicação nas relações entre Portugal e Angola, designadamente pelo respeito da sua soberania e pela rejeição da tentativa de retirar do foro judicial uma questão que a este compete esclarecer e levar até ao fim, no quadro da ordem jurídico-constitucional angolana.”
Já esta semana, numa votação na Assembleia Municipal de Lisboa, com o intuito de manifestar solidariedade para com o activista e "rapper", o PCP tinha tido uma posição similar. Agora, escreve-o a nível oficial.
Consideração da “situação humanitária”
A abrir a resposta que enviou a Renascença, o PCP ainda adianta que, “não se pronunciando sobre as motivações concretas dos cidadãos envolvidos neste processo e sobre a forma como as autoridades angolanas intervieram no decurso do seu desenvolvimento, o PCP expressou o apelo às autoridades angolanas, no quadro do respeito da sua soberania e ordem jurídico-constitucional, a sua consideração da situação humanitária de um dos detidos, que entretanto viu deteriorar-se o seu estado de saúde em consequência da realização de uma greve de fome.”
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, disse, na semana passada, que Portugal não vai intervir na questão da prisão dos 15 activistas angolanos, sublinhando que se trata de um assunto da Justiça de Angola. O embaixador de Portugal em Luanda visita quinta-feira Luaty Beirão, disse esta quarta-feira à Lusa fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros português.
CDS defende Machete, Bloco fala de “vergonha”
O CDS afirma em resposta oficial que o Governo português deve acompanhar a situação de Luaty Beirão.
E acredita que o está a fazer tanto a “nível político como diplomático”. “Não só porque o assunto foi abordado desde Setembro numa reunião entre os ministérios dos Negócios Estrangeiros de Portugal e Angola, como porque ainda na semana passada o nosso embaixador em Luanda, juntamente com colegas da UE, reuniu-se com o ministro da Justiça de Angola sobre este assunto”, sublinha o CDS.
Os centristas argumentam que também é sabido que a embaixada portuguesa, “para além de manter contactos regulares com a família da pessoa em causa desde Setembro, visitou Luaty Beirão no passado sábado, juntamente com outros diplomatas da União Europeia, e voltará a fazê-lo”.
Mas a postura do governo tem gerado polémica em alguns sectores da sociedade portuguesa. O Bloco de Esquerda, através da porta-voz Catarina Martins, diz que é "vergonhosa a posição do Governo português” por “achar que está a defender algum interesse quando está a esconder o abuso, a prepotência, a existência de presos políticos".
"Não se defende ninguém quando se ataca os direitos humanos, seja onde for", frisou Catarina Martins.
Luaty já fez saber que dispensa qualquer apoio diplomático de Portugal durante o processo e quer enfrentar a justiça nas mesmas condições dos outros activistas. "Ele é angolano. Também é português, mas é angolano. Nasceu e vive em Angola e está a ser acusado como angolano", disse a sua mulher, Mónica Almeida, à agência Lusa.
PAN: as boas relações não devem só servir a economia
O PAN, também em respostas escritas à Renascença, diz que “Portugal tem uma relação de proximidade com Angola que deve ser usada quando se coloca em causa a democracia e a liberdade de expressão e não apenas no que toca a relações fundadas em interesses económicos”.
O partido, que elegeu um deputado a 4 de Outubro, diz que “o Estado Português deverá, por isso, lutar pela libertação de Henrique Luaty Beirão, um cidadão luso-angolano, com dupla nacionalidade”.
“E, mesmo após a noticiada renúncia pública do apoio das autoridades portuguesas por parte deste cidadão, o Estado Português deverá sempre tomar uma posição firme contra a violência, contra os atentados à liberdade de expressão e contra perseguição de activistas de direitos humanos - tanto neste como em outros casos. É também essencial que os restantes jovens activistas sintam o apoio dos cidadãos e do Estado Português, como aliás já foi referido pelo próprio Luaty Beirão”, afirma o Pessoas-Animais-Natureza.
O líder do PAN André Silva estará presente na vigília pela libertação de Luaty marcada para esta quarta-feira às 18h30, na Praça D. Pedro IV, em Lisboa. Há também uma petição “online”, que já conta com mais de sete mil assinaturas, que apela a intervenção do Estado português neste caso.
O PAN reforça ainda que estão, “acima de tudo, em causa os direitos humanos dos 15 detidos”. “Não nos esqueçamos que Portugal é membro do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas e que este caso é representativo de outros casos de violação dos direitos humanos -, embora obviamente nos preocupe a situação dos cidadãos com nacionalidade portuguesa que se encontram em situações de desrespeito da integridade física, moral e da liberdade de expressão, como está a acontecer com Luaty Beirão, facto que poderá ser decisivo para a actuação do governo português neste caso em concreto”.
Quem é Luaty Beirão e porque está em greve de fome?
Luaty Beirão (conhecido no meio hip-hop como Ikonoklasta e Brigadeiro Mata-Frakus) é cidadão luso-angolano, tem passaporte português, mas é tratado pela justiça angolana como cidadão nacional.
Tem 33 anos e é um dos 15 jovens angolanos encarcerados em Junho e formalmente acusados, desde 16 de Setembro, de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, um crime que admite liberdade condicional até serem julgados.
Afirmando-se detido ilegalmente, por se ter esgotado o prazo máximo de 90 dias de prisão preventiva sem nova decisão do tribunal de Luanda, Luaty Beirão, também engenheiro de formação, entrou em greve de fome.
O activista político foi transferido para um hospital-prisão da capital angolana para uma clínica privada ao 31.º dia de greve.
[A notícia foi alterada às 17h25, após receber a resposta do CDS. O prazo colocado no e-mail enviado aos partidos colocava as 15h00 como limite para as respostas].