Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Um, dois, três ou quatro anos de negociação. António Costa é mestre, mas será suficiente?

02 dez, 2015 - 06:30 • João Carlos Malta

O programa do novo Governo traz promessas como todos os anteriores. Se as cumprirá ou não, será o futuro a definir. Mas a negociação que os executivos sempre prometem não será, neste caso, apenas "verbo-de-encher". Será uma necessidade. A Renascença ouviu Marques Mendes, José Sá Fernandes e Octávio Teixeira, três homens que já estiveram do outro lado na mesa de negociações com o agora primeiro-ministro. Uma análise ao “António Costa negociador”.

A+ / A-

“Incansável”, “gestor de conflitos”, “pragmático”, “encantador”, “sagaz”, “lutador”, “flexível”, “exigente”, “dialogante”. Os adjectivos são sempre abonatórios quando se fala da capacidade de negociação de António Costa. E saem da boca de quem já esteve do outro lado, à esquerda e à direita: Marques Mendes, José Sá Fernandes e Octávio Teixeira. A mediação do acordo tripartido com as esquerdas trará a necessidade de um quase “Ministério dos Negócios Internos”, que esta quarta e quinta-feira começa a ser testado no Parlamento com a discussão do programa de Governo.

O agora primeiro-ministro já ultrapassou vários obstáculos na vida política através de negociações fortes e exigentes, nas quais se notabilizou. Porém, esta legislatura será, por assim dizer, “o grande desafio” daquele que muitos entendem ser o mais brilhante negociador da actual geração de políticos. Será esta característica suficiente para levar o actual Governo até 2019? Ninguém sabe.

No entanto, a fama de negociador de eleição já é internacional. O jornal espanhol “El País” reconheceu-lhe esta qualidade, num texto que é pouco abonatório para António Costa. O título não podia ser mais sugestivo: “O grande ilusionista.”

Marques Mendes não quer referir-se a Costa como o “mais brilhante” negociador ou afirmar se é “simplesmente brilhante”. O comentador conhece bem o primeiro-ministro pois, antes de ter substituído a câmara do Parlamento pela câmara da televisão como palco político preferencial, já teve em António Costa o seu principal interlocutor.

Recorde-se que Costa foi ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de Guterres, que tinha em Marques Mendes o líder da bancada parlamentar do principal partido da oposição, o PSD. Num posterior governo social-democrata liderado por Durão Barroso, os papéis inverteram-se. Por isso, conhece-o muito bem.

“Acho que é indiscutivelmente um bom negociador, e isso ficou patente nas negociações à esquerda. Mostrou capacidade de diálogo e espírito de abertura. Teve uma grande flexibilidade negocial, conseguindo aquilo que nunca anteriormente se tinha conseguido. É a prova provada de que é um bom negociador”, defende Marques Mendes. O comentador não se mostra surpreendido com os resultados depois dos vários anos em que com ele negociou orçamentos, nomeações para o Tribunal Constitucional, ou, à época, a polémica lei das Finanças Locais.

O segredo é a alma do acordo

Mendes não tem dúvidas: “Ele é um negociador exigente, mas ao mesmo tempo correcto.” Para ilustrar esta faceta, o social-democrata recorda o acordo para a nomeação dos magistrados do Constitucional, e frisa o “grande secretismo” com que Costa soube gerir as conversas. “As coisas só saíram a público quando estavam efectivamente acordadas”, elogia.

O comentador da SIC acrescenta que o líder do XXI Governo Constitucional não usa nem da sedução, nem da irritação para conduzir os processos negociais. “Não faz chantagem, nem ameaças, mas é um negociador exigente. Porém, tem simultaneamente o espírito de abertura e uma grande simpatia que é pública e notória. E tem aquilo que qualquer negociador tem de ter para ser bem-sucedido, a paciência”, concretiza.

A autarquia de Lisboa foi um dos locais em que António Costa mais teve de exercitar a sua capacidade para criar consensos. Durante o primeiro mandato, sem maioria, o líder do Governo foi obrigado a fazer pontes com a oposição. José Sá Fernandes, eleito na altura pelo Bloco de Esquerda (que viria a abandonar), foi um parceiro natural. Só tem palavras abonatórias para o agora primeiro-ministro.

