07 mai, 2019 - 22:18 • José Pedro Frazão
Foi o convidado de honra do Forum Luso-Alemão que esta semana se realizou em Lisboa, sob o signo das migrações. António Vitorino é o director-geral da Organização Internacional para as Migrações desde outubro de 2018 e a partir de Lisboa deixa novos apelos à responsabilidade e ao equilíbrio dos políticos não populistas na Europa. Nesta entrevista à Renascença, o antigo ministro socialista atira contra a “falta de verdade nos factos” e as propostas populistas “inexequíveis e que negam a realidade”.
Na sua primeira deslocação como director-geral da OIM, em Outubro, foi à Alemanha por razões também simbólicas. À beira de eleições europeias, a Alemanha perdeu o pé ou mantém-se na charneira do processo?
Acima de tudo a Europa precisa de uma abordagem realista, razoável e equilibrada e ao mesmo tempo baseada em princípios e valores. Foi isso que a Alemanha fez, não só na crise de 2015 mas sobretudo no muito que tem feito a seguir à crise dos refugiados e que é pouco falado nos meios de comunicação social.
É todo um processo muito complexo, muito intenso, de integração dos refugiados na sociedade alemã. Quis manifestar com esse sinal que precisamos na Europa e em todo o mundo de políticas equilibradas, realistas, que tenham em conta as dificuldades da integração mas também as angústias das sociedades de acolhimento. A Alemanha é um bom exemplo disso.
Mas essas políticas têm vindo a ser questionadas por movimentos políticos que se opõem a essa integração.
Em muitos locais, não apenas no Norte Global, mas também no Sul Global, há um crescente sentimento de desconfiança e oposição à migração. Os fluxos migratórios são uma característica da humanidade que não vai desaparecer. Antes pelo contrário, as pressões migratórias vão aumentar. É óbvio que as migrações são um ponto de aplicação fácil de um conjunto de políticas populistas que apresentam soluções que parecem fáceis mas que não são exequíveis e que negam a realidade. Muitas das angústias e medos das sociedades de acolhimento, relacionadas com o crescimento das desigualdades sociais, os desequilíbrios demográficos e com as alterações climáticas, têm como ponto de aplicação as políticas de imigração. Na realidade, revelam problemas sociais mais vastos que vão muito além do fenómeno migratório.
Então alguém não está a fazer o seu trabalho.
É fundamental que os chamados políticos do "mainstream", incluindo partidos, sociedade civil, organizações sindicais e patronais, que têm uma visão equilibrada onde reconhecem que a migração é um fenómeno natural; que as migrações regulares, ordeiras e seguras podem ter aspecto positivo para os países de acolhimento mas também para os países de origem; que é preciso tratar os imigrantes de acordo com a sua dignidade humana e com os seus direitos humanos; que essas forças não sejam tímidas. Nem pensem que escondendo-se atrás de slogans fáceis dos populistas conseguem resolver o problema. Que assumam os seus valores e os seus princípios e que sejam capazes de passar políticas efectivas à prática
O problema é que essas forças “mainstream” têm vindo a perder o seu próprio peso nas sociedades.
Não sei se têm vindo a perder. Há fenómenos mais estruturais e outros mais conjunturais. Não devemos tomar a árvore pela floresta. É verdade que neste momento pode dizer-se que há um crescendo de sentimentos de rejeição das migrações num conjunto de países de destino. Para isso precisamos de histórias de sucesso, que demonstram que é possível regular as migrações, garantir integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento.
Onde é que elas estão ?
Desde logo em Portugal, que é um bom exemplo, tal como a Alemanha. Estou convencido que muitas pessoas não têm consciência de que a esmagadora maioria das migrações não são entre os continentes africano e europeu, mas sim intra-africanas.Nos últimos dez anos na União Africana, foi adoptada uma área de livre comércio e livre circulação e provavelmente o peso da integração dos migrantes africanos recai sobretudo sobre os ombros de outros países africanos.
Ao longo de alguns anos, debatemos consigo semanalmente esta questão na Renascença no programa "Fora da Caixa". Sempre defendeu uma acção mais incisiva no flanco africano. É ainda urgente fazer mais nessa “cortina” mediterrânea ?
A agenda 2030 com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável marca exactamente essa ligação entre a pressão migratória e o desenvolvimento económico, a necessidade de garantir o desenvolvimento dos países de origem para diminuir a pressão migratória. As pessoas querem ser felizes na terra onde nasceram. Muitas vezes são forçadas a deslocarem-se porque não encontram na sua terra as oportunidades para se realizarem de ponto de vista pessoal, familiar e profissional.
O investimento no desenvolvimento dos países de origem é uma das formas de responder à pressão migratória. Só que não produz resultados a curto prazo. É uma tarefa de longo prazo. Toda a estratégia de desenvolvimento sustentável não tem retorno ao virar da esquina. Há um conjunto de países, incluindo os da União Europeia, que têm desenvolvido políticas de apoio aos países de origem, ao nível do desenvolvimento económico e de estabilização. Porque a paz, a segurança e a tranquilidade são fundamentais para as pessoas não serem forçadas a emigrar.
Recentemente em Paris defendeu que as divergências em relação ao pacto global das migrações transformaram-se em fracturas. Algo muito mais cavado face ao que é suposto. A situação é assim tão dramática ? Isso não se resolve ao longo do tempo com a diminuição dos fluxos como mostram as estatísticas recentes?
Tudo se resolve. E o tempo ajuda muitas vezes. Eu disse que quando as clivagens não são atempadamente desarmadilhadas, podem tornar-se em fracturas. De alguma forma, o que se passa na União Europeia é preocupante porque há um bloqueio na adopção do sistema comum europeu de asilo. Assistimos ao restaurar de controlo de fronteiras internas de Schengen de forma prolongada. O primeiro e decisivo passo é restabelecer a confiança entre os diversos estados membros da União Europeia. Não só o projecto europeu como também o mundo esperam muito da Europa nesta matéria.
Isso pode apenas acontecer após todo o ciclo eleitoral na Europa, incluindo a instalação da nova Comissão Europeia?
Esse trabalho tem que ser feito pelas instituições europeias. Nesse sentido, as eleições para o Parlamento Europeu são particularmente importantes tal como a relação de forças que dela sair e a constituição das novas instituições europeias, designadamente a Comissão Europeia. Mas também um trabalho bilateral, de relação entre os estados. O recente fórum Luso-Alemão é um bom exemplo de como países podem ir construindo bilateralmente esses laços de confiança mútua.
Do ponto de vista europeu, várias vezes já sublinhou a necessidade de superar um problema de comunicação. É só uma questão de comunicação ou os políticos europeus têm que estar ao nível deste novo tempo?
O novo tempo exige sempre políticos ou sociedades civis ou órgãos de comunicação social a esse nível. Não é uma exigência específica em relação aos políticos. Em matéria de comunicação, é preciso repor a verdade nos factos. Há muita mistificação, manipulação e distorção da realidade. Repor a verdade nos factos significa contrariar algumas percepções erradas que existem sobre o fenómeno migratório e não esconder os problemas, as dificuldades e os obstáculos da diversidade. Muitas vezes é difícil conviver com a diversidade. A necessidade de nos encontrarmos num radical humano que nos aproxima é fundamental.