08 jan, 2018 - 06:01 • Eunice Lourenço (Renascença) Sofia Rodrigues (Público)
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Rui Rio, candidato à liderança do PSD nas eleições directas do próximo sábado, deixa já de parte um consenso sobre descentralização que o Presidente da República pediu para esta legislatura e que o Governo tem em compasso de espera pelo novo líder social-democrata.
Em entrevista à Renascença e ao jornal “Público”, Rui Rio faz um balanço positivo do desempenho de Marcelo Rebelo de Sousa, mas preferia que tivesse "mais algum recato". Em matéria de reforma do sistema político, admite a redução do número de deputados e volta à ideia de os votos brancos e nulos terem consequências na formação do Parlamento. Rui Rio admite ainda apoiar um Governo minoritário do PS após eleições.
A redução do número de deputados é defendida pelo PSD. É a favor dessa medida?
Se fosse politicamente correcto respondia-lhe assim: “os deputados não fazem nada, os deputados não servem para nada, os deputados ganham um dinheirão, quanto menos melhor”. Agora, vamos ser sérios e vamos ser até pedagógicos. O PS e o PSD nos resultados eleitorais que têm tido têm deputados a mais. Se a Assembleia tivesse muito menos deputados, os grupos parlamentares do PS e do PSD funcionavam perfeitamente e até funcionariam melhor. Agora, nos partidos mais pequenos as coisas são mais complicadas e quando analisamos a possibilidade da redução do número de deputados, que eu admito que sim, tenho de ter o respeito pelos partidos minoritários na exacta medida em que um grupo parlamentar com cinco ou seis deputados não funciona bem. Não tem sequer um deputado por comissão.
É a favor, mas teria de ser salvaguardada a proporcionalidade?
Sou a favor a redução do número de deputados, mas sem demagogia, com um debate sério no sentido de ver até que ponto é possível reduzir esse número sem prejudicar o pluralismo dentro da assembleia, que considero muito importante. Se me perguntar: “está a propor isto?” Estou a pôr [o tema] em cima da mesa para argumentarmos. E se os votos brancos e nulos contassem para o número de deputados que são eleitos?
Uma vez colocou isso em cima da mesa.
Não é a abstenção. A abstenção não conta. Imagine que a Assembleia da República podia ter entre 180 e 200 deputados, estou a inventar um número, se houvesse muitos brancos e nulos, tinha 180. Se houvesse poucos tinha 200. Não é como Miguel Relvas, um apoiante acérrimo de Santana Lopes, a dizer que eu propunha que os votos brancos, nulos e abstenções contassem e, se assim fosse, qualquer dia só elegíamos 10 deputados. Ele percebeu o que quis dizer, mas deturpou de propósito para defender o candidato dele. Isto também era um incentivo à participação. Quem vota branco ou nulo colabora na democracia e tem um pequeno escape.
Os votos brancos e nulos deveriam ser ponderados na eleição de deputados?
É uma possibilidade. Imagine que eu convenço as pessoas e as pessoas convencem-me a mim e então toma-se já a medida. Não. Defendo essa medida num conjunto com outras pequenas e médias medidas que levem a uma reforma tão grande que consubstancie uma ruptura. O que nós precisamos é de uma ruptura, precisamos de um novo 25 de Abril civil e reformista, que ultrapasse o desgaste a que chegamos ao fim de 40 anos de Constituição.
Entre essas medidas está a mudança dos ciclos eleitorais de quatro para cinco?
Se mudarmos os ciclos eleitorais de quatro para cinco, se mudarmos a forma de eleger os deputados, tudo sem revolução.
Hoje não faz sentido eleger deputados por distritos?
Sentido faz, mas está desgastado, enquistado, existem muitos pára-quedistas, deputados que não são do círculo que são lá metidos, não têm ligação ao distrito. Não sou tão politicamente correcto como é costume. Eu caminhava mais - uma proposta de debate - para círculos mais pequenos, mas não uninominais. Não haver nenhum círculo com mais de 10 deputados ou com mais de 12, de 15, ou mais de oito.
Isso está a aproximar eleitores e eleitos?
