10 jul, 2019 - 08:00 • João Pedro Barros
Veja também:
A descida dos impostos está na ordem do dia e, de acordo com os especialistas políticos e económicos ouvidos pela Renascença, o tema é tão inevitável em ambiente pré-eleitoral como a chuva no inverno. Será possível cumprir a promessa?
“É possível, desde que essa baixa seja compensada com aumento de outros ou dinâmica de crescimento da economia que leve a que não seja necessário fazer essa compensação”, avança João Duque, professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG).
“Há milhões de alternativas possíveis”, acrescenta o economista, mas "o diabo está nos detalhes" e, ainda mais, na conjuntura externa.
“A dependência económica portuguesa do exterior é tão grande e as condições muitas vezes impostas por Bruxelas são tão rigorosas que nenhum governo pode fazer essa promessa e ter a certeza que a vai cumprir”, analisa o politólogo António Costa Pinto. No debate do Estado da Nação, esta quarta-feira, o tema será certamente explorado entre as várias bancadas.
Que promessas são estas? Vale a pena fazer um breve resumo, porque os últimos dias foram pródigos em notícias. Na sexta-feira, Rui Rio apresentou um programa com bastante detalhe, prometendo descidas do IRS (nos escalões intermédios), IRC (de 21% para 17% em 2021), do IVA da luz e do gás e do IMI (a abolição do chamado “imposto Mortágua”, que taxa casas acima de 600 mil euros).
Em entrevista à Renascença, na segunda-feira, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que vai “prosseguir a trajetória de diminuição dos impostos sobre o trabalho” na próxima legislatura, tendo sido acusado nessa mesma noite, por Rui Rio, de imitação.
Por sua vez, o CDS pretende alterar os escalões de IRS para beneficiar as famílias com crianças a cargo e considera esta uma velha bandeira. "O CDS tem como prioridade número um a baixa de impostos, temos dito e repetido há muito tempo", frisou Assunção Cristas, no sábado.
“É natural que a oposição arrisque mais e faça mais promessas alternativas. Tendo em vista a boa conjuntura dos últimos anos, é normal que António Costa seja prudente, até porque a vantagem que tem nas intenções de voto dá-lhe alguma segurança de que será muito provavelmente Governo”, aponta António Costa Pinto.
Isto quer dizer que o Partido Socialista vai insistir mais na bandeira das contas certas, em detrimento de reduções em impostos? “Com certeza que o Governo socialista não deixará essa bandeira pré-eleitoral à oposição do centro-direita”, prevê o analista, que nota, no entanto, uma contradição: esta oferta pública de baixas de impostos ocorre “após semanas de debate sobre o Serviço Nacional de Saúde, em que aparentemente toda a oposição em coro apontava a melhoria dos serviços públicos, mais médicos e mais enfermeiros”. Ou seja, mais despesa.
O milagre económico é possível?
“A promessa de descida de impostos é constante, mas está sempre nos limites do eleitoralismo”, frisa António Costa Pinto. Neste período pós-troika, em que a expressão “contas certas” parece valer ouro, “os partidos são mais cuidados”: quer o programa do PSD quer o do PS, diz, serão “mais prudentes sobre este ponto de vista”. Mas isso não impede Rui Rio de anunciar a devolução de 3,7 mil milhões de euros à economia, sem descida da receita fiscal. Um milagre? “Isso não existe, é evidente, mas estamos apesar de tudo sob o efeito de um milagre, que são as taxas de juro tão reduzidas durante tanto tempo. Isso tem ajudado não só a economia portuguesa mas também as europeias, e é um contributo extraordinário para a baixa de despesas com os juros da dívida pública”, explica João Duque.
No âmbito do programa “Conversas Cruzadas”, Luís Aguiar-Conraria, professor de economia da Universidade do Minho, sublinha que a promessa de Rio é aligeirada com o uso da expressão “redução da carga fiscal”, contando por isso com um aumento de receitas decorrentes da maior atividade económica para acertar contas. Porém, o comentador vê um problema nessa tese: “Se as taxas de impostos de mantiverem, a tendência para a carga fiscal é subir, porque há uma série de impostos progressivos, que crescem mais do que a economia. Com isto, ele está a prometer uma baixa das taxas de imposto. É uma promessa temerária e arriscada”.
Por outro lado, António Costa Pinto considera que há um clarificar de opções políticas com o anúncio de Rui Rio, nomeadamente em relação à descida do IRC: as empresas não serão seguramente a prioridade de Bloco de Esquerda e PCP. E há ainda outra questão: será uma descida de impostos no IRS, possivelmente a sigla que mais se associa à palavra imposto, tão popular como parece?
“A mensagem da baixa de impostos agrada fundamentalmente à classe média e média-alta. É essa que fundamentalmente paga impostos sobre o fator trabalho, mas isso diz pouco a outros setores que pensam na melhoria dos serviços públicos. Um eleitor reformado do CDS e do PCP provavelmente pede, da mesma forma, mais ao SNS do que ele efetivamente pode dar”, nota o politólogo.
João Taborda da Gama, professor universitário e especialista em direito fiscal, falou esta terça-feira de um autêntico leilão de baixa de impostos, no espaço de debate do programa “As Três da Manhã”. “Vamos ter um excedente orçamental. E, perante isso, é muito difícil não explicar à opinião pública o que se vai fazer com o excedente e que, num segundo momento, isso não seja uma descida de impostos”, declarou.
Será possível uma quadratura do círculo, ou seja, uma combinação de baixa de impostos, crescimento da economia e redução do défice e da dívida pública? À exceção da dívida pública, que BE e PCP não veem como essencial, todos os outros objetivos são unânimes. Os partidos terão agora de explicar como lá se chega, no debate desta quarta-feira do Estado da nação e, depois, em campanha eleitoral para as legislativas de 6 de outubro.