01 mar, 2017 - 10:52
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio admite que a não publicação de estatísticas sobre transferências para "offshore" pode não ter sido a “decisão mais adequada”, mas defende que a divulgação pode ser contraproducente.
“Reconheço que a não publicação das estatísticas poderá não ter sido a decisão mais adequada e concedo que a minha decisão, por dúvida de não publicar estas estatísticas, possa ser objecto de crítica e eu concedo-a”, disse Paulo Núncio, esta quarta-feira, aos deputados da comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
O antigo governante do executivo de Pedro Passos Coelho disse que “continua a entender que existem determinadas matérias cuja exposição de muita informação pública pode ser contraproducente", nomeadamente "em matérias de combate à fraude e à evasão fiscal”.
Paulo Núncio respondia a questões colocadas pelo deputado do PSD Duarte Pacheco sobre os quase 10 mil milhões de euros que foram transferidos para contas sediadas em paraísos fiscais sem qualquer controlo da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entre 2011 e 2014, embora tenham sido comunicados ao Fisco pelos bancos, como a lei obriga. O caso foi revelado pelo jornal "Público".
Entre 2011 e 2015, enquanto Paulo Núncio era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, não foram publicadas as estatísticas da AT com os valores das transferências para "offshores".
Questionado sobre se a publicação de estatísticas interfere no trabalho da AT, o antigo governante respondeu que não e defendeu que a publicação de estatísticas e a “acção efectiva de inspecção são duas realidades distintas”.
Paulo Núncio garantiu que não deu nenhuma instrução para que fossem alterados os procedimentos para a não publicação das estatísticas, mas sobre a saída de 10 mil milhões de euros para "offshores" sem tratamento disse preferir aguardar pelas conclusões das investigações da Inspecção-Geral de Finanças (IGF).
“Não quero alimentar o debate sobre percepções individuais ou mútuas. É um assunto demasiado sério para opinarmos sem conhecimento. Vamos acompanhar serenamente pelos resultados das conclusões”, disse.
O secretário de Estado do Governo PSD-CDS assegurou que não há impostos perdidos na saída dos 10 mil milhões de euros e que, apesar de as estatísticas não terem sido divulgadas, o Fisco controlou essas transferências.
“Há impostos perdidos? Não”, assegurou Paulo Núncio, lembrando que a “administração fiscal tem até 2024 para proceder à liquidação de impostos” das transferências para "‘offshores", uma vez que o anterior governo alargou o prazo de caducidade de proceder às liquidações de imposto devida nessas transferências.
"Conversas" com Gaspar e Albuquerque
O antigo secretário de Estado admitiu ter tido "conversas" com os ministros das Finanças a quem respondeu sobre "offshore", mas centrou em si o acompanhamento da matéria enquanto esteve no Governo.
"Admito que tenha tido conversas com os ministros das Finanças sobre as questões, em geral, do combate à evasão fiscal", disse Núncio, referindo-se a Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, que foram os governantes com a pasta das Finanças no executivo PSD/CDS-PP a quem respondia directamente.
Paulo Núncio declarou que os paraísos fiscais eram "matéria" por si acompanhada "em particular" dentro do executivo, reiterando a responsabilidade política em exclusivo da não publicação de certas estatísticas sobre transferências para "offshores".
"Nunca discuti a questão da não publicação de estatísticas com o ministro Vítor Gaspar e a ministra Maria Luís Albuquerque", reforçou. "É uma responsabilidade minha que só a mim me cabe. Nunca foi discutida nem partilhada com eles."
Em respostas ao deputado do PCP Miguel Tiago, Paulo Núncio advogou que a visão de que "dez mil milhões de euros escaparam do país" é "demagógica e populista", vincando que "não tem nada a ver" com a Autoridade Tributária (AT) as referidas transferências de 10 mil milhões de euros para paraísos fiscais.
"Uma de duas: ou queremos um país tipo Venezuela, onde há um controlo de capitais extremo, ou temos um sistema tipo Europa ocidental, onde as transferências feitas pelas empresas são objecto de controlo à 'posteriori'", disse.
Ainda esta quarta-feira, será ouvido o actual secretário de Estado da tutela, Fernando Rocha Andrade.
[Notícia actualizada às 14h05]