04 out, 2018 - 00:02 • Graça Franco (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)
Porque é que diz que as cedências deste orçamento são decisivas para uma futura solução política?
Imaginemos que o PS ganha sem maioria absoluta e precisa de apoio parlamentar. Não pode casar com um partido que tenha como linha vermelha, por exemplo, dar o tempo integral de serviço aos professores. Mesmo que houvesse dinheiro, eu achava que não se devia dar porque não é justo. É importante dar os sinais neste orçamento de Estado porque a seguir vêm as eleições e depois vamos ter, eventualmente, acordos pós-eleitorais. Ora, se um partido é intransigente em determinado tipo de matérias e põe linhas vermelhas não há conversa possível.
É impossível haver acordos com Bloco e PCP?
Acho perfeitamente possível, deve-se é clarificar as coisas já. Este Orçamento deve ser clarificador da posição do Partido Socialista sobre estas matérias, para que os outros partidos se posicionem, para que viabilizem ou não viabilizem - estamos em crer que vão viabilizar - para que possamos ter uma conversa sadia depois de 2019. Isto tem que estar tudo muito claro e quanto mais claro e transparente estiver antes das eleições - e o antes começa agora - mais fácil é depois. Eu defendo que deve existir um acordo escrito. Agora toda a gente dá por adquirido que a geringonça se pode repetir mas não é preciso assinar nenhum papel. Eu sou completamente contra! Se não houvesse papel assinado, a geringonça tinha caído a meio deste mandato. Não tenho dúvidas sobre isto. Se a ideia é que caia na próxima legislatura, então não assinem papéis. Se querem que dure, assinem.
É o deputado mais desalinhado do Parlamento. Votou 114 vezes contra o sentido de voto da sua bancada. No caso da descentralização disse que a Assembleia estava a ser desvalorizada. Acha que, mesmo com a geringonça que fez da Assembleia o centro da ação política, o Parlamento continua a ser o irmão menos amado do sistema?
Foi o momento mais tenso que tive no Parlamento, porque houve uma desconsideração total em matérias cruciais, como a descentralização e as finanças locais. Não tenho nada contra acordos de regime, o PS achou que se devia entender com o PSD sobre esta matéria mas não foi só com o PSD. Foi com o PSD, a Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias. Este grupo andou a negociar durante meses a fio e depois, numa lei extremamente complexa como é a Lei das Finanças Locais, dão 15 dias ao Parlamento para se pronunciar. Criou-se uma comissão técnica independente e eu ponho aspas quer no técnico quer no independente. Na altura, não sabia quem eram os nomes. Por exemplo, o dr. Alberto João Jardim é muitíssimo técnico e muitíssimo independente... De facto, o Governo por vezes desconsidera o Parlamento. Mas a culpa é do Parlamento. Atenção, a culpa não é do Governo.
O Parlamento não se faz respeitar?
O Parlamento não se faz respeitar e sobretudo trabalha-se pouco no parlamento. No fundo. Eu distingo a palavra atividade da palavra trabalho. A atividade é gasto de energia, o trabalho é algo que produz resultados. Faz-se muita coisa, audições, relatórios, etc. mas a eficácia disto é muito pequena. E é muito pequena porque os deputados em geral dedicam muito pouco tempo ao parlamento. Uns porque têm negócios fora do Parlamento e têm a sua vida para tratar e outros porque têm uma coisa que é completamente compreensível mas também não é atividade parlamentar strictu sensu, que é toda a atividade política extra-parlamentar: câmaras municipais, assembleias municipais, assembleias de freguesia, juntas de freguesia...