08 mar, 2016 - 03:48 • José Pedro Frazão
Em entrevista à Renascença, José Eduardo Martins abre a alma e confessa que não estão ainda reunidas as condições para avançar como rosto de uma alternativa a Pedro Passos Coelho no PSD.
“Não acho que haja, neste momento, gente suficiente a pensar de maneira parecida com a minha no partido para que isso mereça o trabalho de protagonizar uma alternativa que verdadeiramente o PSD neste momento não tem”, justifica-se quando questionado sobre as razões para não entrar na corrida à liderança.
“Não tenho interesse em materializar nenhuma candidatura mas penso de maneira diferente de Pedro Passos Coelho. Conto expressá-lo no congresso. É o que tenho feito desde que ele foi eleito líder. Não tenho feito parte das direcções e vou continuar assim”, assegura José Eduardo Martins.
A necessidade de uma equipa
O advogado, um “barrosista” que já esteve ao lado Manuela Ferreira Leite e Aguiar Branco em batalhas dentro e fora do partido, considera que “para disputar uma alternativa não basta haver uma candidatura alternativa à liderança. Todos os dias falam-se em dez e se for a vaidade a comandar a vida, podia haver dez candidaturas”.
Mas essa “alternativa pessoalizada” não existe “neste momento em lado nenhum” no PSD, acrescenta o jurista. Nem nas sombras e nos passos do “amigo” Rui Rio. Martins descreve o ex-autarca do Porto como um “clássico desafiador”. Duvida que assim continue no seio do PSD porque “não dá opinião sobre o assunto e não tem mostrado interesse”.
José Eduardo Martins diz que o caminho passa sempre por uma equipa que prepare um outro caminho político. “Ser candidato a presidente do PSD é uma enorme responsabilidade. Obriga a estar preparado para no dia seguinte assumir os destinos do país. Isso não se faz sem uma equipa de várias pessoas. Não vejo a política como Pedro Passos Coelho a vê, como um exercício tão solitário e isolado”, critica o antigo governante do PSD.
A tese de Martins sugere a estratégia de uma teia de ideias construída de forma gradual no seio do partido. “Construir a alternativa não significa construí-la na rua. Há muitas maneiras de construir alternativa, significa ir conversando com pessoas, preparando a alternativa, um caminho. Isso não precisa de ser feito, como tantas vezes acontece no PSD, no meio da rua”, argumenta o antigo secretário de Estado.
Lugar marcado no congresso de Abril
Há "seis ou oito anos" que José Eduardo Martins não se candidatava ao congresso. Advogado, ex-secretário de Estado do Ambiente, militante inscrito em Paredes de Coura, foi eleito este sábado como delegado ao congresso de 1 a 3 de Abril, em Espinho. “Tenho direito aos meus quatro a cinco minutos para falar e não faço questão de prescindir deles”, avisa o jurista social-democrata, pouco surpreendido com a reeleição de Passos (95% dos votos em directas).
Martins espera que o congresso seja “o momento de as pessoas dizerem ao que vêm e o que pensam sobre o futuro”. Admite que Passos pode querer traçar um “caminho diferente do passado”, mas confessa que não percebe de que forma o líder do partido vai concretizar essa ideia em congresso.
“Vamos ser todos francos uns com os outros. Há um caminho que começa a partir de agora”, diz. O ex-governante reconhece que esse trilho parte da reeleição esmagadora do ex-primeiro-ministro à frente do partido que levou ao poder. “Há um momento em que, naturalmente, um partido que teve o seu líder a ganhar as eleições em circunstâncias muito difíceis o retribui, reelegendo-o com 95%. O que diz tudo sobre a utilidade e oportunidade de candidaturas alternativas”, acrescenta José Eduardo Martins.
As virtudes de Passos
De Passos Coelho fala de um homem que assumiu um “programa duríssimo que reconhece hoje - tenho lido - ao longo do qual se cometeram erros e com excesso de entusiasmo e voluntarismo em relação aos planos da troika para a economia portuguesa. Esse plano duríssimo passou por cima de todos nós ao longo de quatro anos”.
