17 jun, 2019 - 17:39 • Eunice Lourenço
É com algum desencanto e até acrimónia contra o espaço político em que durante muito tempo se situou – o centro-direita – que Diogo Freitas do Amaral escreve os últimos capítulos das duas memórias políticas. O fundador e ex-líder do CDS queixa-se de ter sido ostracizado depois de ter integrado o Governo de José Sócrates e considera que a direita portuguesa nunca aceitou essa sua decisão, nem lhe perdoou.
“A direita portuguesa não aceitou. Ela achava que eu passara a ser propriedade sua e só podia fazer o que fosse do seu agrado. A minha liberdade política, que incluía aliar-me com quem quisesse devia ter ficado limitada pela propriedade política que a direita se arrogava sobre mim, Aliás, a direita costumar dar mais importância à propriedade do que à liberdade”, escreve Freitas no livro “Mais 35 anos de Democracia, um percurso singular.
O livro, o terceiro em que percorre as suas memórias políticas, abrange os anos de 1982 a 2017. Inclui, naturalmente, a sua candidatura presidencial, em que acaba derrotado por Mário Soares, em 1986. E é daí, da votação que então teve e que uniu a direita e o centro direita que viria esse direito de propriedade que considera que a direita sentia sobre si.
Contudo, Freitas passada uma década foi para Nova Iorque presidir à Assembleia Geral das Nações Unidas e confessa que regressou dos Estados Unidos “mais próximo do PS do que do PSD”.
Tão próximo que aceitou, em 2005, ser ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro governo liderado por José Sócrates. “Tenho de reconhecer que paguei um preço demasiado alto por ter aceitado ser ministro (independente) de um governo do PS”, escreve Freitas no livro que chegou às livrarias no dia 14, mas só terá lançamento oficial no fim do mês, com apresentação de Leonor Beleza e presença anunciada do Presidente da República.
O que o aproximou do PS mais do que do PSD foi este último partido se ter tornado “neoliberal” e hoje acredita que a democracia-cristã é melhor representada pela esquerda. Mas pelo caminho perdeu amigos e apoios.
“Foi com a direita zangada comigo e com Sócrates desiludido por eu ter saído do seu governo pelo meu pé que terminou, no Verão de 2006 – apenas por razões de saúde, a minha carreira de homem público. Apesar de múltiplos serviços prestado ao país durante mais de três décadas, fiquei sozinho. Nunca mais fui convidado, seriamente, para qualquer cargo público ou privado, de 2006 até hoje. Puro ostracismo”, lamenta o fundador do CDS, que hoje não se revê no partido que fundou e dirigiu.
“Uma coisa eu ganhei para com certeza e para sempre: foi a noção de que os ideais democrata-cristãos, inspirados na palavra de Cristo revelada pelos Evangelhos e seguida pelas encíclicas papais de carater social, estão hoje em dia mais representados, tanto na Europa como nos Estados Unidos, pelo centro-esquerda do que pelo centro-direita”, lê-se no capitulo deste livro dedicado à sua participação no governo socialista de onde saiu passado um ano, justificando a saída com os problemas de coluna.
Elogios a Sócrates
Quanto à governação de José Sócrates, Freitas do Amaral divide-a em dois períodos. A primeira fase considera ter sido de 2005 a 2008 e “caracterizou-se pela moderação ideológica; por uma série de inovações muito acertadas em matéria de justiça social; pela coragem de enfrentar as reivindicações excessivas de corporações públicas e sindicados; e, sobretudo, por uma correta política económica e financeira”, defende o ex-ministro.
“A segunda fase, que designo por Sócrates II, foi aquela em que, de 2009 a 2011, o mesmo primeiro-ministro desfez muito do que tinha conseguido fazer antes, negou a realidade de uma séria crise económica e financeira portuguesa (…), além de ter radicalizado o discurso e a legislação da autoria do PS, que virou demasiado à esquerda, perdendo muitos votos que tinha recebido do centro e da direita, entre eles o meu”, escreve o ex-ministro.
Umas páginas mais à frente, conclui: “No plano da política económica e financeira, a primeira fase foi francamente boa, mas a segunda não pode deixar de ser considerada como francamente má”.
Freitas, que recentemente escreveu um artigo de opinião em defesa de José Sócrates, considera que “a rápida caminhada par ao precipício estava à vista de todos” e “só José Sócrates, confiando demais na sua boa estrela, acreditava num milagre… mas este nunca acontece”.
Ainda assim, considera que há atenuantes para os “muitos erros” cometidos em 2009. E entre as atenuantes está a necessidade ter medidas próprias para enfrentar os três atos eleitorais desse ano.