Estou a aproximar eleitores e eleitos. Depois, posso ter uma lista nacional que vai buscar todos os votos perdidos, que os mete pelo método de Hondt e repõe a proporcionalidade. Isto também tem de ser conjugado com a forma como a Assembleia da República funciona, como o regimento funciona, para que se fomente justamente essa ligação. Tudo isto tem de ser pensado, articulado entre os partidos e a sociedade como um todo. Ganho o PSD, consigo isto? Não sei. É difícil? É muito difícil. Vou tentar, é o que me resta.
Se for eleito, como é que vai contornar a dificuldade de o PSD ter um líder que não está no Parlamento?
Não sei se é uma vantagem, se é uma desvantagem, para lhe ser sincero. Houve diversos líderes partidários que não estavam no Parlamento. Quando fui secretário-geral do partido era presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que não era deputado, e nós gerimos muito bem a oposição ao engenheiro António Guterres na altura.
Mas ainda não havia debates quinzenais, por exemplo...
A dra. Manuela Ferreira Leite também não era deputada e quem fazia os debates quinzenais era o dr. Paulo Rangel, líder parlamentar. Não vou ser outra vez politicamente correcto: os debates quinzenais servem para esclarecer muita coisa ou são mais um espectáculo em que há ali um golpe de espada um contra o outro a ver quem é que ganha conjunturalmente? Quem é que surpreende mais o outro com alguma coisa que não está à espera? Mas o país não se constrói de surpresas de minutos para conquistar uma manchete num jornal mais facilmente.
Se for eleito mantém a confiança no actual líder parlamentar?
Não vou entrar em questões de pessoas. Se me perguntar: “Quem vai ser a sua equipa nacional, comissão permanente, presidente do congresso?” Não sei, não sei mesmo. Esta campanha é demasiado absorvente para pensar num problema que posso nem ter, se não ganhar.
Na mensagem de Natal o primeiro-ministro defendeu como prioridade mais e melhor emprego? Parece-lhe ajustada? E o que é mais e melhor emprego?
Só porque é dito pelo líder do outro partido, não tenho necessariamente de discordar quando diz uma coisa mais do que óbvia. Mais e melhor emprego é um excelente objectivo para Portugal.
Podia estabelecer como prioridade mais exportações.
Está ligado. Se disser exportações e investimento está automaticamente mais e em parte está a dizer melhor emprego. O emprego que tem sido criado tem sido muito ligado ao turismo, tem os seus contornos de sazonalidade, não é muito bem pago, antes de criar esse emprego do que nenhum, mas temos de ambicionar mais.
O que faria de diferente em relação a este Governo?
Temos de ter uma estratégia económica orçamental totalmente diferente. Este Governo cumpre aquilo a que está obrigado relativamente a Bruxelas. Essa é a parte positiva e é o que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista tiveram de engolir, como já na Grécia o Syriza teve de engolir. Agora, com a eleição [para presidente do Eurogrupo] do dr. Mário Centeno, mais difícil vai ser não cumprir esses objectivos, mas a partir daí a preocupação com o desenvolvimento estrutural do país é zero. A preocupação de reformas é zero.
As políticas públicas têm muita influência sobre o que é o ambiente propício ao investimento e portanto tenho de olhar para a legislação fiscal, para a carga fiscal, para a desburocratização, para a forma como funciona o sistema judicial, a forma como faço a formação de mão-de -obra. Vê este Governo fazer alguma coisa sobre isto? Não. Vê este Governo reflectir nas tabelas de IRS a pequena quebra para as pessoas para o ano terem um reembolso, em vez de receber um cheque de 100 euros recebe um de 150. Para o que é que isto serve para o desenvolvimento do país? Nada. Serve para a simpatia eleitoral em 2019. Não quer dizer que não façam isto, esta pequena habilidade eleitoral.
Se for eleito líder do PSD, terá um período de liderança de ano e meio antes de eleições. Nesse período, está disposto a entender-se com o PS em caso do PS não ter apoio da esquerda? A descentralização, a Uber, legislação laboral.
A Uber não é estrutural.