O antigo governante lembra que Passos Coelho resistiu a uma crise politica com o CDS no Verão de 2013 “a que muitos poucos lideres tinham resistido” e conseguiu acabar um Governo de coligação com o CDS. “Sobretudo para o PSD”, remata o social-democrata, “Pedro Passos Coelho ganhou as eleições legislativas. O PSD é um partido mais institucional do que ás vezes parece, bastante mais do que o PS dos últimos tempos”.
Um “enorme erro político” de Maria Luís
Nesta entrevista à Renascença, emitida na Edição da Noite desta segunda-feira, José Eduardo Martins critica ainda o processo levantado pela contratação da antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, por uma empresa britânica de gestão de dívida e crédito malparado.
“Não é uma situação agradável, não é defensável e foi um enorme erro político de Maria Luis”, sustenta o social-democrata, que, ainda assim, não acredita na existência de incompatibilidades legais neste caso. O erro político decorre da relevância da ex-ministra no PSD pelas funções que exerceu no Governo.
Confrontado com o apoio declarado a Maria Luís por Passos Coelho. José Eduardo Martins disse ter notado surpresa na primeira reacção do líder do PSD. “Ao segundo dia, foi secundada por Pedro Passos Coelho, como por outros dirigentes do partido. Creio que tratando-se de uma deputada que acabou de ter funções tão relevantes no Governo do partido, perante uma circunstância em que ela os confronta com um facto consumado, penso que não havia grande alternativa”, reconhece José Eduardo Martins.
O advogado considera que a questão que causa dano efectivo à imagem, mas de Maria Luís que de Passos Coelho por este surgir como “um homem que protege os seus. Isso tem mais valor naquela primeira reacção imediatista nas pessoas”.
Faltou bom senso e equilíbrio
José Eduardo Martins diz que o mais “equilibrado” é não aceitar um cargo destes, “nem um mês, nem dois, nem três, nem seis meses depois. É procurar não trabalhar na área em que trabalhava o ministério onde estivemos a fazer função públicas”.
O jurista dá o seu próprio exemplo quando recusou alguns empregos em cargos de gestão de empresas assim que deixou o Governo de Durão Barroso e Santana Lopes. “É uma coisa relativamente fácil. Em Portugal toda a gente passa a ser gestor do dia para a noite. Eu acho que não pode ser assim. Aquilo que mandava o bom senso e a probidade era não mudar de profissão depois de sair do Governo. Era advogado, advogado fiquei”, responde José Eduardo Martins.
Sobre o impacto político do caso, é taxativo. “Não acredito que haja uma especial alegria nos eleitores do PSD com esta decisão de Maria Luís”.
Ataque ao PS nos ‘swap’
Caso diferente é a polémica em torno da sentença que condenou o Estado a pagar 1800 milhões de euros ao Santander no caso dos ‘swaps’ contratados por empresas públicas de transportes aquele banco. “Ninguém na altura na altura queria negociar coisa nenhuma e toda a gente aplaudiu a decisão de não pagar e ir para tribunal”, sublinha o social-democrata em jeito de crítica ao PS.
Sobre as razões da tomada de decisão do governo anterior de recorrer á justiça para contestar o contrato, José Eduardo Martins diz que o estado terá querido ganhar algum tempo.
“Sou advogado. Muitas vezes o ganho de causa é o tempo. Não sei o que estava na cabeça de quem leva isto para tribunal. Acho que sim, que havia a expectativa desse ganho de causa. Má avaliação jurídica? Desespero? Isso é uma coisa que ninguém pode garantir. Houve uma espécie de mistura daas coisas: ver o que decide o tribunal porque é de tal forma onerosa que se pode ganhar qualquer coisa. E ir para tribunal porque não se chega a acordo numa negociação”, alvitra o advogado que milita no PSD.