16 mar, 2017 - 18:36 • José Pedro Frazão
O segundo volume da biografia de Jorge Sampaio chegou às livrarias esta semana. Escrito pelo jornalista José Pedro Castanheira, o livro inclui os anos de Sampaio Presidente e as crises políticas de 2004-2005, com a ida de Durão Barroso para Bruxelas, a nomeação de Santana Lopes para primeiro-ministro, a posterior dissolução do Parlamento e a demissão do Governo.
“Fartei-me do Santana como primeiro-ministro, estava a deixar o país à deriva - mas não foi uma decisão ‘ad hominem’. (...) Hoje faria o mesmo. De vez em quando é preciso dar voz ao povo – e percebi qual era o sentimento do povo”, diz Sampaio, citado na sua própria biografia.
Em entrevista à Renascença, Santana Lopes rejeita esta tese. “O povo não estava nas ruas, não havia protestos, não havia ruptura social. Isto foi uma conspiração da ‘corte’ em Lisboa. Porque já sabiam que eu não aceitava ordens nem sou comprável!”
Santana promete pôr tudo em livro, mas revela, nesta entrevista exclusiva, factos inéditos. Diz que o “sistema dos poderosos” não estava com ele e que Sampaio mudou de opinião “de um dia para o outro” depois de um encontro com banqueiros e empresários.
Esta é a defesa de Santana.
Já confessou a sua surpresa em relação ao que viu escrito sobre a biografia de Jorge Sampaio, livro que não teve oportunidade de ler. A sua maior surpresa centra-se no tom ou no conteúdo?
Sobre o tom, claro. Apesar de todas as diferenças, continuo a considerar o dr. Jorge Sampaio uma pessoa educada. Vários amigos censuram-me por dizer sempre coisas simpáticas sobre o dr. Jorge Sampaio. Mas a minha maneira de estar na vida é esta. Não é por divergir de uma pessoa…
Nunca toldou a sua relação com Jorge Sampaio? Até têm tido projectos conjuntos.
Sim, em relação aos refugiados sírios. A Santa Casa tem apoiado projectos que o dr. Sampaio lidera, solicitou-me esse apoio. Não é uma questão de pedir, é de trabalhar em conjunto. E trabalhei. Isso não prejudicou esta relação conjunta. Não digo que ficou igual, mas não prejudicou o essencial de uma relação civilizada.
Aquelas frases mais burlescas que lhe são atribuídas, custa-me a crer que sejam dele. Mas não ponho em causa a competência do jornalista que escreve o livro [José Pedro Castanheira, jornalista do “Expresso”], que me dizem ser um excelente profissional. Não sei como é que aquilo surgiu. Mas custa-me a crer. E custa-me também a crer que ele diga que “estava farto” porque “o país estava à deriva”. Isso é que eu não admito! O país não estava à deriva! Estava controlado nas finanças públicas, na economia em geral, em 2004 cresceu mais do que nos anos anteriores, a mais de 1%. O défice ficou em 3% e, com as correcções posteriores, acabou em 3,1%. Quase não houve greves nem manifestações nesse ano. A maioria era coesa…
Havia instabilidade no Governo, com a demissão do seu ministro Henrique Chaves.
Bem, acho isso extraordinário. Dizer-se que a demissão de um ministro do Desporto, por muito respeitável que seja, era razão de instabilidade face a tudo o que passámos nos anos anteriores e subsequentes… Com António Guterres demitiram-se uns dez ministros, em média demitiram-se dois por ano. Já não vou falar do que se passou com José Sócrates ou com Pedro Passos Coelho e das crises governavas com Portas, Gaspar, saídas, entradas, “irrevogáveis”…É a vida!
Houve também um caso, com Marcelo Rebelo de Sousa e a TVI.
Portanto, demitiu-se um ministro e um comentador importante. Agora, não houve intervenção externa ou crise económica profunda. Nada!
