15 mai, 2019 - 06:10 • Graça Franco , Sandra Afonso
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António Costa já disse que diminuir impostos não é uma prioridade na próxima legislatura, mas Mário Centeno acredita que haverá margem para continuar a reduzir “legislativamente” os impostos e até está no Programa de estabilidade uma previsão de redução dos impostos diretos. O próximo Governo também deve rever os benefícios fiscais.
“Nós temos muitos benefícios fiscais”, diz o ministro numa entrevista à Renascença em que também comenta a prestação parlamentar de Joe Berardo, avisa que é contra taxas nas operações multibanco e diz que, na questão da contagem de tempo dos professores, os ministros das Finanças e da Educação “foram um só”.
O Instituto Nacional de Estatística divulgou, esta semana, o indicador da carga fiscal para 2018 onde se verifica que atingiu o máximo dos últimos 24 anos. Quando é que ela vai descer?
É um tópico que tem gerado muito debate, mas resolve-se de forma fácil e numa linguagem que todos percebem. Os impostos, que todos pagamos, podem crescer ou diminuir, por duas vias essenciais: ou por decisões legislativas (os governos aumentam ou baixam taxas de impostos) ou pelo funcionamento da economia, que é na verdade a origem de toda a receita fiscal. O que tem acontecido nesta legislatura e o Banco de Portugal foi muito claro numa publicação que fez na semana passada e que o INE ontem retomou na mesma dimensão, é que por via legislativa (ou seja, por decisões do Governo...) os impostos desde 2016 têm caído. A queda acumulada está em 0,5% do PIB, a economia, pelo contrário, tem estado muito forte e o mercado de trabalho com um comportamento muito forte desde 2016. Ora, isso justifica um crescimento da receita fiscal acima da evolução do PIB muito significativa. Ou seja, a carga fiscal por via das alterações legislativas do Governo tem caído e a economia tem-na feito subir. Quando juntamos as duas dimensões vimos o aumento da receita estrutural no PIB. Isto é, a economia, o seu efeito, tem dominado o efeito de redução de impostos pela via legislativa...a resposta é muito simples.
É verdade. Mas sempre foi assim. A vida é assim. Para qualquer Governo o indicador da carga fiscal (sempre calculado da mesma maneira) umas vezes sobe e outras desce, e às vezes é por efeito da economia, outras pela ação governativa...
Se coloca a questão de um ponto de vista mais temporal, então podemos usar os mesmos dados do Banco de Portugal e do INE, porque na verdade são os mesmos para a legislatura anterior e o que vamos constatar é que, mesmo depois do "colossal” aumento de impostos de 2012/2013, se somarmos estas duas dimensões legislativa e da economia em 2014/2015 nós vemos que por efeito das decisões legislativas do Governo os impostos subiram 0,7 pp do PIB e a economia, porque estávamos na fase inicial da recuperação em 2015, a economia gerou uma redução da receita estrutural. São os dados do Banco de Portugal quando estas duas dimensões são separadas. Ou seja, a avaliação da carga fiscal não é sempre assim feita, como estava a fazer [refere-se ao indicador usual do INE versus o da sua preferência e que é o da carga fiscal estrutural que o BP divulgou inopinadamente há alguns dias, não sendo usual fazê-lo, pelo menos até aqui...
Diga-nos, sinceramente, quer enquanto economista e mesmo enquanto diretor do departamento de estudos do Banco de Portugal recorreu a esse indicador da " carga fiscal estrutural"?
Faz bem a pergunta. Eu não quero fazer uma grande resenha histórica, porque temos mais temas e não temos tempo, mas um dos meus primeiros trabalhos enquanto economista no Banco de Portugal foi em 1994, fazer o primeiro estudo que separava a receita estrutural da componente cíclica da economia em Portugal. É um estudo publicado no Banco de Portugal...
Está explicado.
Sempre fiz na minha vida académica essa separação. Tenho um álibi perfeito nesse aspeto.
Para nos perceberem lá em casa: digamos que o bolo cresce (a economia). Mas, a fatia do bolo (a parte entregue ao Estado em impostos) cresceu ainda mais. A questão está em saber quando é que a fatia diminui? Quer com o bolo a crescer ou a diminuir, por efeito das tais medidas legislativas?