“Gerir uma cidade é gerir conflitos permanentes, e ele tem uma grande habilidade a fazê-lo. É um grande gestor de conflitos e de interesses aparentemente contraditórios”, enfatiza.

Sem se enredar no labirinto do pormenor

Sá Fernandes destaca ainda outra característica do primeiro-ministro quando se fala em negociações: “Ele tem sempre uma estratégia na cabeça, mas é essencialmente um pragmático, o que facilita as discussões. Muitos conflitos são resultado de se estar a discutir o pormenor e não a essência do problema.”

Também o militante comunista Octávio Teixeira – ex-líder da bancada parlamentar do PCP quando Costa era o ministro que mexia as peças no Parlamento para os acordos necessários a um governo minoritário, como foi o primeiro de Guterres – elogia o socialista. Sublinha que, e temendo uma tirada ao jeito de “La Palisse”, o que faz de António Costa um bom negociador é a “capacidade de diálogo”.

O comunista revela ainda que António Costa era uma pessoa “capaz e disponível para ouvir e não impor apenas as ideias do Governo”.

O mestre no xadrez da negociação conseguirá jogar em três tabuleiros?

A negociação é um meio para o sucesso, contudo, não é sinónimo. Marques Mendes, apesar de nessa arte só ter elogios para o primeiro-ministro, vaticina que essa qualidade não o salvará. E até coloca a marca de validade no rótulo que embala este Governo.

“A coligação, do meu ponto de vista, é precária, instável e só vai funcionar bem no essencial durante os primeiros seis meses, até ao Verão. Em Abril, julgo que terá o primeiro abalo, mas não vai cair na discussão do Programa de Estabilidade e Crescimento. No entanto, no Verão, com a preparação do Orçamento do Estado para 2017, as coisas vão ficar mais delicadas, sensíveis e negras”, augura.

E remata: “A capacidade negocial ajuda, mas há questões que não se resolvem meramente com a negociação.”

António Costa tem um ‘auto-slogan’, “Palavra dada é palavra honrada”, que é subscrito por Sá Fernandes. “Não tenho dúvidas nenhumas de ele que vai cumprir os acordos. Que o Bloco de Esquerda o faça, tenho muita esperança que sim, embora em Lisboa isso não tenha acontecido”, lembra o vereador que, depois de ser eleito nas listas dos bloquistas à edilidade da capital, viu ser-lhe retirada a confiança política do partido.

E separa os comunistas do Bloco. “Sempre que apertei a mão ao PCP, este também cumpriu. Com o Bloco de Esquerda eu não tenho essa experiência, mas agora a direcção mudou. Acho que não vão cair no mesmo erro”, adianta.

Duas razões são poucas para estar num Governo

Opinião contrária tem Marques Mendes. Para o social-democrata, o PCP vai ser sempre o parceiro mais difícil, como se viu na negociação prévia para os acordos. “Em novas negociações, em situações que estejam em aberto, o PCP é sempre um partido difícil”, prevê.

Mendes sustenta que o PCP só está nesta coligação porque tem dois objectivos em concreto: “evitar que os transportes colectivos de Lisboa e do Porto passem para as mãos do privados e alterar as regras da contratação colectiva”. Em seu entender, o acordo com o PS e com o Bloco foi a única forma que os comunistas encontraram para evitar o desaparecimento da CGTP tal como a conhecemos.

No fim, sentencia: “Suportar um governo por estas duas razões é muito curto. Só por sorte é que uma aliança destas dura quatro anos ou qualquer coisa de parecido.”

Sobre como é que nestes acordos os comunistas manteriam a identidade prometida por Jerónimo de Sousa e a ligação a esta maioria parlamentar, Octávio Teixeira clarifica.

“O PCP não está ligado à maioria parlamentar, isso é uma conclusão jornalística e dos jornalistas. Não está ligado. Formou-se um acordo ou vários acordos para haver uma viabilização parlamentar de um Governo do PS. O Governo é do PS e não é, como se costuma dizer e escrever, um Governo das esquerdas”, expõe.

Quem vai sair bem se sair a mal

Muitos dos críticos desta solução governativa, que a rotulam de contranatura, garantem que haverá uma disputa constante por encontrar a narrativa mais favorável para justificar uma saída prematura.