Como é que fica 13 anos sem perguntar “porquê” a Jorge Sampaio?
Porque acho que o facto de não se saber é a melhor prova de que aquilo foi forjado. Queriam fazer aquilo. Aliás, há uma frase extraordinária atribuída a um assessor que também considero bastante, não sei se é dele ou não… Falo de Marques da Costa [antigo assessor político de Sampaio em Belém], que diz: “A demissão do ministro ainda não é razão suficiente para dissolver. Temos que trabalhar uma estratégia mais eficaz para chegarmos à dissolução”. A frase é-lhe atribuída, o que demonstra que havia uma premeditação.
Do próprio Jorge Sampaio?
Quer dizer, se uma frase é dele, a outra é de um assessor. Estou para ver se é desmentida ou não. Agora, o livro também tem algo que me levou a dizer que era bom conversarmos os dois [Santana sugeriu na SIC Notícias a possibilidade de um debate com Jorge Sampaio]. Há jornais que escrevem que eu o desafiei. Fiz questão de sublinhar que não é um desafio. Procuro sempre lidar com respeito. É uma disponibilização, quase um convite para conversarmos os dois perante os portugueses. Não se pode criticar Trump por criar os “factos alternativos” e depois queremos criar a toda a hora, em democracia, “factos alternativos” consoante a verdade que convém a cada um.
Isto foram “factos alternativos”?
Com certeza. Dizer que o país estava à deriva é tentar aproveitar o desconhecimento que o tempo gera nas pessoas. Muita gente hoje em dia sabe lá o que se passou em 2004 ou 2005! Nomeadamente gente que tem 30 anos…
Daí a minha dúvida. Como é que em 13 anos nunca houve o “porquê”? Disse que nunca teve essa resposta, mas também nunca a procurou.
Não, não a procurei. Porque nunca tive dúvidas de que aquilo foi uma decisão política deliberada. Atenção, Jorge Sampaio era o Presidente da República. Mas o que tem que ser explicado é quem apoiou Jorge Sampaio nessa decisão. E porquê! Jorge Sampaio tomou essa decisão na noite da COTEC [Associação Empresarial para a Inovação, com o alto patrocínio da Presidência da República], grupo empresarial que se reúne de quando em vez. E foi dito e redito por pressão de alguns empresários e banqueiros.
Se havia uma coisa que o Governo fazia nessa altura era “cair em cima” da banca. Tenho muito respeito pelo sector financeiro, por todo o trabalho que realizam, mas sempre tive a ideia de que é o poder político que manda no económico e não o contrário. Uma semana antes, recebi os banqueiros todos em São Bento, com o ministro das Finanças, quando foram protestar contra as decisões do meu Governo de aumentar os impostos sobre a banca e de exigir mais elementos na contabilidade da banca para prestação de contas.
A banca forçou este desfecho?
Alguma banca, algum sector financeiro e alguns empresários. Aliás, julgo que isso também está referido no livro. Isto não foi o povo. Vêm depois dizer que depois o povo veio dar razão a Jorge Sampaio? Ouça lá, na véspera da dissolução – eu já trabalhei com muitos primeiros-ministros, para além de mim próprio, como diria o outro – nunca vi, digo-o sem presunção, uma recepção a um primeiro-ministro como tive no domingo anterior à dissolução em Trás-os-Montes. Nunca vi. Portanto, não foi o povo que exigiu a dissolução! O povo não estava nas ruas, não havia protestos, não havia ruptura social. Isto foi uma conspiração da “corte” em Lisboa. Porque já sabiam que eu não aceitava ordens nem sou comprável!
Quando foi a Trás-os-Montes já sentia essa pressão em Lisboa?
Sentia pressão desde que tomei posse.
Era um governo sob vigilância.
