03 jul, 2019 - 12:30 • Joana Azevedo Viana , em Estrasburgo
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O eurodeputado social-democrata Álvaro Amaro considera “absolutamente compatível” começar a desempenhar as funções de eurodeputado e continuar a colaborar com a Justiça no âmbito da operação ‘Rota Final’, onde foi constituído arguido.
Passavam duas semanas desde a sua eleição para o Parlamento Europeu, nas eleições nas europeias de maio, quando Álvaro Amaro, quinto na lista do PSD, foi constituído arguido por suspeitas de corrupção.
Esta quarta-feira, em declarações aos jornalistas em Estrasburgo, antes da sessão inaugural do Parlamento Europeu, e dois dias depois da sua primeira audiência judicial no tribunal de Viseu, Amaro garantiu aos jornalistas que assume o cargo “em consciência” e repetiu uma máxima prévia: “Jamais me refugiarei atrás do estatuto de qualquer tipo de imunidade.” Mas como funciona o estatuto em causa?
Em junho, o ex-autarca da Guarda já garantira que está disponível para abdicar da imunidade parlamentar, mas não é a ele que cabe essa decisão. Como descrito nos estatutos da UE, cabe às autoridades nacionais, no caso as portuguesas, pedir a retirada de imunidade a determinado eurodeputado no âmbito de investigações judiciais.
Ao que se sabe, tal ainda não aconteceu no que toca a Álvaro Amaro. E caso aconteça, será aberto um processo em três passos. Ao pedido oficial de levantamento de imunidade segue-se uma análise do caso, a cargo da comissão parlamentar de assuntos jurídicos (JURI), que pode decidir ou não ouvir testemunhas e cujo relator pode ou não ouvir o visado numa audiência à porta fechada. O objetivo primeiro e último é perceber se há motivações políticas no processo e perceber até que ponto a Justiça nacional está a desempenhar o seu papel de forma justa e equilibrada.
Finda essa fase, a JURI apresenta o relatório com as suas conclusões aos deputados europeus, abrindo caminho a uma votação por maioria simples. E apesar do peso político das famílias partidárias no PE na hora de tomar este ou outro tipo de decisões, fontes garantem à Renascença que, neste contexto, “a decisão [em plenário] é mais jurídica que política”.
“A comissão JURI tem uma doutrina de longa data sem cores partidárias e é muito raro os eurodeputados votarem em casos destes contra a recomendação apresentada”, aponta fonte da JURI.
De homicídio a rebelião - há sete eurodeputados indiciados de crimes
Com o arranque da nona legislatura do Parlamento Europeu, esta semana, eis alguns casos de eurodeputados que estão indiciados pelos mais variados crimes e que, nesse contexto, podem vir a perder a imunidade.
1. Yannis Lagos, eleito pelo Aurora Dourada (extrema-direita) - Grécia
De acordo com a procuradoria no julgamento em curso contra vários membros do movimento neonazi, Lagos - que é líder do núcleo do partido na região de Piréus - desempenhou um papel preponderante em todos os casos sob investigação: quer no homicídio do rapper antifascista Pavlos Fyssas, mais conhecido como Killah P., morto à facada aos 34 anos, em 2013; quer noutros dois ataques mortais, um contra um grupo de unionistas PAME, outro contra um grupo de pescadores egípcios — os três tiveram lugar na região pela qual Yannis foi eleito.
Alguma imprensa grega viu na sua nomeação para as eleições europeias uma estratégia do Aurora Dourada para reforçar a narrativa de que houve elementos do partido a agirem sozinhos sem interferência da hierarquia nos eventos em questão.
Lagos e o atual líder do Aurora Dourada, Nikos Michaloliakos, foram libertados em 2015 depois de terem passado 18 meses em prisão preventiva, o máximo previsto na lei grega. Foram detidos em 2013 sob acusações de gestão de rede criminosa, pelo alegado envolvimento no homicídio de Killah P. e por outros crimes. Estão proibidos de sair da Grécia, pelo que o assento de Lagos no Parlamento Europeu está e continuará vago, ainda que o Governo grego, ao contrário do espanhol, não o tenha impedido de tomar posse. As alternativas são Lagos obter autorização especial das autoridades nacionais para ocupar o seu lugar no órgão legislativo da UE ou o Executivo em Atenas propor outro nome para ocupar esse assento.
