02 mai, 2019 - 06:09 • Graça Franco (Renascença) e Margarida Gomes (Público)
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Candidato a um terceiro mandato, Paulo Rangel comenta o resultado das eleições legislativas em Espanha que não ajudaram a uma clarificação do ponto de vista político e diz que o Vox (que elegeu 24 representantes) teve uma entrada forte. Quanto à Aliança, de Santana Lopes, e ao Chega, de André Ventura, são movimentos sem futuro e que não ensombram o PSD, diz nesta entrevista PÚBLICO/ Renascença.
O PSOE teve uma vitória clara nas legislativas de domingo em Espanha. Que leitura faz destas eleições em termos europeus?
Seguem uma tendência europeia, mas neste caso até espanhola. Este resultado vai fazer com que o impasse espanhol permaneça. As eleições tiveram uma vantagem, que foi uma maior participação. Nesse sentido, podia esperar-se que houvesse um desempate. Aquela solução, que seria uma solução inovadora do Ciudadanos juntar-se ao PSOE (uma espécie de bloco central), ou de grande coligação entre um partido que está no centro-direita e um que está no centro esquerda-esquerda, não vai acontecer. As eleições não foram clarificadoras e o PSOE está dependente do Podemos que é, no fundo, um partido radical de esquerda, como o Bloco e o PCP. Depois há os partidos regionais, em particular o Partido Nacionalista Basco que, como partido basco que é, tem uma agenda que não está tão distante da Catalunha como se podia pensar. Há ainda um reforço de 22 deputados de forças independentistas da Catalunha.
Não vê nesta grande participação uma espécie de mobilização contra a nova força política à direita que é o Vox?
Não porque ele acabou por ter um resultado expressivo. Também foi uma mobilização em torno do Vox, talvez não tão expressiva como alguns contavam. Elegeu 24 deputados, apesar de tudo é uma percentagem alta.
As sondagens davam-lhe muito mais…
Davam mais mas, apesar de tudo, é uma entrada forte. Na Europa estamos nesta situação em todo o lado. A Alemanha tem seis partidos, quando nos anos 90 havia três - dois grandes e um de charneira no meio -; nos países escandinavos, a Suécia, por exemplo, que também tinha uma tradição de maiorias absolutas, tem hoje dificuldades em formar Governo. O impasse [em Espanha] vai continuar, mesmo que seja possível formar um Governo com esse suporte colorido. Daqui a sete, oito, nove, dez meses, as reivindicações regionalistas vão fazer o que fizeram a [Mariano] Rajoy e o que fizeram a [Pedro] Sánchez antes destas eleições. Não houve aqui uma clarificação do ponto de vista político.
O PP, o grande partido tradicional da direita espanhola, foi o rosto da derrota histórica de domingo. Ficou surpreendido?
Não fiquei assim muito surpreendido. Eu achei que isto poderia acontecer por uma razão: Pablo Casado e os populares adoptaram um discurso para competir um pouco com o Vox, um pouco à direita, e a imitação é sempre pior do que a cópia. Um partido de centro ou centro-direita que quer ser um partido maioritário tem de aspirar ao centro, esse é que o ponto e não deve competir com a direita. O que aconteceu é que perdeu eleitorado moderado para o Ciudadanos e acabou por não conseguir competir suficientemente com a ala mais direita e ela fugiu para o Vox, nesse sentido.
Que nível de preocupação lhe merecem a Aliança, de Santana Lopes, e o Chega, de André Ventura?
Sinceramente, não acho que tenham impacto relevante sobre o PSD, sempre disse isso desde o primeiro dia. Pode parecer alguma pretensão o que vou dizer, mas não me parece que estes movimentos tenham futuro, ou que tenham essa atracção neste momento. É uma intuição mais empírica, da minha experiência, do contacto com as pessoas, da análise que faço.
Embora estas sejam eleições legislativas, que consequência antecipa para o PPE?
As tendências de sondagens feitas na Europa e em outros sítios apontam no sentido de o Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, que em conjunto tinham maioria absoluta dos deputados, percam deputados nas eleições, podendo não atingir os dois a maioria absoluta. O que era esperado em termos de Espanha, de França ou até de Itália é que os partidos que estão no PPE sofressem algum desgaste, se é mais ou menos temos de ver em função e cada país. Neste caso [de Espanha] é apesar de tudo uma perda relevante, mas ela era expectável e refletir-se-á também no grupo PPE, mas se se pode utilizar uma linguagem da contabilidade isso já está amortizado nas contas que se fazem para uma orientação global de que haverá uma perda.
É um dos vice-presidentes do PPE e uma figura influente e com experiência europeia. Alguma vez o Governo português recorreu a si para interceder junto do PPE em algumas situações?
O Governo português várias vezes falou comigo. Devo dizer que o ministro Mário Centeno quando foi daquela célebre questão das sanções [por incumprimento do défice a Portugal e Espanha] agradeceu-me expressamente os serviços que nós prestámos, e eu, nomeadamente, fi-lo com uma grande ajuda de Gonzalez Pontes, vice-presidente espanhol, na altura, junto de todos os comissários do PPE. Depois deste agradecimento, encontrei-me, informalmente, com o primeiro-ministro, António Costa, em Sofia, no Conselho Europeu de 15 de Maio de 2018, em que estivemos à conversa sobre vários assuntos europeus. [Mais tarde], no dia 19 de Setembro, eu e o primeiro-ministro encontrámo-nos numa rua de Salzburgo, estivemos um bocadinho a falar das eleições internas do PPE. É evidente que há diálogo e é evidente que é bom, para Portugal. O que acho estranho é que agora na campanha se venha dizer o contrário. Se o primeiro-ministro quiser desmentir que teve estas conversas comigo, ou o ministro Mário Centeno, que foram à frente de muitas outras pessoas então que desmintam.