É preciso começar a falar verdade! Inventaram tudo e mais alguma coisa! Que Paulo Portas fez uma “careta” porque não sabia que era ministro do Mar [quando] eu passei horas a convencê-lo a continuar como ministro da Defesa porque ele queria ser ministro dos Negócios Estrangeiros. Para o convencer de vez tive que lhe entregar a responsabilidade dos Assuntos do Mar, na residência oficial do presidente da Câmara de Lisboa, em Monsanto. Sabe o que é viver conviver com mentiras durante anos?
Por que é que Paulo Portas fez aquela “careta”?
Ele é assim, como sabe. Ele passa a vida a fazer “caretas”, no sentido de uma expressão facial forte. Aliás, até discuti com ele se devia ficar primeiro ministro de Estado e ministro da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar ou ministro de Estado, dos Assuntos do Mar e da Defesa Nacional. Chegámos a esse pormenor.
E não tomou essa decisão sozinho?
Não, foi com ele. Isso é não o conhecer.
Lembro-me dessa expressão facial. Portas vira-se para o ministro Nuno Morais Sarmento que estava ao seu lado.
Não. Isso foi feito comigo só, não foi com Morais Sarmento.
Pergunto no sentido de o próprio saber ou não e se os outros membros do Governo sabiam.
Não, ele sabia, sabia. Ele até podia saber que o nome ou a designação do cargo era outra. Não tinha importância nenhuma. O que insinuaram era que ele não sabia que ia ficar com os Assuntos do Mar. As pessoas devem olhar-se ao espelho, pensam como elas próprias são e julgam os outros pela sua medida. Acham que eu ia atribuir a um ministro uma pasta que ele não sabia? Aquilo foi uma altura tão horrível, uma tensão tão grande…
Por que é que nunca escreveu também um livro?
Eu escrevi um livro…
“Percepções e Realidades”.
Que neste livro julgo que o dr. Jorge Sampaio cita muito.
Mas não chega a estes detalhes.
Não, não chego. Mas vou dizer-lhe que vou fazer outro. Vai sair dentro de pouco tempo. Não vou demorar muito tempo a fazê-lo porque eu tenho tudo na ponta da língua. Eu sei tudo.
Um livro sobre esse tempo?
Sim, sim, sobre essa altura. Se quiser, não é uma errata, mas quase.
É uma nova edição do “Percepções e Realidades”?
Não. Eu tenho documentos, alguns que nunca publiquei, com os quais vou comprovar aquilo porque as verdades factuais não são duas, é só uma.
Já tinha decidido isso antes deste livro de Jorge Sampaio?
Tinha a intenção. Mas queria deixar passar tempo, com franqueza.
Passaram 13 anos.
Mas não tenho tido tempo. Agora anda tanta gente a falar sobre tempo histórico – o professor Cavaco Silva com o engenheiro Sócrates, o dr. Sampaio comigo, um dia destes vem um sobre o dr. Passos Coelho. Eu não estou interessado em entrar nisso porque, ao contrário do que às vezes tentaram pintar de mim, procuro ter muito sentido de Estado, responsabilidade. Nunca discuti com o dr. Jorge Sampaio em público e nem sequer em privado.
Mas agora acha importante fazer isso.
Ai acho! Ele chegou a perguntar-me: “O senhor primeiro-ministro não me responde nada?”. “Não, não respondo, senhor Presidente. Quer o quê? Que duas das principais figuras do Estado se ponham aqui a discutir no palácio presidencial? Se me comunicou isso, com certeza que deve ter pensado muito antes”. E até há coisas que nunca contei. Eu ia a sair e tinha os jornalistas cá fora. Eu disse: “Ó senhor Presidente, só um ligeiro pormenor: sou eu que vou comunicar a dissolução? Eu tenho os jornalistas lá fora” e o Presidente diz “é verdade, o senhor primeiro-ministro importa-se de esperar um pouco?” e chamou um assessor para escreverem um comunicado para ser lido antes de eu sair da reunião. Se eu contar tudo…
Mas vai contar tudo?
