04 out, 2018 - 00:01 • Graça Franco (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)
António Costa deixou na entrevista à TVI que não se confirma a descida do IVA da eletricidade neste Orçamento. O primeiro-ministro admitiu que a fatura da luz talvez desça mas por outras vias. Concorda com esta opção de não descer o IVA? Está a ver outras vias que possam ter o mesmo efeito sobre a fatura das famílias?
Temos que perceber que um Orçamento é sempre feito de escolhas. A questão não é saber se gostaríamos de descer o IVA, toda a gente gosta de descer o IVA. O preço da eletricidade em Portugal é dos mais caros da Europa e o peso dos gastos da energia nos orçamentos das famílias portuguesas também é muitíssimo elevado, Temos que reduzir isto. A questão é que uma baixa da taxa do IVA teria uma repercussão orçamental brutal. Está na taxa máxima. Mesmo que fosse para a intermédia teria uma implicação brutal e depois teríamos que ver como iríamos financiar isto, se era com aumento de impostos, se era de outra maneira. Há de facto medidas alternativas. O objetivo é reduzir os encargos que as famílias e as empresas têm com a energia e há várias maneiras de o conseguir. Uma das maneiras é retirar da fatura que as famílias pagam componentes que não têm nada a ver com a energia. Por exemplo, a taxa de ocupação do subsolo. Há uma série de rendas que estão nos chamados CMEC que vão para municípios e que deviam ser as empresas a suportar e que são repercutidas nos municípios. Aqui está uma via que espero que venha a estar contemplada: redução dos CMECs e as empresas incorporarem esta taxa.
No caso da eletricidade e da EDP falamos de empresas privadas mas no caso do tratamento de subsolos o mais provável é que isso tenha que depois ir parar, por outra via, às empresas que são ou municipais ou estatais.
A ideia, que já está contemplada no orçamento de Estado anterior, é que esses custos não devem estar na fatura. Ainda por cima os municípios têm liberdade para definir esta taxa, a da ocupação do subsolo, que é o direito de passagem, se quiser. Há taxas inacreditáveis que estão a ser praticadas. Outra questão essencial é pensar nas famílias mais carenciadas e na tarifa social de energia que está muito pouco implementada. É um direito que as famílias têm mas, ou por desconhecimento ou por outra razão qualquer, o que é um facto é que há relativamente poucas famílias a aderirem à tarifa social de energia. Se calhar, tem que se simplificar os mecanismos burocráticos.
O economista Ricardo Cabral, que conhece muito bem, escreveu no Público esta semana que provavelmente pela primeira vez desde 1973 poderíamos vir a ter défice zero em 2018 que seria anunciado em 2019, ano de eleições. Paulo Trigo Pereira manifestou-se contra a redução tão acelerada do défice. Que lhe parece a ideia de existir défice zero em 2018 a anunciar em 2019?
Eu acho que não vamos ter défice zero, até porque existem as chamadas medidas "one-off" que têm a ver com capitalização. Mas sim podemos vir a ter um défice de cerca de menos 0,2.
