09 nov, 2017 - 00:09 • Graça Franco (Renascença) e David Dinis (Público)
Leia também:
A mudança de liderança levará a uma diferença de percepção sobre o PSD, mas a matriz do partido não vai mudar, acredita Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças e actual deputada e vice-presidente do partido. Em entrevista ao Hora a Verdade, o programa de entrevistas da Renascença em parceria com o Público, Maria Luís deixa já claro que não pondera, nem vai ponderar uma candidatura.
Numa reunião com deputados, Rui Rio foi questionado sobre a mudança de rumos e, olhando para si, disse: "Nós tivemos divergências, mas não ponho minimamente em causa a linha de rumo que seguiu, era aquela que eu teria seguido se não fosse ainda pior". Sentiu-se reconfortada?
Não me parece que seja nada de diferente daquilo que o dr. Rui Rio tem dito ao longo do tempo quando à questão do rigor, da importância do rigor das contas públicas. Não foi uma surpresa.
Do que ouviu nessas reuniões das jornadas parlamentares de Braga, sentiu-se mais próxima do que defendeu Rui Rio ou do que defendeu Santana Lopes?
Diria que ainda precisamos de ouvir bastante os dois candidatos, temos ainda um período que não é muito longo, mas que é suficiente para que ambos possam falar sobre mais questões, sobre mais matérias que são relevantes para o futuro do país e para o posicionamento do PSD. Aguardaremos até ao fim dessa campanha para obtermos os esclarecimentos todos em termos de posicionamento.
Não sente, portanto, que Santana Lopes seja o herdeiro do passismo?
Não me parece que as coisas passem ou devam ser colocadas em termos de herdeiros. O dr. Pedro Passos Coelho entendeu que não se deveria recandidatar, explicou as suas razões e temos dois candidatos à liderança do PSD. Aquilo que é importante é que qualquer um deles, independentemente de quem for eleito, seja capaz de manter o PSD como uma alternativa sólida, credível, em quem os portugueses possam confiar para o futuro do país. Isso é que é relevante para mim.
Utilizou a expressão "manter o PSD como oposição credível". Acha que neste momento o PSD é uma alternativa?
Ou tem de renovar o contrato de confiança com o país, exactamente porque deixou o estigma de uma austeridade excessiva?
Eu diria que o contrato de confiança com os portugueses se mantém. Aliás, podemos recordar mais uma vez o resultado das eleições de 2015 que deu a coligação entre o PSD e o CDS como a mais votada, continuamos a ter o maior grupo parlamentar na Assembleia da República. Desse ponto de vista, em 2015, pouco tempo depois da saída do programa de ajustamento, essa confiança dos portugueses continuava a existir de forma muito significativa. Não vejo sequer que o PSD não possa ser essa alternativa de confiança para uma governação diferente, porque temos uma visão diferente daquela que deve ser a actuação para assegurar o melhor futuro para os portugueses.
Essa confiança era um pouco baseada na ideia de que não há alternativa. Agora, temos dois anos já em que, aparentemente pelo menos, os portugueses viram que uma política diferente não é contrária ao cumprimento das normas da União Europeia, ao tal rigor das contas públicas.
As alternativas são muito maiores. Há muitos mais graus de liberdade na decisão política quando o pior está ultrapassado. Essa fase mais difícil foi ultrapassada com o Governo PSD/CDS, com o esforço dos portugueses, obviamente, e passámos um período muito complicado. Mas, de facto, as alternativas que existem quando a confiança foi recuperada e quando o crescimento foi retomado são diferentes.
A questão do cumprimento das metas europeias, como ainda agora o Conselho de Finanças Públicas veio chamar a atenção a propósito da proposta de Orçamento para 2018, é uma questão que também merece ser analisada com mais cuidado: há um cumprimento de metas nominais, claramente, mas a forma como essas metas são cumpridas, a forma como as folgas proporcionadas pelo crescimento económico, pela boa conjuntura externa, pela política do Banco Central Europeu estão a ser utilizadas, isso não garante estruturalmente a continuação destes resultados. O cumprimento das metas é muito mais aparente do que substancial.
O problema das aparências é que basta qualquer sobressalto, como nós aprendemos ou devíamos ter aprendido, que pode ter origem em Portugal ou não, para que essas aparências não sejam suficientes e que voltemos a ter problemas.