Agora está na altura… Oiça, não vou contar nada que ponha em causa a honra e o respeito que é devido ao ex-Presidente da República Jorge Sampaio. Vou contar a verdade. Mas não é a minha verdade. Eu tomava sempre notas, com autorização do próprio, das reuniões com o Presidente da República. Não sou o único primeiro-ministro que o fez. E tenho um caderno com as notas todas.
O seu livro não é o “Quinta-feira e Outros Dias” na versão Santana Lopes?
Não, não. Não vou contar conversas. Mas até posso contar uma coisa engraçada para descontrair um pouco o ambiente. Sempre no fim das audiências, o doutor Sampaio dizia sempre: “Vamos lá agora a dois minutinhos sobre o Sporting antes de sair”. Sempre! É uma coisa engraçada, que é bom os portugueses saberem. Não tem mal nenhum e demonstra que sempre tivemos uma boa relação pessoal. É por isso que esta declaração dele que vem no livro [“Fartei-me do Santana como primeiro-ministro”] não joga com nada.
É verdade que foi Jorge Sampaio que sugeriu António Monteiro para o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros?
Não. Lá está, isso não é verdade, de todo. Quem o dr. Jorge Sampaio queria – e não só ele porque o dr. Durão Barroso também gostava – era o embaixador português que esteve agora nas Nações Unidas e muito em foco com a eleição de António Guterres.
Álvaro Mendonça e Moura.
Posso dizer agora. Na altura, estava em Bruxelas e o dr. Jorge Sampaio manifestou simpatia por esse nome, como o fez na altura também o dr. Durão Barroso. Mas eu, sem dizer nada a ninguém (inclusive ao dr. Durão Barroso, de quem o dr. António Monteiro tinha sido chefe de gabinete quando foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros), convidei o dr. António Monteiro. Pedi à minha chefe de gabinete, Ana Costa Almeida, para falar para Paris onde o dr. António Monteiro era embaixador de forma a falar com ele na segunda-feira. Ele nem sabia o que era. Pensava que ia mudar de posto de embaixada. E eu convidei-o para ministro dos Negócios Estrangeiros. Não foi o dr. Jorge Sampaio e se tivesse sido não tinha problema nenhum em dizê-lo.
Jorge Sampaio diz que voltaria a dar-lhe posse naquela circunstância. Para a história fica o facto do então Presidente da República não confiar na estabilidade do partido alternativo no cenário das eleições, que deu origem à “crise Ferro Rodrigues”, com a sua demissão. Na sua opinião, esse foi um factor que sempre guiou Jorge Sampaio na sua avaliação política e que pode ter redundado também no desfecho da dissolução do Parlamento e no fim do seu Governo?
Vou-lhe dizer assim. Para ver até que ponto – desculpem-me a expressão – eu procuro ser ‘ver-da-deiro’, até me dava jeito dizer “o dr. Jorge Sampaio, malandro, esperou pelo PS para deitar abaixo a maioria”. Eu não acho que tenha sido esse o principal factor. Acho que Jorge Sampaio estava preocupado com a eleição presidencial que aí vinha. Ele estava muito empenhado na eleição de Cavaco Silva e são conversas que eu também tinha com ele e eu sei o que ele pensava. Falava-se em Guterres, em Cavaco Silva e qual era a tese? Cavaco Silva só podia ser eleito – e o “sistema” e os vários “subsistemas” queriam Cavaco Silva – se o Governo fosse PS e não PSD. É aquela teoria de não estarem os ovos todos no mesmo cesto. E achavam também que eu era muito distante de Cavaco Silva para o PSD o poder apoiar com convicção. Até tinham medo que eu não apoiasse Cavaco Silva como líder do PSD e como primeiro-ministro. Estou convencido que essa foi a principal razão. Eles não quiseram atrasar mais no tempo.
Era preciso eleger Cavaco Silva?
