25 jan, 2016 - 19:15 • José Carlos Silva
Veja também:
Para Rita Lobo Xavier, especialista em direito da família, o Parlamento deveria levar a sério os fundamentos invocados pelo Presidente da República para vetar a adopção de crianças por casais do mesmo sexo.
A professora da Faculdade de Direito da Escola do Porto da Universidade Católica foi uma das signatárias da carta enviada a 6 de Janeiro para Cavaco Silva sobre a adopção de crianças de casais do mesmo sexo (ler em PDF). A carta é citada pelo Presidente da República no texto em que fundamenta a sua decisão.
“Era bom que no contexto do Parlamento fossem ponderados os fundamentos invocados pelo Presidente da República porque o processo de aprovação destas alterações legislativas foi desenvolvido também sem dar a possibilidade de qualquer discussão pública, rigorosa e profunda sobre a matéria”, diz à Renascença.
A adopção por casais do mesmo sexo foi aprovada a 18 de Dezembro com os votos favoráveis da maioria da esquerda e de 17 deputados do PSD.
Para Rita Lobo Xavier, os deputados que aprovaram estas alterações “colocaram a questão de um ponto de vista exclusivo da igualdade dos adultos, dos adoptantes e da não discriminação, sem terem em atenção que, do ponto de vista jurídico, este regime aprovado padece de uma contradição e implica uma injustificada restrição aos direitos fundamentais das crianças”.
Falta “debate mais alargado”
O juiz Pedro Vaz Patto, outro subscritor da mesma carta enviada a Cavaco Silva, entende que a “mensagem do Presidente da República põe em relevo a importância de um debate alargado” em torno desta matéria fracturante.
“Em muitos países essa questão tem sido discutida”, diz. E dá um caso recente: em Itália, houve “um debate mais alargado que aquele que se verificou nos primeiros dias da nova legislatura” em Portugal, onde as alterações à lei da adopção foram feitas “de uma forma muito sumária”.
Pedro Vaz Patto aplaude a decisão de Cavaco Silva porque abre a oportunidade para um “debate alargado”. “Não considerar esta necessidade parece-me negativo, por parte dos partidos que aprovaram a lei. Pura e simplesmente dizer que vão manter as suas posições sem abrir a discussão parece-me desconsiderar não só a decisão do Presidente da República, que é legítima, uma vez que está na posse dos seus poderes constitucionais, como as próprias regras da democracia.”
Bloco de Esquerda e PCP reagiram ao anúncio do veto afirmando que existem condições para o Parlamento confirmar com urgência os diplomas vetados por Cavaco. O PS também anunciou que vai reconfirmar a aprovação dos diplomas.
Os fundamentos do veto
Num texto publicado no “site” da Presidência da República, Cavaco Silva argumenta que a alteração legislativa que permite a adopção por casais do mesmo sexo não foi antecedida de um debate público suficientemente amplo e considera estar ainda "por demonstrar" que sejam mudanças legais que "promovam o bem-estar da criança".
"Está, ainda, por demonstrar em que medida as soluções normativas agora aprovadas promovem o bem-estar da criança e se orientam em função do seu interesse. Com efeito, um grupo de reputados juristas e professores de Direito que remeteu uma exposição sobre o decreto em causa à Presidência da República sustenta que o regime foi aprovado ‘com base em fundamentos descentrados da tutela jurídica destas crianças'".
Cavaco Silva argumentou ainda que "o princípio da igualdade não impõe necessariamente a solução agora consagrada", pelo que não faz sentido dizer-se que estas resultariam de uma imposição constitucional ou legal e cita dois acórdãos do Tribunal Constitucional (os acórdãos 359/2009 e 212/2010).