Tecnicamente é zero
Já agora, as décimas do défice são geríveis pelo Ministério das Finanças. O ministro das Finanças, com os graus de liberdade que tem nas cativações, na reserva orçamental, na dotação orçamental do Ministério das Finanças, pode ajustar - dentro de décimas, estamos a falar entre duas e três décimas é perfeitamente ajustável. Acho que não será zero, haverá algum défice, à volta de -0,2% sem medidas extraordinárias. Se eu concordo que o défice vá a zeros? Discordo. Aliás, eu e Ricardo Cabral, meu estimado amigo e colega, fizemos um livro, mais dois investigadores, onde defendemos algo que não se fala e que é a coisa mais importante que se devia estar a discutir neste momento, que é o objetivo de médio prazo para as finanças públicas. Ou seja, para onde queremos prosseguir? Vamos continuar a reduzir o défice eternamente? Isto devia estar a ser discutido porque está a ser discutido agora a nível europeu e vai ser deliberado no início de 2019. E se o objetivo de médio prazo para as finanças públicas - ou seja, o saldo que devemos atingir no médio prazo - continuar a ser o que está agora, que é de mais 0,25% do PIB, temos que continuar a apertar o cinto até 2022-2023. A razão que nos levou a escrever o livro é que nós achamos que é essencial rever isto. Mário Centeno vai ter um papel, enquanto líder do Eurogrupo, nesta matéria. Isto não deve ser só para Portugal. Os tratados, o Programa de Estabilidade, a Lei de Enquadramento Orçamental, falam sempre de um défice de -0,5%. Depois há a regra do -3. Isto é absolutamente crucial para Portugal e para o próximo Governo, já agora, que isto seja revisto em baixa. O que acho razoável e é aquilo acho expectável é que este ano o défice sem medidas extraordinárias ande à volta de -0,2 e para o ano a mesma coisa. Chegámos ao limite da redução do défice que é perfeitamente sustentável do ponto de vista da dinâmica das finanças públicas e da dinâmica da dívida pública. Nós não precisamos de continuar a apertar, apertar, apertar o cinto.
E não estamos já a apertar demais?
Não. Estamos a apertar aquilo que é necessário porque obviamente esta política que o Governo tem seguido de redução do défice tem trazido imensos benefícios para os portugueses. Vamos ver o que se vai passar em Itália. Os italianos, coitados, que têm este governo, estão a ter objetivos para o défice muito mais ambiciosos do que a União Europeia quer. E as consequências que isto já está a ter no mercado da dívida pública é uma subida brutal dos juros das obrigações do Tesouro italiano. O que significa que se retirarmos os juros que vão pagar a mais em relação ao défice que vão ter não sobra nada. Eles vão perder reputação internacional e vão pagá-la com juros mais elevados.
E não nos podia acontecer o mesmo se, seguindo o seu conselho, o Governo assumisse desde já que nunca iria chegar a um excedente orçamental de 0,25 e iria ficar sempre naquilo que era o défice proposto para os próximos dois anos?
Não, não acontece isso porque um défice de -0,2 no contexto europeu é perfeitamente razoável e leva a uma redução da dívida pública ao ritmo que as regras comunitárias exigem. Portanto, essa questão não se coloca. Mas eu não vejo isto do ponto de vista exclusivamente português. Acho que isto se devia começar a discutir para pressionar para que a nível europeu essa decisão seja tomada, não para Portugal em particular, mas para todos.
É bom ou mau que Mário Centeno seja presidente do Eurogrupo?
É bom. Eu acho que Mário Centeno não pode obviamente no Eurogrupo defender casos particulares, muito menos o caso particular português. Mas há margem para interpretar e rever as regras do tal objetivo de médio prazo.
Acha que o ministro das Finanças está mesmo interessado em rever esse objetivo?
Eu acho que... (pausa) qualquer pessoa, e o ministro das Finanças incluído, que esteja interessada em criar condições de estabilidade para uma próxima legislatura - e nomeadamente com um governo PS - deve estar interessado nisso. Eu percebo a sua pergunta... Implicitamente o ministro das Finanças estará dividido nos seus dois papéis… Claro que está, claro que está.
Há dois Mários Centenos neste momento?
