15 mai, 2019 - 06:15 • Graça Franco , Sandra Afonso
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Em reposta a críticas recentes de Cavaco e Marcelo, Mário Centeno lamenta que em Portugal não se valorize “desempenho económico absolutamente extraordinário” do país. Em entrevista à Renascença, o ministro defende o recurso às cativações e avisa que, no caso do SIRESP, o direito das populações à segurança está acima dos interesses dos acionistas
A Polícia Judiciária fez, esta terça-feira, buscas na autoridade tributária por corrupção. Por quanto é que o Estado pode ter sido lesado?
Não sei se as buscas vão levar à identificação de algum crime. O que para mim é importante, enquanto ministro das Finanças, é o facto de estarmos atentos com uma administração atenta. Houve uma denuncia, comunicou-se ao Ministério Público. A ação está a correr. Não sei mais do que isso. Parece-me muito positivo até para podermos sair de uma ladainha de autocomiseração sobre a administração pública: quando faz é porque faz e, se não faz, é porque não viu acontecer. Não é isso que devemos passar de mensagem: os recursos para a autoridade tributária executar a sua função importantíssima para o funcionamento da economia a para a sua regulação quer para o Ministério Público estão disponíveis e é bom que eles façam o que se espera deles. Claro que o combate à corrupção é uma matéria primordial quase de carácter civilizacional, não podemos viver com esse tipo de fenómenos.
Não vai também negar o recurso às cativações?
Não. Mas não fui o ministro das Finanças que inventou as cativações.
Mas fez imensas.
Não se me comparar com outros. As cativações são de facto a forma como o Ministério das Finanças pode conduzir um veículo evitando que ganhe velocidade a mais vá para além do que pode fazer em termos de despesa. É um travão que permite evitar ir depois ao Parlamento pedir mais dinheiro. É um pouco vergonhoso que quem conduz as contas públicas não tenha os instrumentos à disposição para não estar recorrente e sistematicamente a ir ao Parlamento pedir mais dinheiro. Foi isso que nos levou à crise não tenhamos dúvidas nenhumas.
É também um bocadinho mais fácil.
Se fosse um bocadinho fácil teria já acontecido antes. Não é um bocadinho fácil. Dá muito trabalho e é preciso ser muito rigoroso na afetação do dinheiro aos fins. Porque o dinheiro dos contribuintes não está só à ordem do ministro das Finanças. Ele o que faz é só tentar juntar, em conjunto com todo o Governo (e é um trabalho absolutamente coletivo, impossível de fazer se o governo todo não tivesse alinhado no mesmo objetivo). António Costa disse-o muito claramente quando saímos do procedimento por défices excessivos: não podemos voltar atrás. E o que é voltar atrás? O atrás é gastar mais do que se tem; é ir ao Parlamento pedir mais. Isso não é a imagem que Portugal quer de si próprio. As cativações foram uma percentagem muito reduzida da despesa total, mas tiveram a dimensão essencial para não gastarmos aquilo que não temos.
É por isso que os outros ministros podem sentir que dependem muito do ministro das Finanças?
Quem já trabalhou em organizações e todos nós já tivemos contacto com elas sabe que a dimensão financeira das organizações é absolutamente crucial, sobretudo depois de uma crise como não existia há 80 anos. Se tenho a certeza de alguma coisa é a de que os portugueses percebem isso. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso.
Também percebem que Mário Nogueira diga que não estava a negociar com o ministro da Educação mas consigo no caso da contagem de tempo de serviço dos professores.
Mas o ministro da Educação e das Finanças desse ponto de vista são só um. Nenhum pode prometer o que não tem.
Então são mesmo todos Centeno?
Somos todos Governo.
Em relação ao SIRESP, segunda-feira o primeiro-ministro disse estar por horas uma solução mas os acionistas contactados pelos jornalistas desconhecem qualquer acordo. Como é que ficamos?
Já me conhecem há tempo suficiente para saber que não vou dizer nenhuma palavra sobre negociações em curso e como sabem já estive envolvido em negociações que reputo das mais importantes para o futuro do país (no sistema financeiro, na CGD...), e esta, não tem essa dimensão da CGD, mas tem a mesma importância. O primeiro-ministro disse segunda-feira tudo o que havia para dizer sobre este assunto. É uma negociação em curso. Detalhes da minha parte não ouvirão nenhuns. Nós temos a maior urgência em concluir esta negociação, porque percebemos os interesses da parte privada e da parte pública e o que está em cima da mesa é uma aquisição de uma participação acionista. Este é o objetivo.
