27 out, 2016 - 00:01 • Raquel Abecasis (Renascença) e Diogo Queiroz de Andrade (Público)
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O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, Diogo Freitas do Amaral, aproveitou a saída de cena para reflectir sobre a situação política e hoje revê-se neste Governo, a quem dá tempo para se afirmar em termos económicos. Elogia o clima de paz social conseguido graças à presença do PCP no poder mas não acredita que a solução dure os quatro anos da legislatura.
Nesta entrevista, Freitas do Amaral falou também sobre José Sócrates e sobre o PSD, que, segundo diz, nunca o perdoou.
Há um ano afirmou que não teria dito publicamente que ia votar no PS se soubesse que depois a solução governativa seria esta. Hoje diria o mesmo?
Sim, diria o mesmo. Eu apoiei o Partido Socialista na convicção de que o PS teria condições para ganhar as eleições e governar sozinho. Não me passou pela cabeça, confesso, que esta fórmula viesse a ser aplicada. Contudo, também acrescentei depois que não era um golpe baixo, nem um golpe de secretaria, nem uma atitude antidemocrática. Era uma solução perfeitamente constitucional, que não era a minha – mas que era legítima. Agora, que era a solução que eu preferia, não era.
Mas no ano passado por esta altura, quando a solução se começou a construir, ninguém acreditava que ela durasse muito tempo – e a verdade é que estamos a acabar de conhecer o segundo Orçamento.
Eu nunca fui tão exagerado. Tinha dúvidas sobre se isto ia correr bem ou não, mas comecei a defender que a partir do momento em que os partidos se juntam no apoio a uma solução, ficam interessados em que essa solução dure. Se me perguntar se acho que ela vai durar quatro anos, não estou convencido disso. Porque, como se está agora a ver a propósito de questões que um ou dois partidos consideram muito importantes, em qualquer momento pode surgir uma faísca que pegue fogo.
Estamos a falar por exemplo dos salários do administrador da Caixa Geral de Depósitos?
Por exemplo. Ou as pensões.
Em Agosto, ainda sobre este Governo, quando foi a polémica das viagens pagas pela Galp, defendeu que os governantes envolvidos deveriam ter sido demitidos. Acha que António Costa ficou com uma posição fragilizada?
Como primeiro-ministro de Portugal acho que não ficou com a posição fragilizada. Agora, como bom primeiro-ministro ficou com a posição fragilizada por não ter compreendido que mais importante do que o cumprimento dos deveres legais é o cumprimento dos deveres éticos. Não deu um bom exemplo ético de governação ao país.
A questão é que em política, e se olharmos para as experiências passadas, estes casos deixam sempre sequelas.
Era o que eu ia dizer, deixou uma mossa. E se agora está a haver uma reacção mais forte da parte do PCP e do Bloco em relação aos salários da Caixa, eu acho que é pelo facto de o Governo ter tomado uma atitude de desinteresse relativamente ao problema ético que se colocou em Agosto.
Aponta mais algum pecado a este primeiro ano de Governo de António Costa?
Não gosto de colocar a questão dessa maneira. Acho que não me compete a mim estar a distribuir pecados ou actos de santidade, nem o Governo se reveria nisso porque não tem uma atitude religiosa. Mas eu diria que a primeira grande vantagem deste Governo foi que durou um ano e está quase a ter o seu segundo Orçamento aprovado, mantendo o país em calma. Isso, quer se goste quer não se goste do Governo, é um factor muito positivo. Houve calma na vida política, em parte por acção do Governo e em parte por acção do novo Presidente da República, é um facto. Mas também calma sindical. Dir-me-ão que os sindicatos estão menos agressivos pelo facto do PCP se ter aliado a esta fórmula de Governo. Pois, é uma das vantagens que advêm das formas de Governo onde estão os partidos com maior implementação sindical: paz social. Não é por acaso que a maior parte dos nossos empresários, sem o dizer publicamente, assumem em particular: “Deixem lá isto durar isto mais um ano ou dois, que está a ser bom para nós”.
E será ocasião para se fazerem as tais reformas tão difíceis de se fazerem no país?
É muito difícil. Porque as grandes reformas que se têm de fazer no país têm de merecer, pelo menos, o consenso sincero do Partido Socialista e do PSD. E neste momento não há condições para isso. Espero que daqui a um, dois ou três anos essas condições existam.
Mas pensa que a esquerda estaria disponível para entrar em acordos desse tipo?
Se entender por esquerda a actual maioria parlamentar, acho que não. Mas, se porventura amanhã viesse a haver um bloco central…
Mas a verdade é que vemos essa esquerda – o PCP e o Bloco – a aceitarem coisas que sempre disseram que nunca aceitariam, nomeadamente o tratado orçamental.
Mas isso é próprio dos partidos que chegam ao Governo. Os partidos que chegam ao Governo engolem muitos sapos. E têm de fazer muitas coisas que sempre disseram que não fariam e têm de deixar de fazer muitas coisas que sempre disseram que fariam.
Mas o PCP e o Bloco não estão no Governo nem sequer estão em coligação, estão simplesmente a apoiar o Governo. Isso não tem um preço eleitoral?
Não estão no Governo mas estão no poder. Isso faz a diferença.
Acha que o eleitorado do PCP e do Bloco compreende isso?
Acho que sim. Compreende e gosta.