25 jan, 2018 - 00:51 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)
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Em entrevista à Renascença e ao "Público", Sampaio da Nóvoa diz reconhecer-se na actual maioria e não vê que a eleição de Rui Rio a faça tremer.
Passam dois anos sobre a vitória de Marcelo, sobre a sua derrota - e a dos restantes candidatos que representavam a esquerda. Dois anos passados, o PS deve preparar-se para fazer o que o PSD fez com Soares no segundo mandato: apoiar Marcelo?
Isso é uma decisão do PS. Eu lancei a minha candidatura como independente, não dependi de ninguém, seria uma contradição estar a pronunciar-me sobre o que os partidos devem ou não fazer.
Há um ano reconheceu, numa entrevista ao Público, que Marcelo tinha recuperado a função presidencial. Este ano, abusou?
O primeiro ano de Marcelo foi muito positivo, surpreendente. Também pela credibilidade que deu a uma solução governativa que era nova. Talvez sem Marcelo essa solução governativa não tivesse tido a continuidade e a estabilidade que tem tido - e ainda bem. O segundo ano foi muito marcado por uma presença, uma proximidade - isso teve a ver com as tragédias -, e essa proximidade deu uma dimensão de respeito, de sensibilidade, de compaixão, que é uma matriz essencial da política. Julgo que Marcelo esteve muito bem nessa dimensão. Acho que houve um pouco de excesso do ponto de vista da pronúncia.
Já há um ano dizia que ele tinha falado demais...
Acho que há um excesso de palavra, de intervenção sobre tudo, sobre o dia a dia. E no nosso sistema constitucional o Presidente deve resguardar-se um pouco de uma intervenção diária, sistemática. Olhando para muitas coisas que Marcelo disse ao longo dos anos, consigo perceber isso. Há uma preocupação constante que é a distância entre o tempo mediático e o tempo político. O tempo mediático é mais rápido, os políticos chegam sempre mais tarde. O objectivo é preencher esse espaço, explicar as coisas antes que se tornem inexplicáveis ou que hajam muitas opiniões divergentes. Agora, acho que é excessivo.
Vai acabar por desgastá-lo?
Esse é o ponto: há um desgaste da imagem presidencial, da palavra presidencial. E há outro efeito que pode ser negativo, que é muitas vezes reduzir o papel dos outros actores políticos... quase como se a figurantes. Muitas vezes temos a sensação que deputados, governantes, presidentes de câmara fazem quase papel de figurantes. Isso não é bom para a democracia, provavelmente depois destes primeiros anos haverá uma certa normalização, uma maior sobriedade na forma de intervir do Presidente.
Há o risco de perder influência em momentos decisivos?
Esse é o problema, pode vir a acontecer. Um desgaste muito grande da palavra pode, num determinado momento, trazer a ideia do peso da última palavra poder vir a perder-se um pouco. É preciso ter algum cuidado com isso.
No caso dos incêndios, o PS - e António Costa - tiveram o seu primeiro momento de alguma tensão com este Presidente. Acha que houve uma viragem de ciclo no relacionamento?
Houve um momento de tensão, julgo que teve a ver com a compreensão de que em momentos de tragédia há uma dimensão de sensibilidade na política que é muito importante (as pessoas precisam de partilhar e perceber a dimensão de partilha). Não creio, no entanto, que isso tenha alterado o essencial de um relacionamento institucional que tem sido extraordinariamente correcto. E que tem assegurado uma estabilidade governativa que me parece essencial - e que espero que dure até ao final da legislatura.
E a eleição de Rui Rio no PSD? Mudará o ciclo político?
Julgo que não. E espero que não. Um Presidente não tem que interferir nas lógicas partidárias, nas lógicas de constituição das maiorias parlamentares. O melhor do entendimento à esquerda foi um enriquecimento da democracia: o que parecia impossível tornou-se possível e alargou-se o leque das possibilidades. O país e os cidadãos votarão o que entenderem mais adequado e daí resultaram as maiorias parlamentares - e um Presidente deve estar atento a essa realidade e não interferir nela.
Não vê que agora há a possibilidade de voltarmos a um Bloco Central? Há quem diga à esquerda que o Marcelo tem essa tentação.
Não sei, não tenho a certeza, não faço a análise dessa maneira. Percebe-se nas declarações de Rui Rio essa intenção, mas julgo que devem resultar maiorias parlamentares do que resultar do voto dos cidadãos e do que for a constituição das maiorias na AR. E o Presidente deve estar atento a tudo. Não vejo razão para excluir à partida blocos centrais, da mesma maneira que não via nenhuma razão para excluir maiorias de esquerda como as que se vieram a constituir.
Como é que vê o ano e meio que falta até às legislativas? Tendo em conta o novo líder do PSD, o PS reagirá de outra maneira?
Julgo que não, que temos aberto um caminho de estabilidade até 2019, que este Governo está muito consistente e coerente com o acordo que fez com os dois partidos à esquerda. Não prevejo nenhuma perturbação desse caminho.
Admite que o Bloco entre no próximo Governo?
É uma possibilidade. É preciso que saiam governos com estabilidade, que é um valor muito importante. Felizmente até agora tem sido assegurada, apesar de nem o PCP nem o BE estarem representados no Governo. Há muitas formas de assegurar essa estabilidade.
Acha que Marcelo lidaria bem com uma maioria absoluta do PS?
A nossa Constituição coloca sempre um papel mais importante ao Presidente em situações em que não há maioria absoluta. Mas julgo que Marcelo lidaria com uma maioria absoluta como lida com a actual situação.
Aceitaria voltar à vida política activa?
A minha intervenção pública será o que na altura adequada tiver de ser. Se me tivesse perguntado um ano antes de ter lançado a minha candidatura se pensava candidatar-me a Presidente da República ter-lhe-ia dito que não. E, no entanto, um ano depois apresentei a minha candidatura.
E dois anos depois, o que é que pondera?
Pondero tudo, está tudo em aberto na minha vida. Não há nada que eu não imagine que possa acontecer.
Inclusive uma segunda candidatura presidencial?
Se há uma coisa que aprendi é que nunca se deve dizer nunca a nada - e eu, pessoalmente, não digo nunca a nada. Portanto, estou aberto a todas as possibilidades, em todos os momentos, se entender que nunca determinada fase isso é útil para o país, é útil para pessoas que de outra forma não se sentem representadas e pode criar alguma coisa que para mim tenha sentido. E o sentido para mim é sempre o futuro de Portugal.
Olhando para o PS hoje, encontra-o mais próximo do BE ou do PSD de Rui Rio?
Tenho muita dificuldade em fazer essa geografia. Se me disser que o BE apoia o Governo e o PSD não apoia, naturalmente estará mais próximo do BE…
Mas acredita que não será difícil a António Costa, se não tiver maioria absoluta, governar com qualquer uma destas opções?
Acho que não é difícil. Ainda que a minha expectativa é que haja, também no caso de António Costa, uma linha de coerência em relação ao que foi esta solução governativa. Até porque todos - ou a maior parte de nós - reconheceremos que o Governo actuado bem, que a situação nos diversos planos está a melhorar. E que temos hoje um governo no qual facilmente nos podemos reconhecer. E, se está a funcionar bem, é bom que continue - que não haja preconceitos que ponha em causa o que está a funcionar de forma muito eficiente.