18 out, 2017 - 00:22
O CDS está disponível para chegar a consensos com o Governo que cumpram as recomendações da Comissão Técnica Independente que fez o relatório sobre Pedrógão Grande. Mas, em entrevista à Renascença e ao "Público", o líder parlamentar avisa já que vão ser precisos mais do que os habituais 200 milhões de euro por ano para que haja “nova vida” na prevenção e combate aos fogos.
Entre 2002 e 2005, foi secretário de Estado do MAI. Do que conhece, como é que explica as falhas na Protecção Civil neste Verão?
É difícil explicar, mas temos algumas pistas. Soubemos agora que a sra ministra queria sair há quatro meses. Ora, ter uma ministra a prazo numa área de soberania onde o comando é essencial, onde é preciso que as pessoas confiem nesse mesmo comando, ter alguém fragilidade ao ponto de só ficar por lealdade política é desde logo um mau começo. Isso explica algumas coisas: que haja um comandante operacional que sai, que seja substituído, que fique o interino, num momento mais sensível desta área que é o Verão, e que a sra ministra diga que só não nomeou um novo porque era o Presidente da Protecção Civil que tinha que fazer uma proposta. Isso explica a desorientação, a desorganização, explica também porque é que se mudou tudo na Protecção Civil numa época sensível. E a falta de planeamento, até do ponto de vista das informações.
Estava no Governo em 2003, numa época com muitas semelhanças com este ano. Muito calor, morreram muitas pessoas, enorme área ardida. Que diferenças encontra entre os dois anos?
Do ponto de vista das condições adversas, muito poucas. Estamos a falar de um Verão muito parecido a este. Sei bem do vento, da humidade, da seca, do calor, sei bem disso tudo. Do ponto de vista da organização parece-me que funcionava muito melhor. Desde logo, não haver 14 briefings num espaço de poucas horas. Desde logo não vermos aquele espectáculo de um secretário de Estado dizer uma coisa, passado poucas horas dizer outra. Não vimos isso. Nestas coisas é muito importante que as pessoas comandadas sintam confiança. E começa pelo Governo, continua pelo Presidente da Protecção Civil que deve estar presente no teatro das operações - quando este optou por ficar aqui na sede da Protecção Civil. Do ponto de vista da organização foi diferente - e a prova disso é que as consequências, igualmente trágicas, foram menores.
O concurso para o Siresp foi iniciado quando estava no Governo. Nesta fase, e com os dados que já temos, o Siresp deve ser renegociado? As comunicações de emergência devem ser inteiramente do Estado?
Acho que as comunicações de emergência devem sobretudo ser eficazes. O Siresp foi lançado para a segurança do Euro 2004 - e fez-se o Euro 2004 ainda sem o Siresp. Do ponto de vista prático - e não conheço agora os contratos, os novos compromissos - o que me interessa é que, sendo privado ou público, seja eficiente. Mas acho que o sistema de comunicações entre as várias forças de segurança deve ser público. Quero ser claro: teoricamente acho que deve ser público, na prática só conhecendo o contrato e as consequências da quebra desse contrato.
António Costa disse várias vezes ao longo deste Verão e que se orgulha de ter feito a reforma da Protecção Civil, quando foi ministro da Administração Interna. O problema foi a reforma que Costa fez ou a Protecção Civil não se ter adaptado ao longo dos últimos anos?
Foram as duas coisas. Lembro-me que o ministro da Administração Interna, António Costa, assim que chegou, fez uma grande reforma da Protecção Civil que causou enorme transtorno dentro da própria Protecção Civil, fez uma reforma na então Direcção-Geral de Viação que causou problemas que ainda hoje existem. Desses ímpetos reformistas do dr. António Costa enquanto ministro da Administração Interna manifestamente não lhe correram bem. Não deixo de notar como extraordinárias as declarações, há duas ou três semanas, de António Costa que dizia qua reforma da Protecção Civil estava feita. Está feita pelo dr. António Costa e manifestamente falhou.
O relatório da Comissão Técnica Independente diz que é preciso reformar tudo de alto a baixo...
Esse é o problema de base do dr. António Costa - que diz que quer consenso para seguir as recomendações da Comissão. Muito bem, cá estaremos para dar esses consensos. Mas ele vê a parte boa, não vê a parte má. Não vê a parte das falhas, nomeadamente aquilo que se diz de forma muito clara que falhou, que foi a reforma que o próprio dr. António Costa fez. Nem que seja em nome das vitimas é preciso não permitir o que o dr. António Costa, como politico hábil que é, está a tentar fazer: uma espécie de virar de página. “Temos o Conselho de Ministros no sábado, vamos aprovar as medidas que vão dar seguimento ao relatório e assunto encerrado. Acho isso insultuoso. O dr. António Costa, de uma vez por todas, tem de ser consequente e tirar todas as consequências, não só aquelas que lhe convém.
Haverá coragem e condições políticas para mexer numa área tão sensível, que envolve por exemplo os bombeiros, cujo papel se valoriza muito, mas a quem os relatórios também apontam problemas, nomeadamente por irem combater fogos em locais que não conhecem?
Os bombeiros, desde que sejam bem formados e bem comandados, sabem apagar fogos em qualquer lado. Acho que a profissionalização é um caminho que demorará algum tempo, mas é um caminho. E nesta matéria não devemos ter qualquer tipo de restrição orçamental. Esta é a grande lição e uma parte do discurso do sr. Presidente diz isso. Estamos a falar de um orçamento da Protecção Civil que tem andado nos últimos anos - deste e do anterior Governo - entre os 200 e os 220 milhões de euros. Ora, só o acordo com os enfermeiros foi de 200 milhões de euros. Não estou a dizer que é mau que o Governo tenha chegado a acordo com os enfermeiros, estou a dar esta ordem de grandeza para se perceber que para termos nova vida nesta matéria vai ser preciso muito dinheiro, mas tem de haver.