Mas matérias como descentralização e legislação laboral merecem-lhe tentativas de acordo?
Parece-me muito difícil que nesta legislatura se consiga consubstanciar uma grande reforma estrutural seja onde for. Podem dar-se passos no sentido de preparar o clima para depois de fazer isso, independentemente de quem possa ganhar as eleições. Isto não é uma tarefa do primeiro-ministro. Para este efeito tanto me faz eu ser primeiro-ministro como não ser, ou seja, estou colaborante nisso. Quero liderar, quero ser eu primeiro-ministro, mas não vou dizer: “se não for eu primeiro-ministro amuo e não colaboro com nada”.
Então em que é que admite colaborar até 2019?
O pacote da descentralização, para lhe ser sincero, da forma como eu o vejo, é muito difícil conseguir agora. Porquê? Porque o pacote tem de estar sujeito a um grande debate no Parlamento e na sociedade. Independentemente de eu concordar com a passagem de uma determinada competência para as câmaras municipais, não é isso que está em causa. Não é um pacote que tenha olhado para a descentralização com o sentido estratégico, com o sentido de muito longo prazo, com a participação dos partidos como da sociedade como um todo. Nestas trinta e tal sessões com militantes, qual foi o problema que mais surgiu? De longe, o da descentralização.
Isso não vale uma tentativa de consenso para uma reforma rápida?
Não. Exactamente porque é um problema assim que não é para fazer de forma rápida. É para fazer de forma pensada e estruturada.
Imaginemos um cenário de eleições em 2019 em que o PS ganha, mas sem maioria. Já nos disse que quer é ser primeiro-ministro, mas num cenário em que o PS se pode aliar à esquerda ou ao PSD, o que prefere?
Está a dizer que, de certa forma, trocamos de posição. A legitimidade que hoje o dr. António Costa não tem passaria a ter porque ganhou por poucos. Aquilo que me parece mais razoável é nós estarmos dispostos para, a nível parlamentar, suportar um Governo minoritário, seja ele qual for, neste caso o do PS. Que é aquilo que o PS deveria ter feito, suportar de forma crítica naturalmente, mas deixar passar e governar o partido mais votado.
O que aconteceu é democraticamente legítimo, constitucionalmente perfeito e legítimo, mas era mais saudável dizermos: a coligação PSD/CDSD ganhou as eleições; tal como no passado, vamos permitir que quem ganhou possa governar. Parece-me muito mais sensato do que qualquer outra situação. E o contrário também. Se, por acaso, eu ganhar as eleições, como o CDS, que é o aliado mais natural, não conseguirmos constituir uma maioria absoluta, conseguir que o Governo minoritário tenha apoio parlamentar - tal como sempre foi desde o pós-25 de Abril - para governar.
Que avaliação é que faz do desempenho presidencial?
O balanço tem um activo, um passivo e uma situação líquida. Tem uma situação líquida positiva. Acho que o professor Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu uma aproximação aos portugueses muito grande. A função do Presidente da República no nosso sistema constitucional é lutar pela estabilidade, não é criar instabilidade. Podemos estar contra ele é se ele num Governo faz isso e noutro não o faz. Não pode estar contra o Governo. Percebo que o PSD e o CDS não tenham gostado muito. Não estive sempre, naturalmente, de acordo. Se me disser: 'então está tudo bem, tudo bem?'. Na minha apreciação pessoal, para o meu gosto pessoal, gostaria nalgumas circunstâncias do desempenho da função presidencial que tivesse mais algum recato do que às vezes tem.
Na questão da eutanásia, foi subscritor do manifesto pela legalização. Se for eleito, que orientações dará ao seu partido nesta matéria?
Em coerência com aquilo que sempre pensei, a orientação que dou aos deputados e aos portugueses é que votem em consciência.
E será favorável a um referendo sobre esta matéria?
Se houver um referendo não me atiro da ponte abaixo, mas não entendo como necessário o referendo. Estamos a decidir sobre a nossa própria vida. Não é uma matéria política, não dou uma orientação de voto nenhuma. Acho até uma grosseria dar. Aqui é consciência que cada um que manda. E, portanto, não há partidos aqui.