O PSD tem vindo a crescer nas sondagens. A que é que atribui esta subida?
Há três fatores importantes que contribuem para um fortalecimento do PSD. O primeiro tem a ver com o presidente Rui Rio que sempre disse que seria a partir de Janeiro de 2019 que se começaria com uma estratégia de oposição de outro tipo. O lançamento de uma boa lista e de um bom programa, mas especialmente uma lista que comparada com a do Partido Socialista o deixa a anos-luz de distância em termos de qualidade, de experiência e até de juventude e inovação, é uma segunda explicação e, finalmente, o próprio desgaste de três anos do Governo em que vem ao de cima essa política que estava um pouco encriptada ou escondida.
PS e PSD começam a aproximar-se, mas quando se pergunta aos portugueses “quem é o principal líder da oposição”, de acordo com a sondagem do JN de domingo, 31% dizem que é Rui Rio e 27% Assunção Cristas. É uma margem curta, porque será?
Não vou comentar sondagens. As sondagens são como os rankings, confio muito pouco neles. A minha experiência diz-me que nas duas últimas eleições europeias as sondagens erraram e, portanto, tenho um grau de confiança relativo em relação às sondagens até porque em eleições europeias o grau de abstenção é elevado o que dificulta as próprias projeções.
Qual é a grande ideia que tem para a Europa?
Temos três prioridades europeias. A primeira tem a ver com os fundos de coesão. As perspetivas financeiras, que se vão debater já no próximo ano são fundamentais porque este Governo não fez reformas económicas, não mexeu nas pequenas e médias empresas, não mexeu em nada disso, viveu do crescimento alheio e, portanto, nós vamos precisar outra vez dos fundos porque estamos com o investimento nos níveis mais baixos de sempre e sem qualquer reforma estrutural ao longo destes três anos. Uma segunda bandeira é a reforma da União Económica e Monetária - a conclusão da União Bancária é uma urgência - e, ao mesmo tempo, muito importante, a criação de uma capacidade orçamental que pode, por um lado, levar a que se venha a criar, no caso de choques assimétricos, uma espécie de subsídio de desemprego, uma verba canalizada para aí, ou então, eventualmente, uma coisa que Portugal tem defendido muito, já Passos Coelho defendia, António Costa também tem defendido verdade seja dita, que são os arranjos contratuais, isto é, algumas reformas estruturais serem pagas por um orçamento europeu, mas serem contratualizadas com a comissão.
Que tipo de reformas?
Podem ser reformas no âmbito da Administração Pública.
Pagar despedimentos?
Não necessariamente. Pode ser pagar reconversões, pode ser pagar deslocalizações, quando falamos, por exemplo, na necessidade de descentralizar a administração e de relocalizar. Há muitas fórmulas. Há outro aspeto que é muito importante que são as alavancas sociais.
Alavancas sociais?
Sim, porque ao contrário do que diz o PS, não é possível ter um novo contrato social para a Europa. Nós propomos duas ou três medidas que têm capacidade de consenso. Propomos um programa europeu de luta contra o cancro com investimento maciço nunca visto, seja na investigação, seja no tratamento, e em particular na ligação da investigação ao tratamento, que é onde há realmente o grande problema hoje em dia.
Fazer da Europa uma espécie de potência que tenha uma dianteira no tratamento e na luta contra o cancro tal que se torne uma potência global nesta área. Outra ideia é a estratégia comum de natalidade. Defendemos a criação de uma grande convenção, um grande fórum europeu sobre a natalidade porque a demografia é um problema comum aos 27 ou aos 28 Estados membros e de um Conselho Europeu só para tomar medidas nesta matéria, e que no futuro haja uma verdadeira política comum com conselhos de ministros para áreas da demografia e da natalidade. Não são coisas desgarradas, são alavancas sociais, são medidas que podem criar políticas sociais europeias sem criarem a necessidade de criar uma espécie de modelo social europeu o que os países do Norte nunca aceitarão.
Duas diferenças entre PSD do PS em termos europeus?
Uma diferença que é absolutamente capital é a questão dos fundos europeus. Nós temos uma visão pragmática da Europa, não temos uma visão utópica. Na questão das políticas sociais, prometer tudo socialmente é como a estratégia de Lisboa do Guterres que propôs uma estratégia em que a Europa em 10 anos ia ser a grande potência tecnológica e nós nem daqui a 30 conseguimos ultrapassar os Estados Unidos por mais que invistamos nos sectores tecnológicos. Nós queremos uma aproximação pragmática e realista, isso significa por exemplo que em algumas matérias temos de dar pequenos passos. Por exemplo, na questão da política externa achamos que não se deve quebrar a unanimidade [nas decisões sobre política fiscal] e na questão do exército único europeu não devemos aceitá-lo.