21 set, 2017 - 00:10 • Graça Franco [Renascença] e David Dinis [Público]
É um aviso dos técnicos aos políticos: é preciso fazer propostas realísticas, não casuísticas. Paulo Trigo Pereira, professor de finanças públicas e deputado do PS, juntou um grupo de economistas e faz uma proposta orçamental alternativa.
Esta entrevista tem como pressuposto uma notícia: um grupo de economistas, onde se inclui o deputado Paulo Trigo Pereira, eleito pelo PS, apresenta esta quinta-feira uma alternativa à política orçamental para os próximos anos, diferente daquele que o Governo tem em vigor. Em linhas gerais, pode explicar-nos em quê?
Nós não apresentamos isto como uma alternativa ao Programa de Estabilidade (PE), mas como uma variante. Assumimos como quadro deste exercício que há um programa de Governo que é preciso implementar. O que achamos é que há algumas coisas que não subscrevemos. Houve três motivos que nos levaram a fazer este estudo. Primeiro uma análise do PE em que achámos que a verba que estava lá implícita para reforço de despesas com pessoal, de 200 milhões de euros, não era suficiente para acomodar o descongelamento gradual das carreiras e remunerações. E também achámos insuficiente o previsto para consumos intermédios, porque o Governo prevê uma estabilização e temos dívidas a acumular a fornecedores na Saúde e nós achamos que é necessário um reforço. E a terceira razão é que temos um cenário diferente do de Março, a economia está a crescer mais - e portanto é necessário recalcular os números. Depois, estamos a acompanhar a execução orçamental, onde há desvios que incorporámos na análise.
Porquê agora, a três semanas da entrega do OE 2018? Acha que este documento pode influenciá-lo?
Este estudo era para estar completado em Junho, Julho, andamos a fazê-lo há mais de três meses. Era um tempo mais adequado para a tomada de decisão política. Mas não estava em condições, aparecendo agora, penso que sim: pode facilitar o diálogo, nomeadamente entre o Governo e os seus parceiros à esquerda. Porque o que fazemos é apresentar um cenário base, mas com alternativas. Não é possível, ao mesmo tempo, descongelar carreiras, aumentar emprego público, fazer actualizações salariais, pagar a fornecedores da Saúde e reduzir impostos. Isto não é possível, é do domínio da alquimia. Para não estarmos no domínio da alquimia, temos que trabalhar com pacotes de medidas. Não podemos discutir medidas casuisticamente, temos que discutir pacotes de medidas e aqui damos três menus diferentes.
A variante que escolheram traduz-se em mais despesa com pessoal, mais nos consumos intermédios, mais investimento público - e, apesar disso, com mais crescimento económico e redução da dívida, em resultado de uma negociação com Bruxelas do chamado "objectivo de médio prazo". Isto não parece alquimia também?
Nós assumimos os mesmos objectivos quanto ao défice que o Governo - o que achamos é que de 2019 a 2021 o esforço de consolidação, continuando, não deve convergir para algo que nós não vai acontecer, que é o saldo primário de 4,9% em 2021. Para esses anos, 2019-2021, consideramos que deve haver um ajustamento orçamental menos forte, menos restritivo do que o Governo. A política orçamental que o Governo tem é restritiva, a nossa é neutra, menos exigente. Apesar disso, chegamos a resultados tão bons ou melhores do que o Governo em dívida pública. Não há aqui alquimia, há teoria económica, que diz que o efeito multiplicador de um aumento da despesa pública é mais forte do que de uma redução de impostos.
Mas não é investimento.
É mais despesa em pessoal, em consumo intermédio na saúde e investimento público também. É para não atrasarmos mais pagamentos como está a acontecer agora, que depois vamos pagar mais tarde em juros de mora. O que queremos é tornar mais realista o programa do Governo. Ou refazer os cálculos, para o cenário base tornar mais realista o que está no programa Governo, mas depois dar outros menus da escolha. É preciso rectificar, antes do mais, 2017, onde há desvios. O consumo intermédio não deve ser cortado em cativações ao nível do que foi, deve ser menor...
Acredita que deve haver mais para as carreiras, menos cativações, mais investimento. Diz-nos que isto pode ajudar a negociação à esquerda. Mas se o Governo usar toda a folga vinda do crescimento para resolver estes problemas, que margem sobra para negociar o resto que a esquerda está a pedir?
Não é possível.... Os cenários alternativos que apresentamos ao nosso é não haver quase nenhum desagravamento fiscal. Veja, no nosso cenário base está previsto um desagravamento do IRS nos dois primeiros anos, do IRC em 2020 e 2021 e do IVA só em 2021. Mas é um desagravamento muito moderado. 200 milhões em IRS é quase nada.