Há dois Mários Centenos, o líder do Eurogrupo e o ministro das Finanças. Agora, eu acho que é possível conciliar os dois Mários Centenos. Esse é o meu ponto. E a conciliação possível, que beneficiaria a Europa e não só Portugal, já agora, é solicitar que países tenham objetivos para as finanças públicas razoáveis. Mais: eu acho que o caso italiano, paradoxalmente, vai dar mais força ao caso português. A Comissão Europeia e o Eurogrupo vão ter aqui um bico de obra. O que vão fazer a Itália, que apresentou um orçamento que à luz das regras comunitárias é inaceitável? Agora, ainda estamos na fase da diplomacia. Mas há-de chegar o dia da verdade, quando for aprovado o orçamento no parlamento italiano. E quando esse dia da verdade chegar vamos olhar para o défice que lá está. E imagine que o défice é 2%. Vai contra as regras comunitárias. O que se passa em Itália tem paradoxalmente efeitos positivos e negativos em Portugal. Tem efeitos negativos porque não estamos completamente isentos de contágio. A subida da dívida italiana poderá ter algum efeito marginal em Portugal e esse é o efeito negativo. O positivo é que nas negociações à escala europeia acho que temos toda a legitimidade de dizer: "Ó meus amigos então vocês aceitam - porque vão ter que aceitar - este défice italiano e estão aqui a exigir a Portugal ter um excedente primário de quase 4%? Nós não temos divergências com o Governo relativamente a 2019, mas para 2020, 2021 e 2022 temos. Do ponto de vista económico, do impacto na economia, na dinâmica da dívida, etc., manter um défice pequeno - perto dos 0,2% é perfeitamente suficiente.
Defende que é preciso criar condições de estabilidade para a próxima legislatura. Mas António Costa disse que só em prestações sociais o encargo já assumido até aqui é em mais mil milhões para os próximos anos. Ainda temos a contagem de tempo futuro para os professores. Estão a criar-se condições de estabilidade ou está-se a criar uma bola de neve que pode levar a um monstro outra vez gordinho nas despesas de Estado?
Eu vejo a importância deste orçamento de Estado não apenas para 2019, mas para a futura solução política deste país. Aquilo que for cedências aos parceiros que apoiam esta solução governativa, se essas cedências não tiverem sustentabilidade não devem ser feitas. E isso deve ser marcado já.
Que cedências diz que não podem ser feitas?
Por exemplo, professores. Como disse Mário Centeno, não estamos a discutir professores. Quando olhamos para a Função Pública na globalidade, temos carreiras em que os trabalhadores progridem em função de uma avaliação de desempenho e carreiras em que os trabalhadores progridem essencialmente pelo tempo. Esta separação sempre foi feita em todos os orçamentos de Estado desde que há cortes. No de 2018, à última da hora, entrou um artigo a dizer "é preciso negociar". Neste momento, o Bloco de Esquerda agarrou-se àquele artigo. Para Catarina Martins aquele artigo é mais importante que tudo o que foi dito, o programa do Governo... Já em março de 2015, no cenário macro-económico, o que lá está é descongelamento das carreiras na segunda parte da legislatura. Este tópico é novo, não está em programa nenhum, e o Partido Socialista tem que se manter firme. A proposta que o Governo leva para as negociações é aquilo até onde se pode ir. Neste orçamento e daqui por diante. Não se deve ceder em relação a este ponto de maneira nenhuma. Este assunto deve ficar encerrado definitivamente e o PS deve dar esse sinal político. Porque se não der esse sinal o que acontecerá, neste caso e no das pensões, cria-se a tal bola de neve que estava a referir. Deixam-se coisas mal resolvidas para que os próximos paguem a fatura. É bom que fique claro: este tem sido o problema das Finanças Públicas em Portugal nos últimos 40 anos: falta de transparência, remeter coisas para a dívida pública que as pessoas não percebem que vão ter que pagar no futuro e pôr coisas debaixo do tapete.
O que é o Governo deve prometer para futuro nas pensões?
A posição que penso que vai vingar é o aumento extraordinário das pensões. A minha posição pessoal é contra, mas eu saio derrotado várias vezes, neste caso também sairei, mas não deixo de a exprimir. Por que sou contra? Sou contra por uma razão muito simples. O PCP, o Bloco e o PEV insistem em propostas - é evidente que deram muito bons contributos para esta governação - mas insistem em propostas que são populistas e eleitoralistas. Esse aumento extraordinário também pode não ser muito popular junto dos idosos, que muitas vezes têm filhos e netos e sabem, como nós sabemos, que há aqui uma opção. Se nós damos mais às gerações presentes damos menos às gerações futuras, aos seus filhos e aos seus netos. Nós temos relatórios que têm as continhas todas feitas.