28 set, 2016 - 22:05 • Eunice Lourenço
Quase à beira de passar um ano sobre as eleições legislativas, Rita Tavares e Márcia Galrão contam “Como Costa montou a geringonça em 54 dias”. O livro, que é apresentado esta quinta-feira, em Lisboa, é “o primeiro relato histórico” dos dias que se seguiram a 4 de Outubro de 2015 e que resultam no Governo do PS com apoio da esquerda, que tomou posse a 26 de Novembro.
“A ideia surgiu da editora que nos fez este desafio de contar, utilizando as técnicas do jornalismo, este período intenso da política portuguesa numa histórica capaz de ser lida por toda a gente”, conta Rita Tavares, jornalista actualmente a trabalhar no jornal "online" Observador e que na altura das eleições e da formação do Governo, estava no diário "i". Márcia Galrão, agora na "Visão", estava no "Diário Económico".
Para além da informação que já tinham pelo acompanhamento da actualidade política, começaram a recolher tudo o que foi escrito nesses 54 dias, assim como os documentos. Depois, fizeram cerca de 50 entrevistas, tanto em "on" como em "off" (sem permissão para citações). Falaram com intervenientes nas negociações, mas também com pessoas com uma relação mais próxima do agora primeiro-ministro para tentarem perceber melhor os mecanismos de decisão.
“Depois de a ‘geringonça’ estar em andamento, as pessoas começaram a perceber que isto até vai funcionado, mas a verdade é que no dia 4 de Outubro achámos todos isto impossível”, lembra Rita Tavares.
Márcia Galrão assinala que um dos objectivos foi “perceber se isto estava ou não montado ou na cabeça dos intervenientes antes das eleições”. “Conseguimos mostrar no livro que o PCP já estava a preparar-se para uma solução deste tipo”, continua Márcia, acrescentando que os comunistas estiveram à espera de ver “se António Costa tinha força dentro do PS para se manter à frente do partido”.
“As decisões no PCP não são de um dia para o outro, são mastigadas no tempo. Houve conversas informais, contactos, antes das eleições, mesmo que tenham sido exploratórios e nada definitivo”, acrescenta Rita.
O mais difícil do trabalho foi ganhar a confiança dos intervenientes. Ou melhor, foi que a própria “geringonça” ganhasse confiança em si própria. Quando fizeram as primeiras entrevistas, em Janeiro, as pessoas "não estavam muito à vontade, falavam por meias palavras”, como conta Rita Tavares. Já estava em curso a negociação do primeiro Orçamento do Estado desta solução governativa e as várias partes tinham receio de prejudicar o andamento da relação se divulgasse grandes detalhes. Quando fizeram os contactos finais, em Junho, já notaram “mais tranquilidade”.
No prefácio, Pacheco Pereira assinala, que “nas reuniões de hoje não se fazem registos, e muito menos actas, quase não há correspondência entre as partes de um acordo, há quando muito SMS e emais, facilmente e perecíveis”, pelo que os historiadores do “tempo presente” vão encontrar dificuldades para o fixar com rigor. Daí, a importância de livros como este que recolhem o testemunho quase imediato.
“É o primeiro relato histórico daquele momento. É importante perceber o que dizem logo no início” sem saber ainda como esta história vai acabar, resume Márcia Galrão, acreditando que o livro que escreveu com Rita Tavares será uma “base feita ainda muito na fase inicial” para trabalhos futuros sobre esta solução de governo inédita na política portuguesa.