Está a acontecer desde 2016. Descemos o IVA da restauração, descemos o IVA da cultura, das ostras, descemos já 20 taxas de IVA parcelares. Foram dezenas de medidas de redução que não importa agora estar aqui a discriminar... Depois houve o alívio no IRS e o que significou também de alívio, para as empresas, as alterações ao PEC. Houve já inúmeras medidas na legislatura a promover a redução dos impostos pagos. Hoje é muito importante situar-nos nisto: por cada euro de salários que cada português recebe paga exatamente o mesmo que já pagava para a Segurança Social e paga menos mil milhões de euros (no conjunto das remunerações de trabalho) de IRS. Ou seja, para o rendimento que os portugueses têm hoje pagam menos impostos. Acontece é que tem muito mais rendimento do que tinham antes.
Até ao primeiro trimestre deste ano e face ao primeiro trimestre de 2016 o emprego cresceu 370 mil postos de trabalho. São mais 9% de emprego do que tínhamos em 2016. Os salários médios cresceram entre quatro e cinco por cento neste período e as duas forças conjugadas, fazem com que as contribuições para a Segurança Social cresçam bastante mais do que o PIB. Isso é bom porque é a melhor maneira de crescer (através do emprego) e temos de entender como é que isto tudo se traduz no indicador que utilizamos para medir a carga fiscal.
E tem esse cálculo para cada euro que se gasta? Em cada euro que se recebe pagamos menos, mas em cada euro gasto...
Nós temos equilibrado as contas públicas. 2019 é o primeiro ano em que o OE não adiciona nenhum euro, antes pelo contrário, de carga para o futuro dos portugueses. Isto é uma mensagem importantíssima. Seguramente para as novas gerações e para quem investe no país. O cenário de estabilidade fiscal e de capacidade que temos de no futuro tomar decisões com mais espaço orçamental é hoje uma realidade muito mais clara do que antes. Nós hoje, por termos um orçamento basicamente equilibrado, consumimos na administração pública aquilo que cobramos. Não passamos nenhuma fatura para o futuro.
Ainda sobre impostos: em relação aos benefícios fiscais admite alterações?
Nós temos um trabalho que está em curso, cuja primeira versão já foi entregue. É um estudo de análise muito profunda, muito detalhada, eu não vou lançar mais dicas sobre ele, porque brevemente vai ser apresentado aos portugueses. Quando o encomendámos ao grupo de trabalho dissemos logo que era para a próxima legislatura. Para a sociedade como um todo e o próximo governo pensar sobre ele. Nós temos muitos benefícios fiscais...
A ideia é cortar nesses benefícios?
Eu diria, como economista, que o objetivo é maximizar o impacto de cada euro gasto na despesa fiscal (é assim que se chama). Não é poupar dinheiro nem gastar mais, é gastar melhor. Aliás, é o que também temos feito do lado da despesa.... Temos implementado muitas medidas do que chamamos "revisão da despesa". É um exercício muito detalhado, muito de formiguinha, não é chegar a um sítio e cortar salários ou cortar despesa transversalmente, o que às vezes é mais difícil de visualizar... Mas nós poupamos milhões de euros na contratação de energia para o Estado, o ano passado. Implementámos um sistema de marcação de viagens, coisas tão simples como estas que carregavam um enorme peso de ineficiência e que o Estado tem obrigação de usar melhor.
Está a dizer-nos que os benefícios fiscais não vão descer mas serão distribuídos de outra maneira. É isso?
No programa de estabilidade já está prevista uma redução da despesa fiscal. É uma previsão de diminuição de 90 milhões de euros em dois anos. O que é uma pequena margem face ao montante total de benefícios que o país tem. A mensagem que se passa não é o dos 90 milhões, mas o da necessidade de repensar os benefícios fiscais no sentido de os tornar mais eficazes. Se verificarmos que já são, então serão para manter, mas sem querer antecipar do que já conheço dos benefícios fiscais penso que temos margens de melhoria e espero que venham a ser conseguidas.
Vai haver dinheiro para pagar as reformas nos próximos anos sem ter de se fazer aí nenhuma alteração?
