19 mar, 2017 - 21:17 • Susana Madureira Martins
O ex-Chefe de Estado Jorge Sampaio voltou a explicar a decisão de dissolver a Assembleia da República e que levou à queda do Governo de Pedro Santana Lopes.
Numa conferência no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, questionado pela jornalista Anabela Mota Ribeiro, Jorge Sampaio lembra que havia sinais de que era preciso convocar eleições.
E, perante a recente entrevista de Santana Lopes à Renascença, Sampaio disse, sem nunca nomear o antigo primeiro-ministro, que “tem havido aqui e acolá a ideia de que isto é tudo uma coisa sinistra, combinada: faz-se assim em Julho para se fazer assim em Novembro. Isso é completamente mentira”, assegura.
Jorge Sampaio explicou que “era um impulso absolutamente impossível de resistir, perceber que havia que dar uma solução àquela matéria”, fazendo um apelo a que “esqueçamos esta ou outra palavra, um desabafo”. “Isso é o estilo de cada um, pode ser o estilo do biógrafo, mas eu sou uma pessoa de boa-fé, não acho que seja uma pessoa ordinária, nem malcriada. Às vezes convinha, mas não sou muito”, ironizou, arrancando gargalhadas da plateia.
O ex-Presidente da República, cujo segundo volume da biografia foi lançada pelo jornalista do "Expresso" José Pedro Castanheira, falou ainda do que diz ter sido sempre, “desde 1996”, uma das suas preocupações: a “tentativa de dar estabilidade” política, sublinhando que sempre teve “governos minoritários”.
“A dada altura convenci-me que só a dissolução poderia servir porque havia sinais vários, sinais a meu ver que apontavam para a necessidade de uma relegitimação por parte da vontade popular”. Sampaio admite que essa decisão “foi difícil na altura, mas obviamente que foi compreendido por uma larga maioria”. Em tom de desabafo, Jorge Sampaio acrescentou: “Não consigo libertar-me de 2004 de maneira nenhuma”.
“Houve vários erros cometidos na explicação disso, eu assumo isso com a maior facilidade”, insistindo que “dissoluções podem ser em momentos graves em que é preciso consultar a vontade popular” e foi o que aconteceu com a convocação de eleições legislativas que em 2005 resultaram na vitória do PS por maioria absoluta.
Álvaro Cunhal e a Câmara de Lisboa
Jorge Sampaio foi também questionado nesta conferência no CCB sobre os tempos em foi presidente da Câmara de Lisboa. Lembrou o entendimento que fez com o PCP, que aconteceu “passo a passo”, admitindo que houve “momentos absolutamente inesquecíveis” e que “houve sempre alguns problemas”. No entanto, “quando havia uma grande dificuldade” pedia encontros com “o doutor Álvaro Cunhal”, à época o secretário-geral do Partido Comunista Português.
Questionado com que espírito ia para esses encontros com Cunhal, Sampaio explicou que ia “com abertura absoluta e firme”, referindo-se ao líder comunista como “um grande táctico, um estratega”, relembrando que “as reuniões decorriam com ar de clandestinidade admirável, sempre no mesmo sítio e à mesma hora. Eu chegava e já lá estava o doutor Álvaro Cunhal”, revelando que se tratava de “uma casa na Avenida de Roma”, em Lisboa.
Jorge Sampaio diz que não se arrepende de nada, admite que “há coisas que teria feito diferentemente”, mas, em relação ao entendimento com os comunistas na Câmara de Lisboa, conclui: “Acho que isso fiz bem, manteve-se até ao fim”.
Houve uma altura em que “teve de olhar em frente, porque a hipótese existe”; e essa “hipótese” era a candidatura às eleições presidenciais de 1996, que reconhece ter começado a preparar em 1994, ainda como autarca da capital.
A partir daqui, Sampaio explicou que a dada altura surgiu à frente numa sondagem “com os próximos possíveis candidatos”, relembrando que se questionou: “O que é isto? Bem, e depois noutra sondagem lá vinha eu outra vez”. "De repente, começou a formar-se a ideia de que aquilo podia ser uma realidade”, diz, concluindo que “foi assim que aconteceu e o resto já se sabe o que foi”, confessando que teve pena de deixar a presidência da câmara.
Nesta conferência, Jorge Sampaio relembrou ainda a sua infância, a educação que lhe foi dada pelos pais, os tempos em que foi líder estudantil e que ao longo da sua vida “tudo foi acontecendo” sem ter planeado ser Presidente da República ou presidente da principal câmara do país.