05 dez, 2018 - 13:14
O presidente da Assembleia da República pede mais responsabilidade aos deputados no exercício das suas funções e diz que as irregularidades conhecidas são “inaceitáveis”.
“Parece inquestionável a existência de irregularidades, havendo registo de presenças falsas”, escreve Ferro Rodrigues na declaração à conferência de líderes extraordinária desta quarta-feira.
Nessa conferência foi decidido que os deputados vão passar a ter de confirmar as suas presenças na AR não apenas através do login nos computadores. "Afigura-se, ainda assim, como indispensável distinguir a simples ligação do computador do registo de presenças", sublinha Ferro Rodrigues na mesma declaração enviada às redações.
Até agora, bastava a entrada simples no computador para confirmar a presença em plenário, sistema que não impediu vários casos de presenças falsas de deputados, entre eles José Silvano, do PSD, e que estiveram na origem da reunião desta quarta-feira.
A reunião foi convocada na sequência de notícias várias dando conta de irregularidades no comportamento dos deputados no exercício das suas funções. A última faz a capa do jornal “i” desta quarta-feira e refere-se ao relatório do Tribunal de Contas sobre a falta de controlo nas viagens dos deputados das ilhas.
“Esta reunião extraordinária da Conferência de Líderes foi convocada para tratar, essencialmente, de dois pontos: (i) os procedimentos a adotar em matéria de despesas de deslocação de deputados; e (ii) o registo de presenças e faltas às reuniões plenárias”, lê-se na declaração do presidente da Assembleia da República.
No que toca ao primeiro ponto, Ferro Rodrigues afirma não haver “quaisquer ilegalidades”, mas considera ser “de toda a conveniência a atualização e ajuste de alguns dos procedimentos e conceitos”, o que implica a alteração da lei, tendo em conta o relatório do Tribunal de Contas.
“Lamento que só agora tenha sido possível ao Conselho de Administração pronunciar-se sobre este assunto, o qual lhe foi submetido em maio e reforçada a necessidade de resposta em setembro. Tal ficou a dever-se ao facto de aquele órgão ter tentado procurar um consenso sobre esta matéria. Agora propôs que fosse trazida à consideração da Conferência de Líderes a criação de um grupo de trabalho com vista a estudar e a recomendar as alterações à Resolução da AR n.º 57/2004 que se afigurarem apropriadas”, o que “merece a minha concordância”, afirma.
Ferro Rodrigues defende que as alterações “devem ser realizadas com a máxima urgência, de modo a que a sua entrada em vigor ocorra ainda na presente legislatura”.
Sobre o segundo ponto da ordem de trabalho, as faltas dos deputados, o presidente do Parlamento lembra que “todos os deputados são titulares do Órgão de Soberania Assembleia da República”, pelo que considera “inaceitáveis quaisquer formas de funcionalização dos mandatos parlamentares, equiparando o registo de presenças dos Deputados ao modelo em vigor para os funcionários”.
Não podendo ser “o polícia dos deputados”, Ferro Rodrigues diz que “sempre os defendeu”, mas frisa que, “quando alguns (poucos) põem em causa o prestígio da Parlamento, estão a pôr em causa o prestígio da democracia representativa”.
“E com isso não pactuo”, garante.
O presidente do Parlamento exige, pois, “mais responsabilidade e responsabilização individual (de cada deputado) e coletivas (de cada grupo parlamentar), sancionando as irregularidades”.
Sistema de defesa da integridade do Parlamento “está a falhar”
Na opinião de João Paulo Batalha, da Associação Transparência e Integridade, as soluções apresentadas não resolvem o problema da falta de confiança dos cidadãos para com o Parlamento.
“Aparentemente, houve deputados a reconhecer que esta era mais uma questão ética do que uma questão técnica, mas aparentemente as resoluções da reunião é trabalhar nas questões técnicas e não nas questões éticas”, lamenta João Paulo Batalha, em declarações à Renascença.
A Associação Transparência e Integridade considera que o sistema de defesa da integridade da Assembleia da República “está a falhar”.
“Não me parece que este grupo de trabalho que está anunciado consiga reverter esse problema de falta de conduta ética e de indefinição em matéria de boas práticas, nem me parece que vá ter mandato para se debruçar sobre essas questões”, sublinha.
“Arriscamo-nos a ter mais um grupo de trabalho até desfasado da comissão de ética que já existe, da comissão para a transparência que já está a trabalhar e vamos ter, se calhar, alguns contributos, pontualmente úteis, mas descoordenados do todo e o todo que continuar a faltar é mecanismos de promoção de boa conduta, de transparência, de relacionamento ético dos deputados.”
O responsável da Associação Transparência e Integridade concorda com Ferro Rodrigues que se recusa a ser o policia dos deputados.