E acha que não há margem para mais?
Não há margem para muito mais. E a questão do diálogo político à esquerda é este: há que escolher. A esquerda [BE e PCP] tem que escolher, mas tem que escolher dentro do menu. Se quer aumentar pensões, então tem que dizer que não é importante descongelar os salários na função pública. Do nosso ponto de vista a prioridade deve ser descongelar salários e carreiras, porque estão congelados há muitos anos e isso tem consequências na qualidade do funcionalismo público. Essa deve ser a prioridade, no nosso cenário não está um novo aumento extra de pensões! Os partidos à esquerda do PS têm que saber muito bem o que é que querem. O desagravamento fiscal não deve ser a bandeira da esquerda. É a da direita. Se quiserem adoptar a agenda da direita de reduzir os impostos, então não há dinheiro para descongelamento das carreiras.
Neste documento prevê um descongelamento das carreiras em quatro anos. Vai ser preciso tanto tempo?
Sim, acho que vai ser preciso quatro anos. Se se quiser abdicar do alívio no IRS e canalizar tudo para esta rubrica, havia mais - mas não achamos equilibrado.
Na vossa proposta lê-se que "o cenário do Governo não é social nem politicamente exequível". Teme que, se não houver inflexão de política, que a geringonça se desfaça?
A actual solução é para quatro anos. Mas o pensamento dos economistas é feito para períodos mais alargados de tempo. A maturidade da nossa democracia passa por os políticos, quaisquer que eles sejam, não fazerem promessas irrealistas. O trabalho técnico que aqui fazemos hoje é precisamente para evitar isso, evitar que os políticos apresentem medidas casuísticas, dizer que queremos aumentar as pensões, os salários do Estado, nós queremos... mas como é que se consegue tudo? O sucesso desta solução governativa não está apenas em se ter reposto rendimentos. É ter feito isto e ter consolidado as contas públicas. Os partidos todos, mas sobretudo os à esquerda, deviam perceber que os portugueses não aceitam um outro resgate. Nunca, jamais, em tempo algum.
A vossa proposta não fala da meta de redução do défice estrutural. Propõem que se cumpra essa regra de Bruxelas?
Nós cumprimos no saldo estrutural e na redução da dívida pública - até um bocadinho mais do que a versão do Governo. Mas não cumpre uma regra, que é o objectivo de médio prazo. Sem entrar em tecnicidades, o objectivo de médio prazo, que é o objectivo das finanças públicas em 2021, foi mudado recentemente pela Comissão Europeia, na base de que a nossa dívida é muito grande e, portanto, 'vamos lá apertar aqueles rapazes um bocadinho mais, porque eles têm uma dívida muito alta'. Ora, isto é uma maneira económica de pensar errada. Porque é pensar que apertando 'aquele rapazes' com uma política mais restritiva, a economia cresce mais. Não, aí temos como em 2012: cortou-se salários e pensões e tivemos a maior recessão. Nós temos contas equilibradas, somos mais moderados do que o Governo, mas não cumprimos esse objectivo - porque achamos que o Governo deve ter uma atitude pró-activa em Bruxelas para alterar este objectivo de médio prazo.
Para isso conta com uma Europa mais flexível. Pergunto: acha credível que Mário Centeno seja nessa altura presidente do Eurogrupo?
(risos) Não é só Portugal, há vários ministros das Finanças que estão a discutir a razoabilidade deste conceito que é difícil de calcular - e isso dá uma margem política.
Para fechar: todo este exercício não tem por base a avaliação de que Mário Centeno, na verdade, não mudou muito a política orçamental do país?
Não, Mário Centeno mudou a política orçamental do país a vários níveis. Devolução dos salários e da sobretaxa em 2 anos, não fez privatizações para reduzir a dívida, o que era um absurdo. Sei que há comentadores que acham que este Governo está a seguir o que o anterior fez, mas sem a contestação do BE e PCP. Não é verdade, a contestação do BE e PCP existe, sentimo-la bem.
Mudou, mas podia fazer um bocadinho mais. É isso.
Mudou e creio que, na actualização que fará no próximo Orçamento, há margem para fazer ... para actualizar a trajectória.
Se não o fizer, vai perder os parceiros da coligação?
Acho que o Governo não vai perder os parceiros da coligação. Porque a prova que BE e PCP podem dar de que vale a pena continuar a votar neles é viabilizando um programa de esquerda. Se se desfizesse esta solução, então as pessoas diziam: "Ah, então vocês não são de confiança, vocês tiraram o tapete a Mário Centeno e António Costa". Não vai acontecer.