Significa que se os 33% que já são do estado custaram 3,6 milhões o restante (até aos 51%) custarão quanto?
Custarão o que valer a empresa. Não há da nossa parte nenhum interesse em retirar valor à empresa. O que nós pretendemos é que o processo de segurança associado ao SIRESP decorra nas melhores condições para a segurança do país, num cenário que se tornou crescentemente difícil do ponto de vista climático e de exposição aos riscos a que o país infelizmente, há dois anos conheceu, e que até aí nunca tinham acontecido.
A nacionalização é uma hipótese?
Estamos numa negociação para aquisição de participações acionistas. É esse o objetivo.
Se falhar esse objetivo?
O que não queremos que falhe é a preservação da segurança. Tenho a certeza que todos os acionistas do Siresp, até por motivos reputacionais, estão seguramente alinhados nesse objetivo também.
Em relação a Joe Berardo, o que espera que a CGD consiga recuperar?
Como ministro das Finanças, quero que a Caixa Geral de Depósitos cumpra o mandato que eu lhe dei, que foi bastante claro sobre a gestão da CGD e a valorização do património. Todos queremos, acho, para além de mim que sou ministro das Finanças, que a perda que está infligida em termos contabilísticos e financeiros, aos bancos, em particular à CGD possa ser recuperada. Espero que sejam ativados todos os mecanismos legais que o permitam.
O resto, em relação à atitude do sr. Joe Berardo, o sr. primeiro-ministro foi muito claro sobre a avaliação que fazemos e pensamos que a elevação … As empresas e os indivíduos não existem fora do quadro de importância que tem para a sociedade portuguesa. Há um momento em que todos temos que crescer para essa responsabilidade.
Aqui na Renascença, Cavaco Silva disse que a questão era saber porque é que estamos a crescer mais que os países de Leste? Marcelo Rebelo de Sousa repetiu exatamente a mesma expressão.
Mas eu sei exatamente. Portugal está a ter um desempenho económico absolutamente extraordinário no contexto financeiro em que Portugal se encontra. Esses países têm níveis de dívida muito inferiores aos portugueses, esses países não estão num processo de desendividamento (Estado, famílias e empresas) comparável ao português, não tem nenhuma comparação. Crescer e reduzir o endividamento é um exercício de enorme dificuldade, mesmo enorme, se tivesse um marcador sublinhava este meu tom de voz claramente.
É muito injusto para a economia portuguesa, para os sectores produtivos em Portugal, que estão a fazer um esforço gigantesco de redução do endividamento e ao mesmo tempo permitir a convergência pela primeira vez desde que o euro existe. Portugal converge com a UE pela primeira vez dois anos consecutivos, 2017 e 2018, em 2019 vamos, todos os dados parecem indicar, continuar nesse processo de convergência. Portugal tem taxas de investimento com crescimento maior do que estes países, está a reduzir mais o desemprego, está a aumentar mais o emprego. Enquanto economista, acho sinceramente muito injusto que não se perceba isto. Enquanto ministro das Finanças, o que posso dizer é que o sector privado em Portugal é o grande motor da economia.
Então quando é que isto vai parar?
Não tenhamos dúvidas e não fiquemos agora a olhar como se tivéssemos à beira da estrada a ver os carros passar. Portugal, nem os portugueses, estão a fazer isso! É um erro muito grande. Somos uma economia muito dinâmica, o emprego cresceu quase 10 por cento desde 2016, o desemprego caiu para metade, o nosso endividamento caiu quase 50 pontos percentuais do PIB nos últimos quatro anos. Isto é um desempenho que a nível internacional é absolutamente notável. É por isso que o Financial Times escreve o que escreve sobre a economia portuguesa, é por isso que o FMI tem escrito o que tem sobre a economia portuguesa. É um processo de crescimento que não deixa de ter custos, porque temos que cumprir um plano, e esse plano está muito associado ao desendividamento, e se controlarmos para esse efeito o desempenho da economia portuguesa é absolutamente extraordinário. Acho lamentável e injusto que não se reconheça isso ao esforço que os portugueses estão a fazer, é um caso muito raro no mundo um país a crescer como Portugal com a necessidade e a materialização da redução do endividamento como nós tivemos.
