14 mar, 2018 - 17:15
Do antigo Primeiro-Ministro, José Sócrates, passando por Miguel Relvas, ex-ministro dos Assuntos Parlamentares, membros de gabinetes de vários políticos e até um Comandante Nacional da Proteção Civil. Recorde cinco "Curriculum Vitae" onde a verdade académica foi adulterada.
Currículo rectificado
O secretário-geral do PSD, Feliciano Barreiras Duarte teve de rectificar o currículo na sequência da notícia de que o mesmo teria “declarações imprecisas”.
O deputado declarou ser investigador convidado de uma universidade norte-americana, informação que foi entretanto desmentida pela instituição.
Feliciano Barreiras Duarte já havia feito referência ao convite da universidade norte-americana na sua tese de mestrado em Direito, apresentada em 2014, na Universidade Autónoma de Lisboa.
O Ministério Público está a investigar o currículo do secretário-geral do PSD, apesar de Feliciano Barreiras Duarte declarar “estar tranquilo quanto ao seu percurso académico”.
O percurso académico de Feliciano Barreiras Duarte foi o último a levantar dúvidas, mas não foi o primeiro.
Do Primeiro-Ministro, ministros e vários assessores ou membros de gabinetes ministeriais já tiveram que terminar funções por causa das habilitações académicas. Dos currículos “martelados” que valeram demissões constavam uma ou mais licenciaturas quando os declarantes apenas tinham frequentado disciplinas dos cursos em que se inscreveram mas não chegaram a terminar.
José Sócrates
As notícias sobre o currículo académico do ex-primeiro-ministro, começaram a surgir cerca de dois anos após ter sido eleito pela primeira vez, em 2007. O currículo “oficial” de Sócrates referia que tinha feito um bacharelato em Engenharia (equivalente a três anos de estudos superiores) no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, uma licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente (UnI) - que incluía também frequência no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa e uma pós-graduação com MBA em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa.
A licenciatura em Engenharia Civil foi questionado após ter sido revelado que Sócrates teria frequentado apenas cinco disciplinas na UnI - uma delas Inglês Técnico, que lhe permitiram aceder ao grau. O facto de o diploma ter sido emitido a um domingo, dia em que os serviços administrativos da universidade não estariam a funcionar, levantou ainda mais questões sobre o rigor do mesmo.
Sócrates defendeu-se argumentando que tinha “uma licenciatura reconhecida pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior” e que os procedimentos da universidade para lhe conferir o grau não eram da sua responsabilidade enquanto aluno.
Apesar das dúvidas levantadas por alguns professores em relação à forma como as equivalências foram obtidas, Sócrates manteve o grau de licenciado.
Mais tarde, já após ter deixado de ser Primeiro-Ministro, Sócrates prosseguiu os estudos em Paris. Fez o curso de mestrado em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Paris, uma das escolas mais prestigiadas do mundo, conhecida por "Sciences Po".
Sócrates obteve 16 na nota final do mestrado, mas as dúvidas em relação às suas capacidades académicas persistiram. Em 2016, o professor da Faculdade de Direito, Domingos Farinho, reconheceu ter ajudado Sócrates na elaboração da tese de mestrado do ex-primeiro-ministro. O trabalho académico deu origem ao livro "A Confiança no Mundo: Sobre a Tortura em Democracia", que terá sido escrito pelo professor e não por Sócrates.
Miguel Relvas
O ex-ministro dos Assuntos Parlamentares de Pedro Passos Coelho viu a licenciatura Ciência Política e Relações Internacionais obtida na Universidade Lusófona ser anulada.
Tudo por causa da forma como obteve o grau: o social-democrata teve equivalência a várias cadeiras devido ao reconhecimento das suas competências e experiência profissional e foi aprovado noutras disciplinas sem frequência das aulas. Na prática, os créditos que acumulou permitiram-lhe fazer a licenciatura num ano em vez dos típicos quatro.
Em 2014, e após investigação realizada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência, o ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, determinou a nulidade da licenciatura de Relvas.
O ano passado, Miguel Relvas voltou à Universidade Lusófona para fazer exames às duas cadeiras que haviam sido consideradas “irregulares”. Com o aproveitamento que obteve nas disciplinas de Relações Internacionais e Direito Administrativo, voltou a ter o número de créditos necessários para recuperar o grau de licenciado.
Nuno Félix
Quando foi nomeado chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, em 2016, Nuno Félix declarou duas licenciaturas - uma em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e outra em Direito na Universidade Autónoma de Lisboa. Na verdade, nunca chegou a terminar nenhum dos dois cursos, ambas as universidades tinha apenas registo de “frequência” dos mesmos.
Nuno Félix acabou por pedir demissão do cargo, na sequência de um longo processo público que terá estado na origem do processo de demissão do ex-Secretário de Estado da Juventude, João Wengorovius Meneses.
Wengorovius Meneses terá afirmado que pretendia exonerar Nuno Félix do cargo quando soube do currículo académico deste. Entretanto, foi o próprio que de demitiu da tutela do ministro da Educação, Tiago Brandão Ferreira. Nuno Félix demitiu-se alguns dias depois.
Rui Roque
O assessor do Primeiro-Ministro, António Costa, Rui Roque disse ser licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), quando apenas terá completado quatro disciplinas do curso.
A nota de nomeação de Rui Roque para o cargo de assessor referia que era licenciado, sem ter chegado a concluir o curso. Roque desempenhava as funções de adjunto para os Assuntos Regionais no gabinete de António Costa. Na sequência da notícia avançada pelo jornal Observador, o assessor acabou por pedir a demissão a António Costa.
Currículo por equivalências não só na política
O Comandante Nacional da Proteção Civil, Rui Esteves, demitiu-se da comissão serviço para que havia sido nomeado na sequência das revelações sobre o seu currículo académico. O acaso aconteceu o ano passado, no rescaldo dos incêndios e envolve “equivalências a mais”.
Rui Esteves licenciou-se em Proteção Civil pela Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), em 2010.
O grau foi obtido com recurso a equivalências e exames. Das 36 unidades curriculares, quatro foram avaliadas por exame e às restantes obteve equivalência.
Na prática, mais de 90% do curso foi feito recorrendo a pedidos de creditação de competências. Na sequência do processo de Miguel Relvas a acumulação de tal volume de equivalências passou a ser ilegal e Rui Esteves acabou por pedir a demissão do cargo no dia em que foi aberto um inquérito à sua licenciatura.