Octávio Teixeira rejeita a ideia. Garante que isso não teria qualquer justificação, nem razoabilidade política. “Qualquer partido que seja responsável por não cumprir o que está nos acordos é o que terá maior penalização política. Todos poderão perder se correr mal”, evidencia o comunista.

Sá Fernandes não elimina a possibilidade de haver quem esteja mais importado com a cosmética política do que com o sucesso desta ligação, no entanto, socorre-se da esperança.

“Há sempre esse risco. Já aprendemos o suficiente para perceber que há momentos decisivos para que as pessoas não entrem nesse tipo de jogos. Acho que vai correr bem”, atira.

Nos antípodas está Marques Mendes, que considera que apesar de todas as qualidades de negociador do chefe de Governo, elas não se sobreporão à base “instável e precária” sobre a qual o Executivo se ergue.

O comunista que acha “normal” que Costa também negoceie à direita

O passado de Costa mostra que ele não se virará apenas para a esquerda. Tentará acordos à direita. Numa entrevista recente à revista “Visão” teve, aliás, uma frase que pode ser o interlúdio desse movimento.

"Não me passa pela cabeça que este ressabiamento nervoso que a direita apresenta neste momento não lhe passe ao fim de uns meses e que não passe a ter uma postura responsável", comentou.

O comunista Octávio Teixeira acredita que não haverá nenhum problema para a sustentabilidade da maioria parlamentar se o PS negociar com o PSD e CDS matérias que estejam “fora do acordo parlamentar”. “Admito que as negociações, numa primeira fase, sejam com os partidos que assinaram os acordos. Mas, se não chegarem a acordo, não vejo que haja qualquer problema para que negoceie à direita. Duvido é de que a direita esteja disponível”.

Não terá consequências? “Não me parece”, argumenta.

Marques Mendes garante que não sabe se está, ou não, nas intenções de António Costa negociar com o PSD e o CDS. Todavia, admite que “no plano teórico pode passar-lhe isso pela cabeça”.

Sobre Passos Coelho ter dito que o PS não tem nenhuma legitimidade para pedir ao seu partido “seja o que for” e que, no dia em que o PS tiver de depender dos votos do PSD ou do CDS-PP para aprovar alguma matéria que seja importante, esperar que António Costa “peça desculpa ao país e se demita", Marques Mendes pede moderação.

“O PSD e o CDS têm toda a vantagem de não fazer uma oposição de bota-abaixo. Não é credível para partidos e responsáveis políticos que foram governo e que ambicionam voltar a ser”, realça. Contudo, veda o outro caminho: “Também não pode ser de muleta, porque isso a prazo é um verdadeiro suicídio.”