Deixe-me voltar ao PSD. Naqueles discursos nas jornadas parlamentares de Braga sentiu que em alguns dos casos possa haver uma mudança de estratégia face à que tem sido seguida pela actual liderança?
São personalidades muito diferentes de Pedro Passos Coelho. Muito diferentes entre si, Rui Rio e Pedro Santana Lopes, e muito diferentes também de Pedro Passos Coelho. Naturalmente, essas questões das personalidades dos líderes - e das pessoas que depois escolherão para se rodearem - têm influência na percepção e na forma como a mensagem é passada. Mas a matriz do PSD não mudou, continua a ser a mesma, e eu acredito que ambos os candidatos se revêem nessa matriz. Tenho alguma dificuldade em responder à pergunta da mudança de estratégia. A mudança de liderança levará a uma diferença de percepção, se isso se traduz ou não numa mudança de estratégia acho que é uma questão um bocadinho mais complexa. Mas será necessariamente diferente porque são pessoas diferentes.
A política é feita por pessoas e para pessoas.
Acha que o PSD precisa de afectos para chegar lá em 2019?
(Risos) Essa questão dos afectos tem sido muito falada... Acho que os portugueses precisam, sobretudo, é de ter uma alternativa a uma forma de governação que sintam que representa melhor aquilo que são as ambições, as sua necessidades. As personalidades têm também influência, mas a maneira como os políticos se posicionam é também influenciada pelas circunstâncias. Era ou teria sido, provavelmente, muito difícil ter uma atitude diferente em circunstâncias tão difíceis como as que nós atravessámos. Tenho alguma dificuldade em colocar as questões nesses termos.
Ou seja, se o dr. Pedro Passos Coelho tivesse sido primeiro-ministro e se a drª Maria Luís Albuquerque tivesse sido ministra das Finanças numa altura de maior bonança, como esta, a percepção dos portugueses seria diferente, é isso?
Seria diferente porque as políticas também teriam um outro grau de liberdade. Poderiam fazer-se outras escolhas que nós não tivemos possibilidade de fazer no passado. Mas a confiança não depende necessariamente dos afectos ou da percepção de quem é que se gosta mais. Lembro sempre o exemplo do professor Cavaco Silva: toda a vida vi na imprensa que as pessoas não gostavam dele e ganhou quatro maiorias absolutas, que é coisa que ninguém conseguiu até hoje e que dificilmente se replicará. A questão do gostar, no sentido de a pessoa ser mais ou menos afectuosa, não me parece que seja assim tão determinante nas escolhas. E depende também, com certeza, dos momentos.
Acha que, nesta fase, Pedro Passos Coelho era um peso para o PSD se afirmar como alternativa a esta “geringonça”?
De todo. Não concordo nada com essa perspectiva. Acho que Pedro Passos Coelho tem um capital de credibilidade e seriedade junto dos portugueses, preocupação genuína com o país, de capacidade de altruísmo de colocar sempre o interesse de Portugal e dos portugueses à frente de todos os interesses do PSD, mas também dos pessoais. Pedro Passos Coelho nunca seria, em qualquer circunstância, um problema para o PSD. É sempre uma mais-valia e continuará a ser.
Acha que ele se precipitou, no dia 1 de Outubro, quando leu os resultados das eleições e decidiu, no fundo, abandonar a liderança? Aconselhou-o a ficar?
Eu dei a minha opinião, mas o dr. Pedro Passos Coelho é uma pessoa determinada que fez a sua reflexão. Não vou atrever-me a explicar ou justificar as razões. Tenho pena que ele tenha decidido não continuar, mas respeito muito a sua decisão, como respeito as outras, porque sei que seja qual for a posição será sempre tomada na convicção de que isso é o melhor para o país e para o PSD. Independentemente de concordarmos ou não concordarmos, eu respeito profundamente, porque sei que as decisões que ele toma têm como primeira preocupação garantir que, o que quer que aconteça, seja o melhor para o país.
Passos Coelho disse que, face ao resultado das autárquicas, ele já seria visto como estando agarrado ao poder.
Não é a minha opinião, mas isso não me impede de respeitar a opinião que ele tem.
Ele teria decidido o mesmo se tivessem passado umas semanas e o Governo tivesse perdido o estado de graça, com os incêndios...
Não consigo dar-lhe uma resposta. Sei que o dr. Passos Coelho não é pessoa para tomar decisões precipitadas, nem irreflectidas.