09 mar, 2018 - 00:40 • Eunice Lourenço
“Dois anos depois: Júbilo e tragédia” – assim se chama o livro com que Marcelo Rebelo de Sousa assinala os dois anos de mandato como Presidente da República. O lançamento do livro decorre esta sexta-feira, ao meio-dia, na sala de Jantar do Palácio de Belém. À tarde, Marcelo continuará a assinalar o segundo aniversário da posse com uma aula-debate com alunos do ensino secundário na Escola Secundária Professor Ruy Luís Gomes, em Almada.
No “júbilo” destes dois anos de mandato, o Presidente da República inclui a visita da Papa Francisco a Fátima, a vitória de Portugal na eurovisão, o fim da crise, mas também ainda o êxito desportivo da seleção portuguesa. Na “tragédia” o centro são os grandes incêndios de 2017, primeiro em Pedrogão Grande, em junho, depois os incêndios no centro do país, em outubro.
E foi a tragédia e o discurso que fez na sequência dos incêndios de outubro que marcaram não só o último ano presidencial, mas porventura o próprio mandato de Marcelo, um Presidente que veio descomprimir e dar mimos, que praticamente todos os dias tem agenda, que fala de tudo o que lhe perguntam, das grandes questões internacionais, às lides partidárias nacionais e às questões eventualmente menores como o programa “Supernanny”.
Ao contrário do seu antecessor, Cavaco Silva, que considerava a palavra o grande poder presidencial e geria o que dizia e o que calava em função dessa importância, Marcelo fala de tudo todos os dias. Mas houve ocasiões em que a palavra do Presidente teve mais valor e foi determinante.
Oliveira do Hospital – a palavra determinante
Depois da tragédia de Pedrogão, Marcelo não perdoou a tragédia de outubro. E foi a Oliveira do Hospital fazer um discurso de ultimato ao Governo. Depois desse discurso, aconteceu tudo o que não tinha acontecido na sequência da tragédia de junho: a ministra da Administração Interna saiu do Governo, António Costa fez um conselho de ministros extraordinário para tomar medidas relativas à prevenção e combate aos fogos, avançou o processo de indemnizações para as famílias das vitimas de Pedrogão.
O discurso do Presidente passou como determinante para a ação do Governo, mas também acabaria por determinar uma alteração nas relações até aí muito próximas entre Marcelo e os socialistas. O Governo fez saber que tinha ficado “chocado” com a dureza das palavras presidenciais, o Presidente respondeu que chocados ficaram ele e os portugueses com o que aconteceu. Marcelo a certa altura questionou-se se não teria de facto ido longe de mais, mas já não havia recuo, tal como não haverá recuo caso a tragédia se repita no verão de 2018: tanto Costa como Marcelo sabem que será o fim deste Governo.
Vetos – a palavra escrita e obedecida
Marcelo Rebelo de Sousa, professor de Direito Constitucional, não enviou até agora qualquer lei para o Tribunal Constitucional e inaugurou novas práticas no que diz respeito a promulgações e veto. Os seus antecessores só anunciavam os vetos de diplomas saídos do Parlamento. As promulgações eram conhecidas quando as leis eram publicadas e os vetos a decretos do governo raramente eram conhecidos (tudo se passava de forma discreta com o Presidente a devolver o decreto ao Executivo sob forma de pedido de esclarecimento). Com Marcelo, as decisões são rápidas e há mensagem no site da Presidência quando há veto, mas também a cada promulgação (e algumas têm mensagens que são quase vetos) e o Presidente faz saber quando discorda de decretos do Executivo.
A palavra do Presidente nos vetos tem sido, regra geral, obedecida, levando a alterações tanto nos decretos do Parlamento como nos do Governo e a uma segunda apreciação positiva pelo Presidente. Marcelo não foi, até agora, ‘obrigado’ a promulgar (quando o Presidente veta e a seguir o Parlamento confirmar o texto sem alterações a promulgação é obrigatória).
O primeiro veto foi à gestação de substituição, levando a alterações no articulado. Seguiram-se vetos muito ideológicos em questões aparentemente práticas: a gestão dos transportes coletivos de Lisboa e Porto. Marcelo mostrou a sua discordância de fundo quanto à esquerda que, no Porto, queria vedar taxativamente qualquer participação de entidades privadas e, no caso de Lisboa, proibia qualquer concessão futura da Carris. Aí, o Presidente deu mesmo um ralhete ao Parlamento acusando os deputados de “excessiva intervenção”.
Pelo meio destes, houve o primeiro veto a um decreto do Governo no caso da lei que obrigava os bancos a informar a Autoridade Tributária sobre contas bancárias com saldo superior a 50 mil euros. O outro decreto saído do Conselho de Ministros e vetado pelo Presidente foi o Estatuto dos Militares da GNR.
O veto mais recente foi às alterações ao financiamento partidário e o Parlamento já devolveu o assunto ao Presidente acatando boa parte dos seus reparos.
Eutanásia – a palavra suspensa
O Presidente da República tem recusado dizer o que pensa sobre a legalização da eutanásia – um processo já em marcha no Parlamento -, optando por dizer que é preciso um amplo debate na sociedade portuguesa O Bloco de Esquerda, mais concretamente José Manuel Pureza e João Semedo fizeram a vontade ao Presidente e promoveram não só debates por todo o país como até organizaram uma conferência nacional.
Também em cumprimento da recomendação presidencial e mesmo com o beneplácito de Marcelo, que esteve no arranque e no encerramento, a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida promoveu uma série de debates plurais sobre o assunto.
Falta saber se o Presidente vai considerar o debate suficiente quando tiver nas mãos uma legalização da eutanásia aprovada num Parlamento em que apenas um partido – o PAN – tinha esse tema no programa eleitoral.