A resposta curta é SIM. Nós temos reforçado a sustentabilidade da Segurança Social, por exemplo, através da consignação de receitas adicionais do IRC (à Segurança Social) que é a mais significativa. A reforma feita em 2006 e que ainda hoje está em implementação, ou seja, ainda não está totalmente implementada era muito avançada para o tempo e ainda hoje, na Europa, continua a ser apresentada como uma Lei de Bases da Segurança Social que promove a sua sustentabilidade.
O que falta implementar dessa reforma?
São faseamentos, por exemplo, sobre as fórmulas de constituição das pensões. Em 2017 houve uma nova fase dessa lei que redesenhou, de forma não muito significativa, mas redesenhou, a fórmula de cálculo da pensão. A mensagem é: temos de cuidar desse tema todos os dias. Ele está a ser cuidado. A resposta que tenho para dar hoje é que os nossos indicadores mostram que ela é sustentável a uma distância de 20 anos. Mas 20 anos é muito tempo e ao mesmo tempo pouco tempo, o que significa que todos os anos temos de fazer essa avaliação. Mas fazemo-la e todos os anos prestamos contas sobre ela. Temos de ser muito exigentes e, em particular, quer com o seu impacto financeiro quer com o que elas significam para a economia como um todo e para a nossa sociedade.
Em 2015 a confiança da economia portuguesa estava em queda. Tivemos de trabalhar para alterar esta tendência e costumo dizer que o fator que mais contribuiu para isso foi o que aconteceu em 2016: a estabilização do sistema financeiro, a recapitalização da CGD e a confiança que isto trouxe ao nosso sistema financeiro e também a quem poupa em Portugal.
Por falar em poupança está ao nível mais baixo de sempre (nas famílias)...
A poupança é muito difícil de medir estatisticamente. Eu não quero ser demasiado exigente com as autoridades estatísticas nacionais, mas seria cauteloso a analisar o valor que temos hoje de poupança. Há aí uma preocupação: a melhor maneira de aumentar a poupança é reduzir os impostos diretos. Porquê? Porque se reduzir os impostos diretos as pessoas são melhores a gerir as suas poupanças do que o Estado. O dinheiro fica do lado das famílias e elas decidem livremente como alocar os seus rendimentos...
Então porque é que não os reduz?
Nós temos reduzido. Disse-o já há pouco. O conjunto de rendimentos que os portugueses detêm hoje pagaria, em 2015, mais mil milhões de euros em IRS. Mil milhões de euros de imposto a menos é bastante dinheiro. E há uma previsão no programa de estabilidade nesse sentido em que antecipamos que o próximo Governo possa continuar esta senda de redução dos impostos diretos em Portugal.
Os portugueses continuam a achar pouco...
A minha ambição não é menor que a sua. Mas deixe-me agarrar esta deixa que é o facto de em 2016 Portugal ter cumprido o objetivo orçamental que se propunha atingir. E eu assisti ao antes e depois e verifiquei que quando Portugal começou a cumprir ...quer internamente quer externamente, o valor conquistado foi incalculável.
Falou do IRS e da sobretaxa. Ainda estamos a pagar os aumentos da crise. Na sobretaxa tinha no programa eliminar em 2017, fê-lo mais tarde.
Em termos de decisão não. Desde dezembro de 2017 não é cobrado nenhum euro de sobretaxa. Em todos os pagamentos feitos, de rendimentos, havia sempre uma linha que ainda dizia sobretaxa, mas, depois, seguia-se um abatimento correspondente.
Pelo menos até aos 1500 euros. No final mais elevados (neste nosso processo de eliminação gradual da sobretaxa) .Mas o que nós ainda vemos nas estatísticas é que em 2018 no acerto de contas sobre os rendimentos de 2017 (espero que isto não seja muito técnico!) foram pagos 144 milhões de euros de sobretaxa que não tinham sido sujeitas a retenção. Mas, na verdade, desde Dezembro de 2017 não há nenhuns pagamentos de sobretaxa através do processo normal de retenção. Foi um processo gradual, cumprimos todos os prazos que tínhamos previsto para a sua eliminação, antecipamos para 2018 uma medida de redução de impostos para os rendimentos mais baixos, alteramos os escalões, aumentamos o mínimo de existência (com redução de impostos muito significativa para os portugueses com rendimentos mais baixos). Foi uma medida claríssima que custou no conjunto 380 milhões de euros. Este ano continuamos a beneficiar em 150 milhões de euros dessa medida...
