11 jan, 2018 - 00:12 • Eunice Lourenço (Renascença) David Dinis (Público)
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A justiça angolana “funciona com normalidade”, garante o social-democrata Miguel Relvas em entrevista à Renascença e ao “Público”. O agora empresário considera que se fosse com o Brasil, a justiça portuguesa não faria o mesmo que está a fazer no processo Fizz, em que o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente é suspeito de corrupção. Para Miguel Relvas, há sectores em Portugal que têm uma “visão neocolonial” sobre Angola.
Vai muito a Angola em negócios. Tem notado diferenças desde que há um novo Presidente?
Há diferenças subjectivas e objectivas em Angola. Há hoje uma maior abertura. Vamos ser claros, em Angola sempre houve uma imprensa livre - ao longo dos últimos anos. Angola não é o “Jornal de Angola”, há muitos órgãos de comunicação muito críticos para muitas das situações que se viviam em Angola. É o país de língua portuguesa mais próximo culturalmente de Portugal, daí muitas vezes as situações de amor-ódio. Mas acho que Angola tem razão: há sectores em Portugal que olham para Angola - pior do que colonial - com uma visão neocolonial.
Nesses sectores inclui a Justiça?
Neste processo que estamos hoje a viver...
A Operação Fizz.
... que não é aceitável para um país soberano. Angola é um país soberano, reconhecido por todos nós. A Justiça em Angola funciona, funciona com normalidade. Este processo é da Justiça angolana e é na justiça angolana que devia ser tratado.
Portugal pode confiar que a Justiça angolana é independente? Mesmo relativamente ao seu ex-vice-presidente?
Pode confiar. Nem nos compete a nós essa presunção. A presunção da arrogância de sermos nós a avaliar se é ou não independente.
E acredita na autonomia do Ministério Público?
Em Angola? Acredito.
E em Portugal?
Em Portugal também.
O Governo pode dar a indicação para o processo seguir para Angola?
O Governo não pode. Há uma separação de poderes em Portugal.
A Procuradoria-Geral da República disse que o processo deve ser julgado em Lisboa.
E só temos que respeitar. Mas não estou impedido de dar a minha opinião, como não estou quando digo que foi um erro colocar a substituição da PGR nove meses antes do fim do mandato.
Então como é que se pode ultrapassar o actual momento de tensão entre Portugal e Angola?
Um apelo ao sentido de responsabilidade, a um sentido de contenção de ambas as partes. Tem sido uma relação difícil ao longo dos últimos anos, mas temos grande identificação entre os valores tradicionais.
Mas a relação pode agudizar-se com o início do julgamento.
Angola é um Estado soberano e nós temos que olhar para Angola como olhamos para outros países da Europa, da Ásia. Se esta situação se verificasse com o Brasil, qual é que seria a atitude da Justiça portuguesa? Qual é que seria? Nós não podemos ser presunçosos. Temos que ter a capacidade de olhar para as movimentações que existem, culturais, sociológicas, políticas que existem no mundo. Devíamos sentir uma certa felicidade, olhando para o contexto africano, pela forma como Angola está a abordar... vi há umas semanas uma entrevista da embaixadora dos EUA em Angola a fazer um grande elogio às mudanças em Angola. E vejo em Portugal uma certa hipocrisia na avaliação que é feita, uma sensação de que esta mudança nos causa algum problema. Não causa: uma Angola forte é fundamental para a afirmação de Portugal no mundo. Temos de ser capazes, sem preconceitos, sabermos atirar para o lado os problemas do passado. Sem a presunção de uma tutela. Nós não tutelamos Angola. De parte a parte há excessos. Sei que no futuro estamos sempre condenados a entender-nos. Mas vamos continuar a adiar esse futuro?
Nestes primeiros 100 dias de João Lourenço, vê uma mudança política ou de imagem?
As duas coisas. Uma nova forma de abordar a comunicação, que é fundamental. Vejo uma nova visão de não esconder muitos problemas que existem.