15 out, 2016 - 10:05
O fim das medidas privativas da liberdade de José Sócrates completa domingo um ano sem que tenha havido acusação e numa altura em que o Ministério Público adiou para Março de 2017 o prazo para conclusão da investigação.
O antigo primeiro-ministro socialista, vindo de Paris, foi detido a 21 de Novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, por suspeitas dos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito, tendo ficado preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Évora.
Durante os mais de nove meses em que esteve preso em Évora, Sócrates reclamou inocência, recebeu a visita de amigos e colegas de partido, incluindo do antigo Presidente da República Mário Soares, mas todos os pedidos de `habeas corpus" para a sua libertação foram rejeitados pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Já depois de outros arguidos terem deixado de estar em prisão preventiva na Operação Marquês, Sócrates passou, a 4 de Setembro de 2015, para prisão domiciliária, com vigilância policial e proibição de contactos com outros arguidos, isto depois de, antes, o antigo líder do PS ter recusado a possibilidade de ficar preso em casa com pulseira electrónica.
A sua chegada a casa, de ténis e t-shirt, tornou-se num dos acontecimentos mais mediáticos desse verão, com eleições legislativas à porta.
Nesse momento, as atenções dos investigadores estavam viradas para o alegado envolvimento do antigo primeiro-ministro no licenciamento do empreendimento de Vale de Lobo, num negócio que trazia também à colação o empresário Hélder Bataglia e os amigos de longa data de Sócrates - Armando Vara e Carlos Santos Silva, também arguidos na Operação Marquês.
João Araújo e Pedro Delille, advogados de Sócrates, vieram então, em conferência de imprensa, classificar o processo de "patético, sem orivas ou factos", contrariando notícias que apontavam o antigo líder socialista como o beneficiário de muitos milhões de euros que circularam pelas contas de Carlos Santos Silva.
A 16 de Outubro, já depois das legislativas, Sócrates ficou em liberdade por decisão judicial, mas proibido de se ausentar para o estrangeiro, após o Ministério Público considerar que estavam consolidados os indícios recolhidos nos autos, bem como a integração jurídica dos factos imputados.
O Ministério Público (MP) previu concluir o inquérito em Março deste ano, adiando depois a data para 15 de Setembro, altura em que a Procuradoria-Geral da República concedeu mais 180 dias (meio ano) para "a realização de todas as diligências de investigação consideradas imprescindíveis".
Este novo adiamento - duramente criticado pela defesa e por Sócrates, que ameaçou recorrer às instâncias internacionais - foi justificado pelo MP com o surgimento de "novos factos, integráveis no objecto do processo" e que implicam pedidos de cooperação judiciária internacional.
Em causa estarão suspeitas de corrupção com negócios da PT no Brasil, envolvendo o Grupo Espírito Santo (GES).
Recentemente, numa entrevista à SIC, o juiz do TCIC Carlos Alexandre aludiu ao facto de ter que trabalhar bastante por não ter amigos pródigos, o que foi interpretado como uma indirecta a Sócrates, que acusou o juiz da Operação Marquês de "abuso de poder" ao "corroborar publicamente as injustas e falsas teses da acusação".
No seguimento das declarações e de uma queixa dos advogados de Sócrates, o Conselho Superior da Magistratura - órgão de gestão e disciplina dos juízes - vai analisar as declarações de Carlos Alexandre.
Na terça-feira o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o pedido de afastamento do juiz apresentado pela defesa.
Um ano em 28 frases
A agência Lusa fez uma compilação das declarações mais impactantes do antigo primeiro ministro desde que foi libertado há um ano.
"Vou visitar um amigo, o doutor Mário Soares, e tenho a esperança até de que com isto possa retribuir todas as visitas que ele me fez."
17-10-2015
"O Estado português não tem autoridade moral para reivindicar a libertação de ninguém ao fim de cinco meses de prisão sem acusação, porque mantém cidadãos portugueses presos há 11 meses sem acusação."
24-10-2015
"Todos os meus direitos políticos estão intactos e tenciono exercê-los."
24-10-2015
"Parece-me muito pobre, desesperadamente pobre, esse argumento do 'à justiça o que é da justiça e à política o que é da política', como se a política não tivesse a obrigação e o dever de debater e discutir quer as formas, os meios e os fins de realizar essa justiça."
24-10-2015
"Deve governar quem tem maioria no parlamento. Melhor dito, não pode governar quem tem a maioria do parlamento contra ele, esse é que não pode governar e essa é a boa regra democrática."
24-10-2015
"Num momento em que se anuncia um novo Governo em Portugal, um novo Governo de esquerda, o que eu desejo a este Governo é que restaure não apenas uma visão mais esquerda na Europa, mas que restaure em Portugal um discurso sobre a Europa um pouco mais centrado na igualdade."
07-11-2015
"Já nem é preciso fazer uma acusação porque o mal está feito, o PS já perdeu as eleições."
07-11-2015
"Não é penas o Governo que é novo, é também este tempo político. É o começo de um novo começo. Nada nos soa melhor que os inícios."