2. Nils Usakovs, eleito pelo Harmonia (centro-direita) - Letónia
O ex-presidente da Câmara de Riga, a capital da Letónia, foi suspenso do cargo que ocupou durante quase 10 anos na sequência de suspeitas de que terá facilitado o uso indevido de fundos camarários por vários membros da sua autarquia, através de contratos fictícios, despesas pessoais, contrafação de documentos e uso dos mesmos.
Na segunda-feira, um dia antes de tomar posse como eurodeputado, o gabinete letão de prevenção e combate à corrupção nomeou-o suspeito na investigação criminal, relacionada com aquisições duvidosas pela Riga satiksme, a empresa municipal de transportes. O facto de ser considerado “suspeito” e não “testemunha” no processo não significa que tenha sido indiciado, embora aumente as probabilidades de o ser.
3. Álvaro Amaro, eleito pelo PSD - Portugal
Um dia antes de tomar posse como eurodeputado, o ex-autarca da Guarda foi obrigado a pagar uma caução de 40 mil euros para aguardar julgamento em liberdade.
Foi constituído arguido a 12 de junho no âmbito da operação “Rota Final”, conduzida nesse dia pela Polícia Judiciária e decorrente de uma investigação iniciada em 2017 pelo Ministério Público, tendo como alvos 18 autarquias do Norte e Centro do país e o grupo de transportes Transdev, cujas empresas terão facturado 28 milhões de euros em negócios fraudulentos com as câmaras municipais visadas. Amaro é tido, segundo fonte da PJ à Renascença, como “a figura central na ligação entre as várias partes sob investigação”.
Sobre ele e os restantes arguidos pendem suspeitas da prática de corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder. Para além do pagamento da caução, o eurodeputado foi proibido pelo tribunal de Viseu de contactar com as outras quatro pessoas indiciadas no processo. Depois de tomar posse em Estrasburgo, onde vai integrar a Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (AGRI), garantiu aos jornalistas: “Jamais usarei o estatuto de imunidade parlamentar e estarei disponível para prestar todos os esclarecimentos.”
4. Carles Puigdemont, eleito pelo Partido Democrata Europeu Catalão; Toni Comín, eleito pela coligação Juntos pela Catalunha; e Oriol Junqueras, eleito pela Esquerda Republicana da Catalunha - Espanha
Acusados de rebelião, sedição e uso indevido de fundos por terem avançado com a consulta popular à independência da Catalunha no final de 2017, os primeiros dois estão exilados em Bruxelas e o terceiro está preso preventivamente há 19 meses.
Nenhum foi autorizado a tomar posse no Parlamento Europeu, havendo quem especule que os entraves impostos por Madrid terão como objetivo impedi-los que obtenham a imunidade parlamentar inerente ao cargo de deputado europeu.
Para poderem tomar posse, Puigdemont e Comín tinham de ter estado em Madrid para prestarem juramento no Congresso espanhol com os restantes políticos eleitos para representar o país no centro de decisões da UE. Pediram para o fazer in absentia, sabendo que o regresso a Espanha os poria atrás das grades juntamente com Junqueras. Madrid não deixou.
Nenhum foi ainda condenado por qualquer crime; os dois a viver em auto-exílio preferiram não correr o risco de se deslocar a França para o arranque da legislatura na terça-feira, por temerem ser deportados ao abrigo do pedido de extradição apresentado pelas autoridades espanholas.
5. Silvio Berlusconi, eleito pelo Força Itália
Aos 82 anos, o “sempre-em-pé” da política italiana, por três vezes primeiro-ministro e atração de holofotes desde a sua primeira eleição em 1994, volta a ocupar um cargo político pela primeira vez desde 2013, quando foi forçado a abdicar do seu assento no Senado italiano após ter sido declarado culpado do crime de fraude. No âmbito desse caso, foi condenado a prestar serviço público - acabou a tocar piano para doentes de Alzheimer numa casa de saúde.
Absolvido num punhado de casos, condenado num apenas, o mais velho eurodeputado desta legislatura - antigamente próximo dos eurocéticos, agora favorável à unidade europeia - é atualmente arguido em dois processos no seu país-natal: um por suspeitas de suborno de senadores para derrubarem o Governo de Romano Prodi em 2006, outro por alegada difamação de Antonio di Pietro, um ex-magistrado do Ministério Público.