16 fev, 2017 - 00:14 • Raquel Abecasis (Renascença) e Sónia Sapage (Público)
Veja a segunda parte da entrevista:
Numa semana em que o Governo confirmou boas notícias económicas e (re)viveu uma crise suscitada pelo processo da Caixa Geral de Depósitos, Carlos César fala com o Público e com a Renascença e assume a defesa cerrada do ministro das Finanças, Mário Centeno. Por estes dias, tornaram-se sonoras as críticas do PS ao até agora consensual Presidente de República. César, pelo contrário, diz-se satisfeito com o Presidente da República. António Domingues é assunto ultrapassado.
Disse que ficou satisfeito com o comunicado do Presidente da República. Como pode ficar satisfeito com um comunicado em que o Presidente aceita manter no cargo o ministro das Finanças em nome do interesse nacional?
A interpretação mais legítima dessa mensagem é a de que o Presidente da República, no reconhecimento da complexidade deste processo e das dúvidas que suscitou, entendeu que o relevante para o país era, desde logo, a apreciação positiva que faz do ministro das Finanças e, a seguir, a necessidade de continuar a preservar um dos bens que hoje mais caracteriza a nossa vida política com consequências muito positivas na nossa vida económica, que é o da estabilidade política. Ou seja, o Presidente da República, numa posição de solidariedade institucional e política, permitiu que este processo fosse ultrapassado sem que fosse considerado mais importante do que os objectivos estratégicos em causa.
O Presidente justificou-se com o pressuposto da “estabilidade financeira”. Uma vez resolvido esse problema, Mário Centeno fica livre para sair?
O ministro Mário Centeno é um dos vencedores da política portuguesa. Ao longo deste ano, ele fez uma maratona em que saiu vencedor e é estranho que a pergunta que se faz é se ele falou com alguém ou não no decurso dessa maratona. Ele fez a maratona e ganhou, e os resultados estão à vista: temos um défice não superior a 2,1% do PIB; um crescimento económico que também está fundamentado no crescimento do investimento; as exportações a subir; o emprego a aumentar; tivemos menos 250 desempregados por dia no ano de 2016... Isso não caiu do céu, foi resultado da política económica do Governo.
A questão é se os alegados erros de percepção não são também importantes, além dos resultados.
Naturalmente que o método e as questões processuais fazem parte da qualidade da decisão política, mas aquilo que foi evidenciado ao longo deste processo e dos esclarecimentos que foram prestados pelos diferentes protagonistas foi a ideia de que, se houve algum equívoco, esse equívoco não foi intencional por nenhuma das partes.
Numa fase inicial dizia-se que não havia equívoco nenhum...
Nesta questão eu nunca tive dúvidas. Sempre achei que os gestores da Caixa estariam obrigados à apresentação da sua declaração de rendimentos perante o Tribunal Constitucional. Fiz, aliás, declarações nesse sentido. Não sei se o Governo teve sempre essa percepção de forma rigorosa mas, pelas declarações que tenho ouvido, não transmitiu, pelo menos intencionalmente, uma ideia contrária. (...) Já tive a oportunidade de dizer, por estes dias, que gosto imenso do ministro Mário Centeno, mas não é um orador extraordinário. Não o escolheria para o momento mais forte de um comício, mas acho que foi muito bem escolhido para ministro das Finanças.
Atribui a uma falta de capacidade de se expressar aquilo que foi mal entendido neste processo? É que isto dura desde Outubro...
Mas sabe porque é que isto dura? Isto dura porque o PSD e o CDS não têm mais para dizer (...). Têm de existir casos, têm de existir lateralidades, porque, no essencial, o PSD e o CDS são derrotados na mesma proporção dos sucessos do país.
Se isto é apenas um caso, porque é que o Presidente, depois de ter dito que confiava no ministro das Finanças, sentiu necessidade de o chamar?
Julgo que o Presidente teve a percepção de que esta situação, com a insistência do PSD e do CDS, degradava a imagem institucional do país e entendeu que a mensagem que acabou por tornar pública colocaria um ponto final nessa matéria. Mas a grande conclusão que se pode retirar da mensagem no Presidente da República, neste caso, não é a confiança que tem num ministro, porque isso cabe ao primeiro-ministro, é a de que o país devia confiar num político e na condução que ele está a fazer especificamente do sector das finanças e da política económica do país. Penso que esta intervenção também foi articulada desde sempre com o primeiro-ministro.
Este caso não é menor: resultou na demissão do ex-presidente da Caixa, António Domingues.
Sim, nessa vertente que coloca... Mas esse é um problema ultrapassado. Nós temos uma nova administração da CGD, uma administração competente, temos o mesmo plano de negócios e o mesmo plano de reestruturação e de recapitalização em curso e é isso que interessa verdadeiramente. Interessa muito mais a CGD e a sua perenidade do que a vida actual de António Domingues.
Porque é que o PS, assim como o BE e o PCP, se opõe a que a restante documentação seja conhecida, nomeadamente os sms trocados entre Centeno e Domingues?
Primeiro, porque essa questão, colocada no âmbito da comissão parlamentar de inquérito, não se enquadra no objecto da comissão. E, em segundo lugar, porque o normativo constitucional aplicável neste caso não permite que a divulgação seja feita fora do âmbito de um processo criminal.
Não seria bom para a transparência, sem oposição das partes, que o conteúdo fosse conhecido?
Não devem existir conveniências políticas que se sobreponham ou que conflituem com a lei ou com a Constituição.
Conhece o conteúdo dessas mensagens?
Não. Não espreito os telemóveis de ninguém.
Se perdessemos agora o contributo de Mário Centeno, que consequências é que acha que isso teria para o país?
Não vamos perder. Dispenso os ouvintes da minha resposta porque eles não terão necessidade de a considerar.
Disse, há uns tempos, que as propostas para a compra do Novo Banco eram "vexatórias". Pensa diferente, hoje?
O que eu penso é que, na avaliação da opção a tomar no caso do Novo Banco, o importante é evitar o mal maior. Entre as duas soluções, temos de optar por aquela que comprometa de forma menor as contas públicas e o esforço dos contribuintes portugueses. O Governo não tomou uma posição definitiva sobre a matéria e não excluiu nenhum dos dois cenários: o da venda e o da manutenção no sector público financeiro.