10 nov, 2015 - 11:32 • André Rodrigues
Carlos Brito conhece bem o PCP. Aderiu ao partido na juventude, foi dirigente e esteve preso, às mãos da PIDE. Após 1974, foi deputado, líder parlamentar, candidato à Presidência da República e director do "Avante!". Em 2002, afastou-se do comunismo e do partido, mantendo-se, contudo, à esquerda.
Hoje, Carlos Brito garante: para o PCP, "compromisso é compromisso" e aquilo que " o Jerónimo de Sousa garantiu é para cumprir".
O histórico do PCP lembra ainda que, mesmo em 1975 - quando as divisões eram ainda mais profundas - foi possível convergir com o PS para aprovar a Constituição.
As divergências entre PS e PCP são históricas e, por isso, bem conhecidas. Mais recentemente, durante a campanha eleitoral, o PCP assumiu posições de ruptura em matéria de permanência na Zona Euro e de outros compromissos internacionais, posicionamento que diverge claramente do PS. Estes factos não poderão colocar em causa a solução de governo à esquerda?
Eu creio que, do lado do PCP, compromisso é compromisso. O mesmo é dizer que a solução tem a perspectiva de uma legislatura. Foi isso que o Jerónimo de Sousa garantiu e acredito que é para cumprir. Admito que vão surgir pelo caminho situações em que o PCP e o PS possam ter opiniões divergentes, mas estou certo de que, numa situação tal, o PCP nada fará que ponha em risco a existência do governo, uma vez que assumiu esta perspectiva de quatro anos.
Mas a nossa histórica política está repleta de momentos de tensão entre socialistas e comunistas. Estamos, de resto, a assinalar os 40 anos de um período pós-revolução, em que as relações entre as lideranças de ambos os partidos eram bastante conturbadas. Que preponderância pode ter a História no actual momento?
Eu sei que o debate de 1975 entre Mário Soares e Álvaro Cunhal pôs em evidência muitas diferenças de apreciação e de proposta para o futuro do país. Mas nada disso inviabilizou que, ao mesmo tempo, o PCP e o PS estivessem a colaborar na Assembleia Constituinte para fazer uma Constituição do país. De resto, ambos os partidos deram uma contribuição decisiva para a aprovação dessa Constituição, contra a vontade de Sá Carneiro e do CDS. Portanto, estas relações entre PCP e PS, sendo um processo de grandes e profundas divergências, tem momentos de grande convergência. E este exemplo da Constituição é a melhor prova disso.
Acredita que as medidas que o PS apresenta em resultado das negociações com a esquerda permitem alcançar um programa mínimo que não suscite divisões de tal maneira profundas que façam cair o Governo à primeira contrariedade?
Há convergências em que a esquerda tem posições comuns. E, neste programa de governo do PS, não são assim tão poucos esses exemplos. Desde as questões sociais, até às privatizações, foi possível chegar a entendimento. Sempre defendi que isso seria possível.
À medida que nos aproximamos da mais que provável queda do governo de Passos Coelho, a questão da formação do próximo executivo regressa às mãos do Presidente da República. Cavaco Silva tem alternativa à indigitação de António Costa para Primeiro-Ministro?
Não vejo que tenha outra saída que se considere, efectivamente, uma saída. Pode ter outras opções, mas que não são saídas. O governo de gestão é um disparate total. Seria uma coisa extremamente prejudicial para os interesses do país. Seria, até, uma situação vexatória para quem ficasse com responsabilidades nesse governo de gestão. Portanto, creio que isso é completamente de excluir. Quanto ao governo de iniciativa presidencial, que tem sido referido por alguns comentadores, eu lembro que, quando foi feita a revisão constitucional de 1982, a ideia comummente aceite era a de que tinham acabado esses governos, uma vez que o governo tinha deixado de ser politicamente responsável perante o Presidente da República. E isto foi no calor da memória muito recente dos governos indigitados pelo general Ramalho Eanes. Portanto, creio que essa solução de governos de iniciativa presidencial deixou de caber na Constituição.Resta apenas a solução do governo PS apoiado à sua esquerda pelo PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes.
Nesse quadro, corre o PS o risco de ficar refém de eventuais divergências com os seus aliados no Parlamento?
O PS vai ser a força liderante desse governo. Não vejo por que razão possa ficar refém do que quer que seja.
Se esta experiência governativa não correr bem, e o governo não durar os quatro anos, que lições deve a esquerda retirar?
Se esta experiência não correr bem, haverá consequências negativas para todos os parceiros desta aliança de esquerda. Mas defendo que é preciso arriscar em nome de uma solução de futuro. E cada um dos parceiros desta aliança tem que ter o sentido de responsabilidade bastante para que as coisas corram bem.
Insisto: se essa solução não for bem sucedida, admite que a esquerda possa ser penalizada, a ponto poder levar a uma nova maioria absoluta de direita?
Mas isso não vai acontecer. Porque todos os partidos envolvidos nesta solução hão-de ter a compreensão de que sairão bastante molestados se não conseguirem bons resultados. Este governo de esquerda exige um empenho sério por parte de todos. Isso não é impossível e está ao alcance dos partidos que compõem esta solução.
Numa próxima eleição legislativa, a esquerda deve apresentar-se aos portugueses coligada? Ou cada um deve ir por si?
Aquilo que se está a passar não adianta o caminho para uma coligação dos quatro partidos para concorrerem conjuntamente às próximas legislativas. Isto é um acordo que dá base a um programa de governo, mas em que cada partido mantém as suas características próprias. Portanto, no futuro, penso que o natural será que cada partido se apresente por si. Mas penso que é prematuro estarmos a antecipar um cenário para daqui a quatro anos. Temos quatro anos para percorrer e que não vão ser fáceis.