Impostos europeus, o que é que aceita?
O Ministro das Finanças não gosta muito de impostos, europeus ou portugueses!! (sorrisos) Nós temos impostos onde é preciso coordenação para taxar algumas atividades, como aquelas ligadas à economia digital ou ao sector financeiro, a atuação de um país isolado, em particular da dimensão de Portugal, num mercado como este, é totalmente contraproducente.
Mas em conjunto é aceitável.
É aceitável. E faz talvez sentido, se considerarmos que é importante taxarmos os grandes gigantes digitais e financeiros, que, sendo esta dimensão da fiscalidade necessariamente discutida no âmbito europeu, estas receitas, podemos chamar-lhes impostos europeus, também sejam afetas a finalidades europeias. Sejam elas a do Orçamento do euro, que estamos agora a discutir no Eurogrupo, sejam elas questões de defesa europeia ou de segurança interna. Acho que temos de começar a pensar um pouco fora de uma caixa, em que todos parecemos muito bonitos, e gostamos muito de nos colocar, seja de azul, laranja ou de uma cor qualquer, mas depois quando abrimos essa caixa não fica lá grande coisa dentro.
Aceita uma quebra dos fundos de coesão de 7%?
Não! Nós estamos a negociar, enquanto país, isso. Acho que o trabalho que o governo fez foi muito sério, numa situação difícil de negociação na Europa. Todos já perceberam que, do ponto de vista nominal, nós não vamos perder, antes pelo contrário, vamos ganhar. É preciso continuar a lutar até ao fim. A lutar com argumentos, mostrando as especificidades e a necessidade que Portugal tem de continuar a beneficiar para convergir dessa política.
Perguntas rápidas para respostas curtas. Os banqueiros defenderam na última semana que as operações no multibanco devem ser pagas. Concorda?
Não, não concordo. Aliás, é ilegal.
Acha que António Costa daria um bom presidente do Conselho Europeu?
António Costa é um político excecional e qualquer lugar que um político excecional possa ocupar será bem desempenhado pelo dr. António Costa. Mas não creio que estará no seu horizonte.
Marta Temido quando está muito irritada diz que ouve o hino da CGTP. O que ouve?
Ouço-me a mim próprio para tentar que ninguém tenha de aturar as minhas irritações.
Tem conta nas redes sociais? Pelo menos no Twitter existe uma com o seu nome, é o sr ministro que escreve?
Não escrevo, mas obviamente esse meio de comunicação, que é usado com muita parcimónia, é usado com o meu conhecimento.
Já foi vítima de 'fake news'?
Já, acho que todos já fomos. Enfim, é uma infelicidade da voragem e da simplicidade com que se colocam notícias hoje em dia. Temos que saber controlar.
O que é que nós não lhe perguntámos e gostava de responder?
Perguntaram muita coisa. Gostava de transmitir esta ideia de tranquilidade, com que temos gerido a economia e as finanças do país, que essa tranquilidade possa passar para todas as pessoas, porque é daí que vem o clima de confiança.
Porque é que não lhe chama austeridade?
Porque não é austeridade. Austeridade é quando nós implementamos políticas que aceleram a deterioração do ciclo económico. Nós não estamos num período em que claramente isso esteja a acontecer. Nós estamos a implementar medidas de estabilização do sistema financeiro, das contas públicas, e a pergunta era essa: se eu me tinha sentido ao longo, por exemplo desta última semana, se ressurgiram alguns fantasmas sobre a responsabilidade financeira se eu me tinha sentido alguma vez intranquilo. A minha resposta é claramente não. Porque o que estava em cima da mesa era pedir aos portugueses para se pronunciarem sobre um determinado conjunto de medidas que claramente iria causar uma perturbação orçamental e na credibilização do país e eu tenho a certeza qual era a resposta que os portugueses iriam dar e, portanto, estava absolutamente tranquilo.
Mesmo assim ameaçou com a demissão.
Mas é que nós não podemos implementar medidas que não sufragámos com os portugueses, porque isso é voltar a um passado, que, pelo menos enquanto eu estiver nesta posição, não vai voltar a acontecer.