O certo é que, entre os acordos à esquerda e a possibilidade de abrir o jogo político à direita, o “mestre da negociação” terá de controlar muitas peças que têm vida própria.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Vasco
    02 dez, 2015 Santarém 22:56
    A mestria do senhor Costa agora é que vai ser posta à prova se for tão mestre como o foi na câmara de Lisboa então vamos ter mais um verbo de encher!
  • Eduardo Abrantes
    02 dez, 2015 porto salvo 15:52
    Não se iludam os portugueses. Este governo com ministros tipo pagamento de favores, como o ministro do " cultivo de marfim' da-nos uma certeza SER FELIZ COSTA MUITO.
  • Porconta
    02 dez, 2015 Porto 12:54
    Não percebo o problema de muita gente que para aqui escreve atuardas e comentadores da treta que toda a gente sabe que interesses defendem, que eu saiba a coligação PaF não tinha base de apoio maioritária, por isso não passou no Parlamento, e que eu saiba só o PS com o apoio do resto da esquerda tem base de apoio maioritária, seja ela de um ano ou mais, por isso é este governo que tem legitimidade para governar, e neste caso quem não a tem é mesmo a PaF, as regras dos resultados das eleições legislativas não são impostas por nenhum partido ou Presidente da Republica, estão inscritas na lei fundamental, e se noutros anos não se tomou as mesmas resoluções foi porque os partidos políticos não quiseram devido ás suas posições no momento.
  • José Soares de Pinho
    02 dez, 2015 Gafanha da Nazaré 12:33
    Quem pronunciou a frase " PALAVRA DADA É PALAVRA HONRADA" foi o António Costa. Esta afirmação deve identificar um BOM NEGOCIADOR, ou no caso de incumprimento UM GRNADE ALDRABÃO.
  • adn
    02 dez, 2015 V.conde 12:20
    Em resposta ao comentador Zé Povinho. A esquerda assusta. É verdade que a esquerda assusta. Isto porquê?? É que a esquerda não cria riqueza, apenas a usurpa, e o medo vem daí, pois ninguém quer perder o que tem.
  • João do Monte
    02 dez, 2015 SINTRA 12:16
    Portugal é muito parecido com a União Sovietica, as eleições não servem para escolher nada ,aqui não há Liberdade é tudo manipulado pela esquerda ,ninguém é culpado de nada (Sócrates), Mario Machado é culpado de tudo.O Mario Soares e Cª. são reamente os DONOS DISTO TUDO, mas o Ze Povinho é tão estupido como isto e vive disto.....O nosso Obama é uma imposiç ão de ESQUERDA que n-ao é mais que um batalhão de funcionários públicos e professores frustrados que votam sempre nesta porcaria de gente que nos suga os impostos para lhes pagar ordenados de príncipes,esta gente se trabalha-se no privado era tudo despedido ao fim de um mês,a maior parte deles são incompetentes,basta ir a um serviço do estado e ver como nos atendem.
  • Luís B.
    02 dez, 2015 Mirandela 11:28
    Podia escrever muita coisa sobre este texto, mas respigo duas: 1) é pelos vistos aceite que "comentador" virou profissão. Assim Marques Mendes é um comentador. Mas na realidade trata-se do militante social democrata que por não ter programa ou discurso, perdeu para Sócrates na que foi a 1ª maioria absoluta. Comentador é o que pinta o quadro relativamente ao que os outros fazem, com cores mais claras ou escuras consoante a sua opinião, mas que na realidade quando é chamado a fazer, ou não faz ou faz mal. Este é o mundo dos comentadores. 2) o comunista Octávio fala em ressabiamento da direita. WTF? O centro direita ganhou as eleições. Costa disse em 2009 que as eleições servem para escolher quem governa (Sócrates tinha perdido a maioria absoluta). Neste momento o PCP e o Bloco assaltaram o poder, com o parceiro de ocasião PS. Demonstraram grande ressabiamento porque o povo escolheu aquele em quem eles andaram a bater durante 4 anos, e não os escolheram a eles. Ressabiados e pouco democráticos é o que a esquerda é. Por último quanto á RR que que ia sendo destruída no verão de 1975, acho que está a mudar o editorial muito à esquerda e não é por passarem o terço (que não ouço) que altero esta opinião. Sugiro que passem mais noticias internacionais do que se passa na Argentina, onde o povo virou à direita, e sobre a Venezuela onde o centro direita está a ser recebido de braços abertos nos bairros antes dominados pelos chavistas-maduristas. Porque é que viraram à direita? Ah, pois.
  • Silva
    02 dez, 2015 Lisboa 09:19
    foste para o poleiro sem o consentimento do povo agora vais aguentar,vais ver o que e´bom para a tosse....
  • ?
    02 dez, 2015 Lx 09:16
    António Costa é mestre das negociatas.
  • Pedro Mendes
    02 dez, 2015 Faro 09:15
    Confesso que estou muito apreensivo, e até preocupado. Temo que o país entre noutra espiral de recessão, por culpa dos políticos portugueses. Pode até ser que essa capacidade negocial de Costa resulte, mas a mensagem que os analistas passam, ainda ontem nos Olhos Nos Olhos, aquele negativismo e que mais tarde ou mais cedo vem ai a desgraça para o país, é assustador. Assustador tento em conta o que muitos portugueses passaram. Eu não gostaria de piorar a minha situação, que é já débil, ainda não sinto efeitos nos meus bolsos, trabalho no privado, e estou com salários em atraso, espero que as empresa consiga ganhar competitividade . Agora se este Governo liderado por António Costa vai conseguir seguir o caminho certo, até gostaria que sim, para bem de Portugal e dos portugueses, mas não sei, não!

Destaques V+