27 abr, 2016 - 06:30 • Ricardo Vieira
A prudência é a principal marca do Programa de Estabilidade (PE), que vai ser discutido esta quarta-feira, no Parlamento, defende o deputado socialista João Galamba em entrevista à Renascença.
O economista diz que o consumo privado continua a ser uma das alavancas da economia nos próximos anos e garante que cortar 1,4 mil milhões no défice é compatível com virar a página da austeridade.
Membro da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças e da comissão de inquérito à venda e resolução do Banif, João Galamba compreende as críticas do PCP ao Programa de Estabilidade e é corrosivo com a direita. O PSD está “exilado numa realidade paralela” o CDS está a tentar marcar pontos à custa do programa.
Qual foi o principal desafio na elaboração do Programa de Estabilidade?
Compatibilizar as difíceis e exigentes regras europeias do ponto de vista de consolidação orçamental com os compromissos políticos do PS, quer os que constam no seu próprio programa eleitoral, quer aqueles que constam dos acordos à esquerda com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e o Partido Ecologista "Os Verdes". Este desafio, embora difícil, foi plenamente conseguido.
O PCP fez algumas críticas ao documento. Isso preocupa o PS?
Não. Como esclareceu o deputado Paulo Sá [do PCP] na audição ao ministro das Finanças, é conhecida a divergência que existe do ponto de vista de metas orçamentais e de regras sobre finanças públicas europeias. É conhecida a divergência entre o PS e o PCP. Mas o PCP também sabe que o Partido Socialista está comprometido com essas regras e é assim que tem funcionado o acordo desde o início e tem corrido bem.
Não penso que haja qualquer novidade na posição do PCP. Limita-se a repetir aquilo que já tinha dito até do programa do Governo. É preciso não esquecer que o programa do Governo não foi aprovado pelo PCP. O PCP sempre disse que o programa do Governo é do PS. O que o PCP fez foi rejeitar quem queria rejeitar o programa do PS. Essa posição do PCP mantém-se em relação ao Programa de Estabilidade e não me parece que haja aqui qualquer evolução ou mudança. Estamos plenamente confortáveis com a posição do PCP.
E porque não levar o Programa de Estabilidade a votos no Parlamento, como quer o CDS?
Se o CDS quer levar este Programa de Estabilidade a votos tem uma excelente alternativa, que é propor que este Programa de Estabilidade vá a votos através de um projecto de resolução. Estranho é que o CDS esteja tão interessado em levar o Programa de Estabilidade a votos e eles próprios não o façam. Têm a capacidade de o fazer. O Programa de Estabilidade não tem de ser votado, é uma opção do Governo, o Governo não vê nenhuma necessidade de levar o Programa de Estabilidade a votos, está confortável com o apoio que tem. Se o CDS entende que é necessário levar o Programa de Estabilidade a votos, então, tem uma óptima alternativa que é eles próprios proporem.
Entende que podia ser uma tentativa de manobra política?
Sim. Desde que o Governo tomou posse, o CDS e o PSD têm apostado na fragilidade que o apoio maioritário tem na Assembleia da República. Têm falhado sempre em todas as tentativas e falharão em mais esta.
Qual é o melhor adjectivo para qualificar este Programa de Estabilidade?
Prudente.
Mas também há quem fale em ilusão, como o PSD, e num milagre se as metas forem alcançadas...
Quando o PSD decidiu emigrar da realidade e exilar-se colectivamente numa realidade paralela, é natural que considerem a realidade que realmente existe como uma mistificação. Mas, infelizmente para o PSD, é a realidade na qual o resto das pessoas e dos partidos vivem e se o PSD quer ter um debate com a realidade, então tem de regressar rapidamente à realidade e sair do exílio que se auto-impôs.
O Programa do Governo baseava o crescimento da economia num aumento do consumo interno, mas no Programa de Estabilidade há uma diminuição. O Governo mudou de estratégia?
Não há nenhuma diminuição do consumo. O consumo privado cresce todos os anos e mantém-se, como em qualquer economia, um motor importante do crescimento económico. Há outras variáveis, nomeadamente o investimento e as exportações, mas o consumo neste Programa de Estabilidade, bem como no programa do Governo anterior, o consumo mantém-se uma variável importante no crescimento económico.
É preciso não esquecer que o crescimento económico que saiu nos últimos dois anos, desde que o país saiu da recessão, ao contrário do discurso de PSD e CDS, foi assente no consumo. Sem o aumento do consumo, nomeadamente o consumo de automóveis, não teríamos tido crescimento em 2014 e 2015. Nós mantemos um crescimento do consumo, não nos parece que seja excessivo, como o resto do quadro macroeconómico que consta do Programa de Estabilidade, parecem-me números e previsões prudentes e inteiramente razoáveis.
O corte de 1,4 mil milhões de euros no défice em 2017 é compatível com um discurso de virar a página da austeridade?
Sim, porque o défice não cai porque haja um corte. O crescimento da economia é responsável por uma parte significativa dessa redução do défice, bem como outros factores como, por exemplo, os 450 milhões de receita do BPN que abatem a esses 1.400 milhões. Não estamos a falar aqui de qualquer austeridade. Não há nenhum corte de salários, nem de pensões. Aliás, há reposição de salários e aumento de pensões. Não há aumento de impostos sobre o rendimento, não há nenhum aumento de IVA previsto.
Ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, o rendimento das famílias aumenta em todos os anos do horizonte do Programa de Estabilidade, dando continuidade àquilo que já aconteceu em 2016. Por muito que custe a algumas pessoas acreditar que é possível fazer uma política diferente e que não estamos condenados a uma austeridade cega que aposta na diminuição de direitos e no corte de rendimentos, o Orçamento que já está em vigor e o Programa de Estabilidade mostram que sim, que é possível uma alternativa e não estamos condenados ao empobrecimento.
Estes programas com previsões a vários anos fazem sentido num tempo de tanta incerteza na economia mundial?
Estamos a falar de uma obrigação europeia. Temos de fazer estas previsões a quatro anos. Mesmo num cenário de relativa estabilidade, é sempre difícil fazer previsões a vários anos, no contexto actual também, mas esse é um problema que afecta Portugal e todos os países que pertencem à União Europeia e que estão sujeitos às suas regras. Sim, tornam mais difíceis, mas não é mais difícil apenas para Portugal, mas para todos os países. Mas é uma obrigação europeia e, dentro da incerteza existente, procurar fazer as melhores previsões possíveis e, nesse sentido, previsões prudentes são um valor importante do ponto de vista da credibilidade.