Mas não conseguiu descer a carga fiscal...
Na dimensão legislativa que é a que aqui interessa ( senão vamos ter aqui um debate!). Na dimensão legislativa a carga fiscal foi reduzida. É o que diz o BP e o INE que também o explica.
E vai-se reduzir mais nos próximos quatro anos segundo o programa do PS?
O programa do PS ainda não foi divulgado e não tenho legitimidade para o avançar ...nem na parte financeira. Até porque não está definido. O programa de Estabilidade já avançava essa dimensão, ou seja, dizia que havia capacidade para continuar a reduzir do ponto de vista "legislativo" a carga fiscal. Eu espero sinceramente que o emprego continue a subir como subiu nos últimos anos, que os salários continuem a subir como subiram nos últimos anos, para que os portugueses tenham mais rendimento. E por causa desse rendimento continuem a pagar impostos. A ação do Governo deverá ser no sentido de continuar a reduzir legislativamente os impostos.
A sua margem de manobra para esta ano aumentou em qualquer coisa como 600 milhões até agora (é o caso do dinheiro do BPP que passou de 2018 para este ano, as receitas fiscais acima do previsto, os dividendos do BP superiores ao estimado etc...). Vai usá-los para mais investimento?
Nós temos aumentado o esforço orçamental do investimento em todos os anos da legislatura. Face à legislatura anterior aumentamos a contribuição do Estado para o investimento em 37 por cento.
Esses 37 por cento face a um valor tão baixo são quase nada...
Significam uma alteração muito significativa na tendência e evolução do Investimento público. O investimento público é algo essencial no desenvolvimento de todos os países, mas nós já há pouco tempo tivemos uma noção clara do que é colocar o país a uma velocidade, que não é sustentável. Temos de ter muito clara e presente nas nossas decisões as questões de sustentabilidade. O que não é possível continuar a dizer face a esta legislatura é que o Orçamento do Estado não contribuiu positivamente para o aumento do investimento. Porque 37% é um enorme aumento do investimento.
Quero chamar a atenção para o facto de que, se nós tivéssemos mantido o mesmo esforço de investimento da anterior legislatura através do Orçamento de Estado, teríamos tido um défice orçamental melhor em 0,5 pontos percentuais do PIB, em cada um dos anos desta legislatura, ou seja também não é verdade que o investimento tenha sido usado como variável de contenção e consolidação orçamental.
Vamos deixar o Dr. Passos Coelho em paz. Na sua legislatura a verdade é que com dados do INE e em percentagem do PIB era antes da crise o Investimento era 21,1 por cento e agora mesmo com 37 por cento de aumento ainda vai em 17 por cento do PIB.
Está a falar do investimento total (com investimento privado também!).
Sim da FBCF . Só que dito assim ninguém percebe.
Mas tem de se perceber que o investimento do Estado é uma parte muito pequena do investimento total.
E isso significa?
Que a economia portuguesa funciona como todas as outras. O investimento privado é o motor mais importante da economia. A verdade é que antes da crise tivemos investimento que todos os economistas consideram agora não ser sustentáveis: em sectores não transacionáveis, cuja realidade se provou não ser a mais indicada... Estamos a falar no sector privado. Estamos mesmo a debater no setor financeiro os efeitos dos investimentos financiados e que se declararam mesmo não ser produtivos, nos balanços dos bancos. Isto com custos que hoje são evidentes em toda a economia portuguesa. Eu tenho dito que essa é a grande perda associada a todas estas injeções de capital que tem vindo a ser feitas na banca portuguesa (porque antes não tinham sido feitas...) mas que permitiram estabilizar financeiramente o país. O investimento não é uma panaceia do lado da despesa, precisa de ser sustentável, ter retorno e ser muito bem preparado. Nós temos vindo a executar uma percentagem do investimento que planeamos muito superior à que era executada no passado (já não falo sequer da última legislatura). Historicamente conseguimos taxas de execução do investimento, sem derrapagens, das mais elevadas de sempre. Ao contrário do que se tem dito e volto a dizer que caímos muito facilmente em armadilhas numéricas. Nós temos feito um enorme esforço orçamental em investimento e com taxas de execução que são as maiores dos últimos anos.