Sim. Eles diziam: “Se ele [eu] entra, no ano que vem em 2005 ninguém mais o agarra, porque ele ganha as eleições, o orçamento passa e ele começa a governar”.
Nomear Santana Lopes como primeiro-ministro era afastar o senhor da corrida presidencial quando de si sempre se disse haver uma ambição presidencial?
Foi também uma maneira. Agora isso também que se disse de que estava tudo combinado entre mim e Durão Barroso é falso. Eu soube dias antes de Durão Barroso ir para Bruxelas. Durão Barroso às vezes dizia-me para eu não falar muito disso das corridas presidenciais porque o país ainda me podia outra coisa. Sinceramente, nunca percebi o que ele queria dizer com aquilo. Uma vez, ele disse-me: “Imagina que um dia eu tenho que sair’. Disse-me ele uns dois meses antes e, com franqueza, não liguei à conversa. “Mas saíres para onde?”. E ele diz: “Sei lá, posso ter que sair, vamos ter eleições europeias, sabe-se lá se correm bem ou correm mal’. Deu-me a entender que se podia demitir se as eleições corressem muito mal. Eu achei um “nonsense”, com franqueza.
O senhor era o número dois do partido.
Era. E foi por isso. Não foi combinado. Não havia hipótese nenhuma, o partido não aceitava mais ninguém como líder e como primeiro-ministro. Eu ainda pus, eu próprio, essa hipótese ao partido, escolhendo outra pessoa porque eu era presidente da Câmara de Lisboa.
Às vezes, dá a entender que se arrepende de ter entrado nisto.
Se soubesse o que sei hoje, quando me foram convidar para aceitar chefiar o Governo, tinha dito que não. Se soubesse o que sei hoje. Agora, voltar atrás nas mesmas circunstâncias e ter que decidir…sabe aquelas alturas na vida em que não se tem saída? Durão Barroso dizia-me: “Se não aceitares, eu não vou para Bruxelas. E aceitares sem ir a eleições. Se fores a eleições eu não vou para Bruxelas.”
Isso era justo da parte de Durão Barroso?
Mas foi isso que ele me disse sempre. E nunca o desmentirá. Ele dizia: “Se perdermos as eleições, vão-me sempre acusar de ter feito o PSD sair do Governo por minha causa. Se aceitares ficar a chefiar o Governo sem as eleições, eu vou”.
Tinha a convicção de que Jorge Sampaio não convocaria eleições nessa altura?
Não havia a certeza.
Houve até uma ronda de várias personalidades que passaram por Belém.
Mas penso que para Jorge Sampaio os telefonemas de várias personalidades internacionais foram muito determinantes, a pedirem para ele não dissolver a Assembleia e até a manifestarem confiança em mim e na solução de Durão Barroso. Lembro-me que ele falou de Jacques Chirac, não sei se Tony Blair. Falou-lhe o próprio George W.Bush. Lembro-me de Jorge Sampaio me dizer “imagine que até me falou hoje não sei quem”. Foi uma altura muito difícil, mas acho que Jorge Sampaio fez bem quando nomeou e fez mal quando dissolveu. O poder de dissolução, para ser usado, tem que ter fundamentos muito fortes. Não são boatos e rumores. Na altura, julgo que tudo foi urdido nesse sentido. O que não quer dizer…Ouça, todos nós temos sempre as nossas culpas. Não estou a dizer que as coisas correram todas bem. Face ao que há no país – e foi isso que disse …
Isso é uma análise retrospectiva quase 14 anos depois.
Ouça, tiraram-me. E onde é que o país foi parar? O que é que entrou?
Foi por isso que lhe perguntei se não havia um factor “à espera do PS” na decisão de Jorge Sampaio.
Já disse que não acho que tenha sido determinante.
Esperar pelo consolidar da liderança de Sócrates…
Acho que o que aconteceu, isso sim, é que o “sistema dos poderosos” era mais amigo de Jorge Sampaio do que meu amigo. Eu também nunca quis ser amigo desses poderosos.
