28 jun, 2018 - 00:03 • Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)
“São os partidos à esquerda que tentam encontrar linhas de divergência com o PS, porque precisam dessas linhas de divergência para se apresentarem de forma autónoma às eleições”, diz o deputado socialista, em entrevista à Renascença e ao Público.
O João Galamba é associado a uma ala mais à esquerda no PS. Está mais descrente quanto ao futuro dos acordos à esquerda?
Não, não estou. Esses acordos já deram resultados muito positivos e acho que o povo português sabe valorizar os benefícios que esta queda de um muro - que permitiu à esquerda negociar e trabalhar em conjunto - trouxe para as suas vidas. Eu gostava que fosse possível continuar a trabalhar com os partidos à esquerda no futuro - e não vejo razão para que isso não possa acontecer. Acho que a esquerda ganha se for capaz de apresentar soluções de governabilidade. E ganham todos, não apenas o PS.
E não deveria ser apresentada uma solução de governabilidade pré-eleitoral?
Não. Acho que os partidos devem ir a eleições com as suas ideias, como foram nas últimas eleições, sabendo os eleitores que, se não houver uma maioria absoluta do PS - enquanto no passado o pressuposto era de que o PS teria de governar sozinho ou dialogar à direita -, há uma experiência em sentido contrário e que o PS tem capacidade de diálogo à esquerda.
Francisco Louçã tem dito e escrito que o PS anda a provocar os partidos de esquerda. Disse-o a propósito do discurso do final do congresso de António Costa, do acordo de concertação e criticando a intransigência negocial com os professores. O Governo anda a esticar a corda?
Eu tenho a interpretação oposta à de Francisco Louçã. O que entendo é que são os partidos à esquerda que tentam encontrar linhas de divergência com o PS, porque precisam dessas linhas de divergência para se apresentarem de forma autónoma às eleições. Respondendo directamente a Francisco Louçã, é ele e outros quem tentam criar linhas divisórias e tentar provocar crises artificiais.
Outros como Jerónimo de Sousa? Que disse que o ambiente para o Orçamento está "toldado"?
Vou repetir: todos os partidos vão querer salientar as suas marcas distintivas. É natural que o BE e PCP tentem empolar um pouco divergências que sempre existiram com o PS, que são naturais e não são obstáculo a que se chegue a compromissos. No passado havia muitas áreas onde havia divergências e elas não foram obstáculo a que chegássemos a soluções. Mas têm que ser soluções que representem um compromisso. Se houver partidos que estão mais interessados neste momento, ao contrário do que aconteceu nestes três anos, em hipervalorizar as diferenças e torná-las quase como único referencial relevante neste ano que falta para as eleições.... estão na sua inteira legitimidade para o fazer. Mas é assim que eu entendo essas declarações de Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, acho que são tentativas de criar conflitos artificiais. Vou dar um exemplo: o PS está a preparar uma lei de bases da Saúde, é conhecido o calendário: será debatido em setembro. O BE escolheu apresentar a sua proposta na semana passada. O que sempre dissemos é que a discussão devia aguardar pela proposta do PS. Mas se forçar a votação desta lei de Bases, eu entendo isso como uma tentativa de forçar divisões face ao PS que têm como objetivo apenas reforçar uma diferença para efeitos eleitorais. O mesmo nas questões laborais: o PCP sabia que o PS estava a trabalhar num acordo de concertação social que tinha como objetivo o combate à precariedade e, no entanto, o PCP foi apresentando quase todas as semanas projetos de lei - uma tentativa deliberada de o PS as chumbar, para poder dizer que o PS nesta matéria está ligada à direita. São dois exemplos que têm objetivos mais eleitorais do que...
Ainda há um obstáculo antes do final da legislatura, que é o próximo Orçamento. Acha que o Governo consegue um acordo com a esquerda sem antes resolver o problema com os professores?
Isso é matéria que terá que ser vista na negociação, mas estou em crer que sim. O PS tem um programa de Governo, o programa está a ser cumprido, este Governo e o PS não se têm desviado dessa linha política. Portanto, não vejo que isso possa constituir um obstáculo à aprovação do Orçamento. Agora, lá que é uma área onde o PS, PCP, Bloco e PEV divergem, isso não vou negar.
E como é que se vai resolver?
O Governo comprometeu-se a negociar com os sindicatos, assinou uma carta de compromisso que tem sido cumprida - e a prova disso são as declarações de Mário Nogueira e João Dias da Silva (FNE) logo a seguir à assinatura da carta. E o Governo iniciou um processo negocial e apresentou uma proposta. A única coisa que sabemos é que os sindicatos rejeitam essa proposta sem ter avançado com uma alternativa. Agora, a meu ver bem, o Governo aguarda algum movimento por parte dos sindicatos, uma vez que já foi para além do seu programa, propondo uma contagem parcial do tempo.
Não há qualquer hipótese de contagem total?
Não só seria financeiramente incomportável como seria também relativamente injusto face às demais carreiras da função pública. Seria difícil de explicar que um descongelamento das carreiras, que já custa cerca de 600 milhões de euros, passasse a custar 1200 milhões. Seria difícil de explicar como há que pessoas que teriam um aumento de 50 ou 100 euros na sua remuneração e alguns professores poderiam ter de 300 euros. As verbas envolvidas para os professores seriam de tal forma desproporcionadas face aos restantes funcionários públicos que introduziria alguma desigualdade entre eles.
O PS não devia, então, propor uma revisão da carreira docente?
Eu pessoalmente entendo que sim. Devia-se tentar garantir que o congelamento e o desrespeito por uma carreira que está instituída não volta a acontecer. E isso só é possível se a carreira for sustentável e viável no tempo. Eu pessoalmente - esta não é a posição do PS nem do Governo - entendo que sim. Que essa revisão devia ser feita, em nome do respeito pelos professores. Porque aquilo de que os professores precisam é de uma carreira que possa ser cumprida e não seja ciclicamente congelada. Se é difícil que esta carreira seja cumprida, porque os custos são tão elevados que ciclicamente pode ser congelada, o melhor proceder à sua revisão para garantir que isso não acontece.
Há uns meses disse, numa entrevista, que era altura de o ministro das Finanças procurar menos "brilharetes" em Bruxelas. Acha que o objetivo para 2019 deve ser menos ambicioso?
O objetivo em 2018 e 2019 já é pouco ambicioso, não é excessivo. É uma redução modesta que cumpre as regras europeias, mas sem ir para além delas. Verdade seja dita, nem em 2016 nem em 2017 fomos para além delas: fomos para além na meta do défice, mas não cumprimos a regra de despesa. Eu gostaria que o ano de 2018 e 2019 ficasse o mais próximo possível da meta prevista no Orçamento - e que não fossemos para além dela. Quando falei de "brilharetes" era nesse sentido: fazer o possível para executar tida a despesa necessária, ficando o mais próximo possível da meta.
Se esse princípio for cumprido, sobrará alguma margem para aumentos na função pública?
É uma matéria que depende das negociações do OE e da execução orçamental deste ano. As negociações deram os primeiros passos simbólicos recentemente. Se a execução orçamental for boa e houver margem, eu defendo que hajam aumentos da função pública, sempre na lógica de não dar passos maiores que as pernas. No entanto, concordo com o primeiro-ministro: se a escolha for entre salários ou mais funcionários públicos, havendo carências identificadas por todos em várias áreas, a prioridade deve ser para a contratação. Até porque, com o descongelamento das carreiras e os escalões de IRS, o vencimento dos funcionários públicos já vai ter um aumento em 2018 e 2019.