19 jul, 2017 - 01:04 • Eunice Lourenço
O Governo tentou passar a responsabilidade pela decisão e pagamento dos tratamentos para a hepatite C, que desde 2015 já curaram mais de seis mil pessoas, aos hospitais, mas acabou por recuar.
O secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, assinou um despacho com essa decisão a 11 de Julho que colocava inclusive limites a esse financiamento. Mas, apenas três dias depois, assinou novo despacho a revogar a decisão. O Ministério da Saúde apenas explica o segundo despacho, dizendo que foi feito para “simplificar”.
O primeiro despacho começa por lembrar que o tratamento para a hepatite C tem sido pago a 100% desde 2014, por uma linha de financiamento centralizada na Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Mas, continua, “tendo aumentado o número de fornecedores de medicamentos para esta patologia, os medicamentos para a hepatite C não necessitam de ter um modelo de financiamento que os diferencie” dos restantes medicamentos dispensados nos hospitais e pagos pelos respectivos contratos-programa de cada hospital.
Assim, o secretário de Estado determina um limite máximo de transferência do financiamento centralizado para cada entidade hospitalar. E acrescenta que, a partir desse limite, os hospitais teriam de recorrer às verbas que lhes são pagas através dos contratos-programa. Ou seja, cada tratamento além do previsto pela ACSS teria de ser pago pelo próprio hospital. Sendo que até aqui os tratamentos sempre tiveram o financiamento de 100% assegurado, mas no início de 2017 foi concretizada a previsão inicial de 13 mil doentes.
Três dias depois, a 14 de Julho, o mesmo secretário de Estado assinou um novo despacho a revogar o primeiro. Em vez de toda a argumentação usada no primeiro documento, o segundo despacho anuncia que a matéria em causa foi “alvo de reapreciação” e que “carece de uma análise adicional”, pelo que é revogado com efeitos imediatos.
Questionado sobre as razões destes dois despachos, a que a Renascença teve acesso, o Ministério da Saúde apenas justifica o segundo. “O motivo da alteração foi para simplificar o processo administrativo do tratamento dos doentes com hepatite C”, foi a resposta recebida de fonte oficial. Perante novas perguntas, nomeadamente sobre as razões para o primeiro despacho, a mesma fonte respondeu que não é possível avançar mais esclarecimentos sobre o assunto.
Entre conhecedores deste processo, há quem admita que até pode ter havido uma intenção inicial “bondosa”, que seria aproximar a decisão clinica de quem está no terreno. Mas rapidamente foi feito perceber ao secretário de Estado que passar o processo para os hospitais ainda iria burocratizar mais o processo e torná-lo mais demorado. Isto porque os hospitais, porque não tinham esta despesa prevista, iriam ter de pedir autorização para o custo de cada tratamento ao abrigo do seu respectivo contrato-programa.
6639 doentes curados
Os tratamentos para a hepatite C foram inicialmente autorizados por Paulo Macedo, ministro da Saúde do Governo PSD-CDS, depois de ser confrontado, no Parlamento, por doentes que pediam este tratamento que, na altura estava orçado em 48 mil euros por doente.
Em 2015, Macedo chegou a um acordo com a farmacêutica Gilead Sciences, a única a garantir então a cura desta doença.
O valor do acordo nunca chegou a ser conhecido, apenas se sabendo que estava abaixo dos 48 mil euros e que só havia pagamento em caso de cura no fim dos 12 meses de tratamento. O contrato foi posteriormente revisto, numa altura em que já havia oito medicamentos semelhantes de três laboratórios diferentes. Com o aumento da oferta e, portanto, da concorrência, a expectativa do Governo é que os preços vão baixando.
De acordo com os números do Infarmed enviados à Renascença pelo Ministério da Saúde, desde 2015 já foram autorizados 17.590 tratamentos e iniciados 11.792. Já terminaram o tratamento 6880 doentes e destes 6639 estão curados. Ou seja há 241 doentes não curados, o que está dentro da média de 5% de casos em que o tratamento não resulta.
“No que respeita à hepatite C, é de salientar a abordagem muito positiva feita ao longo dos últimos anos, nomeadamente a democratização do acesso à terapêutica curativa a todos os doentes infectados, com indicação clínica”, salienta o Ministério da Saúde na nota enviada à Renascença em que reafirma como “prioritária” a definição de uma estratégia nacional para o combate à hepatite viral. O Governo compromete-se a apresentar, ainda este mês, o relatório do primeiro ano do Programa Prioritário das hepatites virais assim como a estratégia para 2017-2020.