07-11-2015
"O Partido Socialista devia-se empenhar nesta campanha [para as eleições presidenciais] e fazer uma escolha, porque isso é absolutamente decisivo para a vitória de um candidato presidencial de esquerda."
09-01-2016
"Usar a detenção e a prisão preventiva para extorquir confissões são regras próprias do passado medieval, não do processo contemporâneo."
19-02-2016
"Como o Ministério Público ainda não teve a gentileza de me entregar qualquer acusação e como nenhum tribunal ainda me condenou por nenhum ato ilícito, a minha pergunta é a seguinte: como é que se atreve um procurador a tão flagrante e tão grosseira presunção da inocência? Ele atreve-se porque para ele verdadeiramente o que acha é que já não há nada disso em Portugal."
19-02-2016
"Primeiro, detiveram dizendo que tinham provas definitivas e concludentes. Três meses depois, a prova estava 'consolidada'. Aos seis meses, estava 'consistente" e "robusta'. Nove meses depois, estava... sei lá, de betão armado. Dezasseis meses depois, nem factos, nem provas, nem acusação. Agora querem mais seis meses, e depois se verá. Até onde levará o Ministério Público tal abuso?"
Jornal de Notícias, 04-04-2016
"Com tantas razões excecionais, não se darão conta os responsáveis do Ministério Público -- e desde logo a senhora procuradora-geral -- que estão, pura e simplesmente, a transformar um processo que devia ser igual aos outros, num processo, esse sim, excecional?"
Jornal de Notícias, 04-04-2016
"Neste caso ['Operação Marquês'], não há propriamente um processo para descobrir um crime. O que há é um alvo e a investigação não é a um crime mas a um alvo. É uma perseguição a alguém."
09-04-2016
"Vejo o alvoroço diário da sua presidência [Marcelo Rebelo de Sousa] como uma necessidade de querer sublimar a frustração por ter sido afastado da política durante 20 anos."
El País, 11-04-2016
"Eu nunca teria sido primeiro-ministro sem ter ganho as eleições, mas esse é um problema meu, agora reconheço toda a legitimidade a este Governo e a António Costa."
Antena 1, 21-04-2016
"O PS desistiu das eleições presidenciais, não batalhou. Foi um erro político."
Antena 1, 21-04-2016
"[Nos 'Panama Papers'] sou suspeito porque o meu nome não está lá! Quem anda aos papéis é o Ministério Público!"
Antena 1, 21-04-2016
"É difícil acreditar que as necessidades atuais da Caixa Geral de Depósitos se devam à responsabilidade do Governo que governou... há cinco anos. O que me parece é estarmos perante uma infantil manobra tática preventiva: acuso-te já para que não me venham a acusar."
Jornal de Notícias, 20-06-2016
"O que estou aqui a fazer é denunciar o que está a acontecer e o que está a acontecer está à vista de todos. Quanto a haver ou não haver acusação uma coisa digo: processarei o Estado porque o Estado teve um comportamento de abuso inqualificável."
28-07-2016
"Vi-me forçado, pelas circunstâncias a que o Estado me colocou, a pedir a subvenção vitalícia, coisa que nunca tinha pedido porque não tinha precisado dela."
28-07-2016
"Esta atuação do sr. juiz de instrução [Carlos Alexandre] configura um inqualificável abuso de poder. Parece que se diz que o juiz de instrução é, no nosso ordenamento jurídico, o juiz dos direitos."
Diário de Notícias, 10-09-2016
"Foi uma insinuação covarde e torpe que o senhor juiz [Carlos Alexandre] fez a meu respeito [ao afirmar à SIC que não tinha dinheiro em contas de amigos]."
TSF, 16-09-2016
"Ao visitar o DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal] uma semana antes daquilo que - já se estava mesmo a ver que era mais um adiamento [do prazo para a conclusão do inquérito da 'Operação Marquês'] - o Presidente da República decidiu tomar parte."
TSF, 16-09-2016
"Eu nunca abandonei a vida política e só abandono a política quando eu quiser e não quando outros pretenderem uma espécie de ostracismo cívico."
23-09-2016
"O que me preocupa é que por trás do discurso do combate ao fisco [à evasão fiscal] está uma concentração de poder nos organismos de Estado que é perigosa para todos. Nós todos sabemos como o fisco é completamente indiferente aos direitos dos contribuintes. Queremos dar-lhe ainda mais poder."
23-09-2016
"Muitos quiseram afastar-me. Detemos-te, pomos-te na prisão, não dás entrevistas. O primeiro objetivo era isolar-me da sociedade portuguesa. Porventura, conseguiram esse objetivo com a direção do PS, mas quero dizer-vos que não conseguiram afastar-me do coração dos militantes."
24-09-2016
"O que estão a fazer comigo é o ato mais abjeto e mais repugnante que uma sociedade pode fazer. É condenar alguém sem lhe dar oportunidade de defesa, sem lhe dar julgamento, nem sequer acusação."
07-10-2016