16 mar, 2016 - 23:12 • Vasco Gandra, em Bruxelas
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“O governo português está a fazer duas coisas: respeitar as regras da União Europeia e por outro lado, tentar de criar investimento no país”, diz o alemão Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, em entrevista à Renascença.
O Orçamento do Estado português para 2016 está a ser aprovado. Há muitos receios na Europa – dos parceiros europeus, do Eurogrupo, do governo alemão. Receia um novo caso de instabilidade na zona euro?
Não acredito. Sigo de perto as negociações e debates entre a Comissão e o governo português e confio em ambos para encontrarem uma solução. Uma coisa é clara: sem investir num país não há crescimento. Sem crescimento, as receitas do Estado não aumentam. Sem mais receitas, não se pode sanear o Orçamento. Acreditar que reduzir as despesas é a única forma de sanear um Orçamento ou de reduzir a dívida soberana é falso. Também precisamos de crescimento. O Pacto chama-se pacto de Estabilidade e Crescimento. Não se deve falar só da estabilidade, mas também do crescimento.
Mas reverter todas as medidas de austeridade que o antigo governo tinha aplicado não envia um mau sinal aos parceiros europeus e aos mercados?
É preciso ver no detalhe. O detalhe do Orçamento mostra que o governo português está a fazer duas coisas: respeitar as regras da União Europeia e por outro lado, tentar de criar investimento no país. Portanto, no detalhe é preciso ver que medidas contribuem para criar crescimento.
Os partidos à esquerda do PS abriram um debate sobre a reestruturação da dívida. É favorável?
É uma questão diferente de um país para o outro. Não posso julgar nem responder à sua questão sem ver cuidadosamente as recomendações específicas da Comissão para Portugal. Sem estarem em cima da mesa, é difícil para mim responder.
O governo socialista português tem o apoio no parlamento de dois partidos, o PCP e o Bloco de Esquerda. Estes partidos, o Podemos e o Syriza são uma ameaça ao projecto europeu?
Não acredito. Os amigos do Bloco de Esquerda governam na Grécia. Alexis Tsipras tem assento no Conselho Europeu. Não tenho a impressão de que seja uma ameaça para nós. Em relação ao Partido Comunista em Portugal, aparentemente mudou a sua estratégia. Após 40 anos, eles decidiram pela primeira vez cooperar construtivamente. É uma espécie de revolução.
Foi livreiro durante 12 anos. Aprecia a cultura portuguesa. Quem são os seus autores portugueses preferidos?
Saramago é fascinante. Estou a reler neste momento o “Memorial [do Convento]”. É incrível. Seja [a literatura] clássica, como Camões, seja Pessoa. Pessoa é fascinante porque transmite o sentimento de toda uma geração dos anos 20 e 30 em Portugal. No meu país, a cultura dos anos 20, 30 e 40 destes países é completamente desconhecida. Quero dizer que se aprende muito sobre o sentimento dos cidadãos desse período em Portugal, quando na Alemanha esse foi o período mais turbulento e depressivo da nossa história. A literatura moderna portuguesa é extraordinária.
É realmente dramático se o Reino Unido sair da União Europeia?
Acho que sim. Somos mais fortes juntos. A Grã-Bretanha é um Estado-membro com direito de veto permanente no Conselho de Segurança [da ONU]. É a quarta economia do mundo. Se este país deixa a União Europeia, é claro que a UE fica enfraquecida. Mas também o Reino Unido. Porque o acesso ao mercado interno da UE, que é o maior do mundo, deixará de existir se o Reino Unido sair. É um golpe duro. Quer dizer que o Reino Unido perde influência. E se houver um novo referendo escocês? Isso está em aberto. A desestabilização para os dois lados será considerável. Portanto, prefiro que fiquem [na UE]. Mas sem esquecer o que é a vontade livre do povo britânico.