13 out, 2016 - 20:38 • Olímpia Mairos
Ao chegarmos a Rabo de Peixe, logo percebemos que estamos numa terra peculiar. Dezenas de homens vagueiam pela avenida principal, sem nada para fazer. Muitos concentram-se em frente aos cafés e junto ao paredão, de onde se avistam vários barcos de recreio. Há quem meta conversa para pedir uma moeda. Outros baixam os olhos e apressam o passo para fugir do microfone.
Nos cafés da vila piscatória, bastante escuros, só se encontram homens. Encontramos também pessoas nos seus trabalhos e outras a passear.
A freguesia é produtiva, com uma grande actividade piscatória, munida de um grande porto de pescas. É sede de empresas de construção civil e a agricultura e a agropecuária têm grande impacto.
Existem supermercados, agências bancárias, farmácia, cineteatro e centro de juventude, escolas, ginásios e piscina, clube naval, escola profissional, casa do povo e centro de idosos, clube de futebol e muitas outras estruturas.
“A vida está muito complicada”
Andreia Dias tem 24 anos. Está sentada num degrau, à porta da Igreja, a observar o que se passa. Tem perto de si os seus dois filhos a brincar com uma pequena bicicleta. O mais velho tem sete anos e o mais pequenino tem três.
O marido é pescador, mas perdeu o emprego. Ela também está desempregada. Vivem do rendimento mínimo de inserção. Com a voz embargada, diz-nos que “a vida está muito complicada”.
“É pagar a água, a luz, os bens essenciais para as crianças e não dá para mais nada. Não dá para podermos evoluir”, lamenta.
O desejo de Andreia é “conseguir um trabalho, para poder dar aos filhos o que precisam”.
Em Rabo de Peixe há muitas pessoas desempregadas e a pobreza e exclusão social são uma realidade.
“Há pobreza em Rabo de Peixe”
Sentada na soleira da porta, vestida de preto, está Maria dos Anjos com 78 anos. Ostenta possivelmente a sua única riqueza, uns longos brincos e dois anéis de ouro que embelezam a idade que não parece ter. Numa conversa afável, mas também triste, descobre a pobreza que as fachadas das casas ocultam.
“A gente vê essas casas muitos bonitas, mas as pessoas estão a dever ao banco por 50 anos. Quando é que vão pagar? É para selar as portas. Por isso é que eu digo: há pobreza em Rabo de Peixe”.
E continua: “A gente vê aquela pessoa muito bem vestida... mas só se veste assim. Não tem pensamento. Os pequenos, para se alimentarem, tem que ser na escola ou é a segurança social que dá o rendimento mínimo”.
E na luta pela sobrevivência, revela Maria dos Anjos, “há mulheres que estão a deixar os maridos, para receberem o rendimento mínimo. E os pobres coitados ficam para aí abandonados”.
“Eu não vivo bem, mas os meus filhos estão piores”, confessa. “Como é que eu posso ajudá-los, se tenho o marido doente, a quem já deram vários avc, e eu tomo muita medicação?! Não posso!”, lamenta D. Maria dos Anjos.
“A nossa vila até é rica”
João Manuel tem 53 anos. Está sentado com um grupo de homens apáticos no paredão. Ao verem-nos chegar, todos se levantam e dispersam. Só João Manuel permanece e nos recebe com um sorriso confiante e destemido.
“Aqui vive-se essencialmente da pesca e isto está bem mal. Não dá para o sustento. Já há duas semanas que não se vai ao mar. O dinheiro vai aparecendo, mas devagarinho.”
“Dizem que a freguesia é pobre, mas a nossa vila até é rica”, diz orgulhosamente João Manuel. E explica: “Têm o rendimento mínimo, têm o mar e dá para as pessoas se sustentarem e bem!”
“Se muitos vivem mal, é porque vão dar tudo aos cafés”, explica. E continua: “Há muitos que o que ganham vão dar aos cafés, em vez de darem às suas famílias. E há muitos jovens que se dedicam a outras coisas - nem digo o quê!, para eles não se chegarem, depois, a mim.”
Dias melhores e dias piores
Na praça de táxis está Roberto Cordeiro, 40 anos. Aguarda pacientemente possíveis clientes.
“Tem dias melhores, tem outros piores. Agora estamos a sentir mais um pouco, porque já há muita juventude com carta de condução e já sobra menos para nós. Mas com algumas dificuldades, vai dando para ir vivendo.”
O taxista conhece bem a realidade da vila, em que “metade da população vive da arte da pesca, uma arte que de inverno tem as suas dificuldades devido às condições climatéricas”.
Mais do que a fama
João Mota Gomes é professor do ensino básico e secundário. Já leccionou na escola Rui Galvão de Carvalho. Para o professor, a realidade de Rabo de Peixe “é muito heterogénea”. Ao contrário do esteriótipo “publicitado pela comunicação social”, que mostra Rabo de Peixe como “uma zona muito deprimida”, o cenário é “um bocado falso”.
E exemplifica: “Tem uma parte - das areias, por exemplo - onde se concentram as classes média-alta e alta mesmo”. “Depois, existe a parte de baixo, onde tem mais as famílias piscatórias, com alguns problemas sociais”. Os problemas existem, mas não é a realidade única de Rabo de Peixe”, desdramatiza o professor.
Para João Mota Gomes, o problema é “muito sério”, porque, diz, “tem a ver com a filosofia de vida”. “São problemas que se foram arrastando ao logo de séculos, relacionados com a actividade da pesca. Momentos em que tinham pescado e outros momentos que ficavam em terra”, situação que, para o professor, origina “os hábitos de alcoolismo e violência doméstica”. “E isso são problemas que levarão anos a resolver. É também um problema cultural, mas não é a realidade toda de Rabo de Peixe”, conclui.
Também para o Padre José Cláudio, que está na localidade há quatro anos, “Rabo de Peixe é melhor que a má fama”. Para o sacerdote, “Rabo de Peixe é especial também pela questão demográfica”.
Natural da região do Nordeste, Brasil, é pároco há dois em Rabo de Peixe. Pertence à Obra de Maria e está inserido numa comunidade missionária composta por dois jovens e um casal.
Para o sacerdote, Rabo de Peixe “é uma vila bastante grande, onde há mais pessoas do que em algumas ilhas”. Por esse motivo, “é natural que os problemas venham ao de cima”. “Mas, por outro lado, há muito investimento por aqui, vários institutos, projectos”, realça.
Falando sobre o tecido social, o sacerdote refere que existem “famílias carentes a vários níveis” e que “várias pessoas pedem ajuda”. “Batem à nossa porta a pedir bens materiais, mas também à procura de uma palavra amiga”, desabafa.
Apesar das diferenças sociais e culturais, para o padre, “a fé é um ponto de unidade, que a todos torna ‘comuns’, independentemente das diferenças”. “É um povo muito devoto”, testemunha.
A presença pastoral do pároco e da sua comunidade não pretende “mudar o que quer que seja, mas aprender com a realidade e, na medida do possível, tentar acrescentar algo”.