27 abr, 2017 - 02:04 • Raquel Abecasis (Renascença) e David Dinis (Público)
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O Governo português vai fazer um compasso de espera, mas quer que a discussão sobre as dívidas seja aberta na União Europeia (UE) esta legislatura, afirma a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, em entrevista à Renascença e ao jornal “Público”. O relatório sobre a dívida portuguesa chega esta semana.
Portugal está num momento de decisão relativamente ao Procedimento de Défices Excessivos. Dá por certa a nossa saída dessa linha vermelha?
O que interessa referir neste momento é que Portugal e o Governo português fizeram o que era necessário fazer. E têm os resultados… Eu ia dizer os resultados que era necessário atingir, mas posso dizer que para além daquilo que era necessário atingir. E a nossa atitude é: nós enquanto Governo fizemos o que era necessário fazer. Mas não é suficiente. Ou seja, a União Europeia tem que agir no sentido de decidir sobre os mecanismos necessários para fortalecer a zona euro, para a criar as instituições que possam permitir proteger o euro caso existam novos choques, mas também que promovam a convergência na zona euro. E, finalmente, que este objectivo na zona euro não vá criar divergências com os países que não são da zona euro. Dito isto, nós achamos que estamos em condições de sair do Processo de Défice Excessivo. E estamos confiantes relativamente a uma decisão.
Não pode ser contraproducente nesse processo, não estando ainda uma decisão tomada, Portugal apresentar um relatório sobre a renegociação da dívida pública?
O problema das dívidas é um problema europeu.
Embora a Europa, enquanto instituição, diga que é um problema dos países do Sul...
Mas não é um problema dos países do Sul, é um problema europeu que limita a capacidade de investimento dos países e que limita a capacidade de crescimento económico e de criação de emprego na Europa. E é um problema que tem que ter uma solução europeia. É por isso que, relativamente a essa questão, a nossa posição é que essa questão tem que ser discutida.
É isso que vai sair deste relatório, que vai ser apresentado até ao final desta semana?
Eu não sei, o relatório está em curso, está ainda a ser preparado. Mas esta tem sido e é, claramente, a posição do Governo. E as instituições europeias conhecem, claramente, que é esta a posição do Governo.
Conhecendo as instituições europeias a posição oficial portuguesa, esse é um debate que o Governo português quer abrir na Europa depois das eleições alemãs?
É um debate que tem que ser aberto na Europa, não sei se será imediatamente a seguir às eleições alemãs ou se é preciso... Houve agora, por parte da Comissão, a apresentação do Livro Branco sobre o futuro da Europa...
Que é omisso em relação a esta questão das dívidas.
Completamente omisso em relação a essa questão e a outras. O que é importante neste debate é os cinco documentos da Comissão Europeia que vão surgir, designadamente na área social, na área da Defesa, no comportamento da União Económica e Monetária, na questão do euro ou também na do financiamento da União Europeia (que é um problema que se torna mais complexo com a saída do Reino Unido, face à participação do Reino Unido no orçamento comunitário). E é nessa altura que é possível fazer esse debate. E face à evolução desse debate é que a questão deve ser colocada. Dou-lhe um exemplo: a Comissão Europeia, que normalmente deveria apresentar o orçamento (as perspectivas financeiras pós-2020) no final deste ano, decidiu apresentá-las apenas em Junho (ou nunca antes de Junho) do próximo ano. Precisamente porque hoje está em debate quer o Livro Branco, nestas diferentes dimensões, quer o Brexit. E, portanto, há uma realidade que vai sair daqui. E é aí, quando houver uma maior estabilidade, que nós temos condições para fazer esse debate.
Este Governo tem mais dois anos e meio pela frente. Acha que, no período desta legislatura, a questão vai colocar-se dentro da União Europeia?
Tenho tendência a pensar que sim.
As eleições antecipadas no Reino Unido vão facilitar ou dificultar as negociações de saída com a União Europeia?
O objectivo da senhora Theresa May, tal como ela ou apresentou, é facilitar a negociação.
Do ponto de vista dela...
Mas também do ponto de vista do “hard Brexit”. Ou seja, a senhora May considera que tem no seu grupo parlamentar apoiantes que têm uma atitude muito radical relativamente ao futuro das relações entre o Reino Unido e a União Europeia. E ela, de certa forma, quer ter um grupo parlamentar que seja mais apoiante do seu projecto. Do lado da União Europeia não há uma modificação significativa. A Comissão Europeia preparou as “guidelines” com o Conselho. E os líderes no Conselho Europeu, no próximo sábado, vão a adoptar essas “guidelines”.
O que nós achamos é que essas orientações para as negociações são bastante equilibradas. Não têm uma atitude de revanchismo relativamente ao Reino Unido; procuram criar condições para negociar um acordo equilibrado para os dois lados; um acordo que não dê ao Reino Unido uma situação mais privilegiada do que a que tem hoje. E sobretudo têm posições muito equilibradas relativamente às questões que nos preocupam: a questão dos cidadãos – nós temos uma comunidade portuguesa muito importante no Reino Unido a estratégia de negociação aqui colocada corresponde às nossas preocupações. Em relação ao funcionamento do período orçamental da UE também.
Ou seja, os fundos comunitários que estão previstos serem entregues pelo Reino Unido até 2020?
Exactamente. E não é só esse aspecto, há também a participação no BEI, no Banco de Desenvolvimento, em vários instrumentos financeiros em que o Reino Unido tem responsabilidades. E tem outros dois aspectos que nos preocupam: as áreas de cooperação futura (e que estão aqui claramente enunciadas, como a cooperação futura em matéria de Defesa, de luta contra o terrorismo e que nós queríamos manter). Tem finalmente um outro aspecto, que é a questão da paz na Irlanda: abre a possibilidade de haver uma negociação bilateral entre a Irlanda e o Reino Unido no sentido de encontrarem um acordo que permita manter a paz na região. Digamos que a única negociação bilateral que está na agenda é a negociação bilateral entre a Irlanda e o Reino Unido.