É um erro fatal para quem quer estar nesse cargo?
É. Se for ver, eu, que tenho fama de social, nunca frequentei as “cortes”. Sempre passei férias com os meus amigos, nunca andei em férias de helicópteros ou de aviões, em herdades ou seja o que for. Se alguns amigos poderosos tinha era fora de Portugal e não tinha nada a ver com a política portuguesa ou sequer com a política dos seus países. Era por relações pessoais, mais nada. Não tinha a ver com relações de poder. Sempre me guiei por mim próprio. E há pessoas que não gostam muito de pessoas “freelancers”, que vivem por si próprias, não dependem de outros. A minha vida tem sido sempre assim. Sabe muito bem, por razões várias e também pela minha vida pessoal, que nunca fui benquisto aí por alguns círculos.
Esse esclarecimento com Jorge Sampaio tem que acontecer à frente dos portugueses?
Acho que devia. É próprio de pessoas dignas, civilizadas, saberem falar, mesmo com divergência. E nós sempre falamos os dois com respeito, julgo eu recíproco. Também vem no livro que ele diz que tem muita estima por mim. Sempre falámos assim e acho que é bom clarificar uma ou duas coisas. Conhecendo-o, tenho a certeza que dizendo “senhor Presidente” – como eu ainda lhe chamo – “lembra-se que na segunda-feira, às 9 da manhã, o senhor disse-me que não dissolvia o Parlamento. E lembra-se que me disse: “Vá para a Turquia” – tinha visita oficial à Turquia na quarta-feira seguinte, onde estava já a segurança e a Clara Ferreira Alves a preparar a exposição de Fernando Pessoa. Até lhe perguntei três vezes e o senhor Presidente até ‘afinou’ à terceira e disse que era que faltava, está escrito, dissolver a Assembleia porque um ministro se demitiu. Sabe o que é um primeiro-ministro ouvir isto de um Presidente da República? Não foi à esquina! Eu saí de Belém e falei para o ministro dos Negócios Estrangeiros e pedi para falar ao embaixador da Turquia em Lisboa para dizer que estava tudo confirmado. Cheguei a São Bento onde estava o ministro Morais Sarmento, combinei com ele e falei para todos os ministros pelo telefone branco para dizer “estive agora com o Presidente, está tudo calmo, tudo estável, não há nada”. E os jornais na manhã seguinte, o “Diário de Notícias”, o “Público”, diziam que Sampaio afastava dissolução. Isso foi segunda-feira às 9 da manhã. Na terça, à hora de almoço, eu estava a receber o primeiro-ministro de Cabo Verde e começo a receber chamadas de Belém, a pedir para ir a Belém. E às 15h00 de terça-feira, o Presidente disse “afinal, pensei e achei que devo voltar a ouvir o povo” ou algo como ele disse e que eu tenho escrito. Sabe o que é isto?
Há um grande amigo meu, um advogado conhecido, que diz que o que mais desgostou no dr. Jorge Sampaio, em termos institucionais, foi esta mudança de um dia para o outro sobre um assunto tão sério. Um Presidente e um primeiro-ministro não podem mudar de um dia para o outro porque, numa noite, assessores ou empresários disseram seja o que for. Eu fui preparar a substituição do ministro que tinha demitido. E o dr. Sampaio até me disse: “Não faça como o engenheiro Guterres, que tinha a mania, de cada vez que demitia um ministro, de vir a correr logo a trazer o nome do novo ministro. Escolha com calma e se vai na quarta de manhã, damos posse ao ministro às dez, chega ao meio-dia para apanhar o Falcon para a Turquia às horas que quer”. Disse-lhe: “Está combinado, senhor Presidente. Fazemos a posse na quarta da manhã”… É a vida!
Esperemos que Jorge Sampaio aceite e que possa até falar consigo na Renascença.
Por mim, onde quiser, com todo o gosto.