11 abr, 2016 - 19:41 • João Carlos Malta
Começou por “colaborar” com Costa ou “dar uma ajuda” ao amigo. Tudo informal, mas, para o primeiro-ministro, tudo normal. Agora, já com um contrato escrito, Diogo Lacerda Machado é o representante do Estado em vários dossiês em que o Governo negoceia ou dialoga com privados.
Esteve na negociação com a TAP para renegociar a privatização, no BES para mediar as conversações com os lesados e no BPI para fazer a ponte entre os espanhóis do CaixaBank e dos angolanos da Santoro.
O talento de aproximar quem está separado por muito mais do que a distância das cadeiras numa mesa de negociações, é muito apreciado por António Costa. O PSD criticou esta opção do primeiro-ministro e pediu para que Diogo Lacerda Machado seja ouvido no no Parlamento a propósito do seu envolvimento dossiê TAP – a audição acontecerá no dia 27, avançou esta segunda-feira o “Expresso”.
Esta segunda-feira, o PSD também pediu acesso ao contrato de Lacerda Machado.
“Jeito nato” para “sentar as pessoas à mesa”
Quem é este advogado de 55 anos que saltou para a ribalta nas últimas semanas?
O primeiro-ministro referiu-se a Lacerda Machado na entrevista que deu, este fim-de-semana, a TSF e ao “Diário de Notícias” começando por afirmar que acha “estonteante este interesse por ele”.
Depois qualificou-o. “É, de facto, uma pessoa que tem um jeito nato para procurar sentar as pessoas à mesa, para procurar encontrar soluções, para servir de mediador, para servir de conciliador e tem sido, aliás, bastante apreciado não só pelo Estado mas também pelos diferentes intervenientes”.
Após concluir o curso de Direito, Luís Campos Barradas de Lacerda Machado foi directamente para o mundo empresarial com destino na Fima/Lever/Iglo, do grupo Jerónimo Martins. Passa ali pouco tempo. Rapidamente salta para a consultoria de um fundo ligado ao turismo e, em 1988, inicia uma relação com Macau, a China e a Stanley Ho que ainda perdura. Começa também a marcar presença na administração de várias empresas participadas.
Em 1997, é nomeado membro do Conselho Superior de Magistratura. É a partir deste ano que começa a ter alguns cargos ligados ao aparelho do Estado, nomeadamente na Parque Expo. Em 1999, chega ao Governo como secretário de Estado da Justiça.
Mais recentemente, foi membro do conselho de administração da TAP Manutenção e Engenharia Brasil, entre 2006 e 2007, depois de a Geocapital (uma sociedade de investimentos de Stanley Ho, da qual Lacerda Machado é administrador) ter constituído uma parceria com a TAP para a compra desta empresa, em 2005, que teve prejuízos elevados.
O negócio foi considerado ruinoso e está a ser investigado pelo Ministério Público. Mas voltaremos a este assunto mais à frente.
Lacerda Machado é ainda presidente da Comissão de Remunerações da Reditus, empresa liderada por Miguel Paes do Amaral, que se candidatou à privatização da TAP.
Foi ainda membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP durante seis anos (2006 a 2012).
Da Faculdade de Direito até Carnide
Apesar de um currículo repleto de cargos públicos e privados, são os últimos quatro meses que tornaram o seu nome mais mediático. Na entrevista ao “Diário de Notícias” e à TSF, Costa detalhou a sua relação com Diogo Lacerda Machado.
É o seu “melhor amigo há muitos anos”. “Temos uma relação muito próxima, já foi meu secretário de Estado”, disse Costa.
Mas a proximidade é bem maior do que terem sido colegas de Governo, Diogo é padrinho de casamento de António. E, em meados da década de 1980, quando começaram a vida de casados com as respectivas mulheres, procuraram casa juntos. Os dois casais acabariam por assentar arraiais em Carnide, freguesia lisboeta onde foram vizinhos.
A relação que começou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa nunca mais teve interregnos. Uma amizade que começou na universidade e ficou para a vida. Aliás, quando Costa assumiu a candidatura às primárias do PS, lá estava Lacerda a ser um dos primeiros a dar-lhe apoio.
Os laços são tão fortes que Costa diz que apenas por “razões pessoais”, que não revela, Lacerda Machado “não teve condições para poder exercer funções governativas”.
Para Costa, a inexistência de um contrato, para os serviços que até há bem pouco tempo o amigo prestou ao Estado, não era sequer um problema. Questionado pelo DN/TSF se a existência de um contrato não tornaria a relação mais transparente, Costa respondeu: “Não, é simplesmente mais caro para o Estado.”
PSD quer contrato, Bloco lembra ligação à TAP
As explicações de Costa não sossegam o PSD, que quer conhecer o contrato de Lacerda Machado.
“Não deixamos de registar que é muito estranho que o doutor António Costa continue a achar que o interesse público e que o sentido de Estado poderiam dispensar um amigo pessoal dele de ter uma relação contratual com o Estado, uma relação que tenha que ser e possa ser escrutinada e ele achar isso até desnecessário”, disse esta segunda-feira o deputado do PSD Luís Leite Ramos.
Em Fevereiro deste ano, o Esquerda.net, “site” mantido pelo Bloco de Esquerda, publicou um texto intitulado “Lacerda Machado e a privatização da TAP”, que descreve os pormenores da relação histórica do advogado com a transportadora aérea.
O advogado aparece agora como mediador para a reversão da privatização da TAP junto do norte-americano David Neelman e do português Humberto Pedrosa, do consórcio Gateway.
Lacerda Machado esteve ligado à compra da VEM, empresa de manutenção que a TAP comprou a brasileira Varig, num negócio de 24 milhões que está agora a ser investigado pelo Ministério Público.
No início, a TAP ficou com apenas 15% da VEM e os restantes 85% ficaram com a Geocapital.
Em 2007, a Geocapital acabou por sair do negócio e a TAP comprou a totalidade. O negócio avançou sem o aval do Ministério das Finanças. Num despacho de 2009, o secretário de Estado das Finanças do último governo de José Sócrates, Carlos Costa Pina questionava o prémio de 20% pago à Geocapital: 25 milhões de dólares (22 milhões de euros à taxa de câmbio actual) em vez dos 21 milhões de dólares inicialmente previstos (18,4 milhões de euros).
Os caminhos de Lacerda e da TAP podem voltar a cruzar-se, se se confirmar a entrada da Hainan Airlines, empresa participada de Santley Ho. Isto depois de o administrador da Geocapital ter representado o Governo no novo acordo de privatização.
Num recente perfil publicado pela revista Sábado, o amigo Cláudio Ramos Monteiro, antigo colega na Faculdade de Direito de Lisboa, lembrou que desde a adolescência que Diogo Lacerda Machado juntava dinheiro para fazer viagens Porto-Lisboa e tem uma paixão que faz dele adepto de jogos virtuais de simulação de voo. Passados uns anos, a ligação não é virtual: é bastante real.