11 jul, 2019 - 00:34 • Eunice Lourenço (Renascença) e Alexandra Campos (Público)
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É preciso “reerguer” o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que tem vindo a ser alvo de uma campanha diz a ministra da Saúde. Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e jornal “Público”, Marta Temido admite que não dorme “descansada” porque os portugueses “esperam demais pelo acesso ao SNS”. Mas não se queixa do ministro das Finanças, Mário Centeno. Pelo contrário, até diz que já a tem ajudado a dormir melhor.
Todos os dias temos notícias da falta de condições de atendimento nos hospitais públicos. A que é que atribui tantos problemas? O sistema está a entrar em colapso ou há uma campanha contra o Governo?
Não há uma campanha contra o Governo, há uma campanha contra o Serviço Nacional de Saúde, claramente. Sejamos objetivos: há problemas no SNS. Mas então nunca há problemas de escalas que não são respeitadas, ou de condições hoteleiras que não funcionam no setor social, no setor privado?
E vai desistir ou não de ter uma nova lei de bases? Parece estar difícil, ainda tem esperança?
Como se diz na gíria futebolística, embora não seja muito versada na área, às vezes é preciso saber sofrer. Penso que se há arte que os ministros da Saúde desenvolvem é a capacidade de saber sofrer. No meu caso concreto, esse saber-se sofrer é temperado com uma grande esperança de que tenhamos uma nova lei de bases da saúde aprovada nesta legislatura.
Tem-se discutido muito a questão das parcerias público-privadas (PPP), mas tanto os médicos como os administradores hospitalares dizem, no fundo, que a lei de bases não vai servir para nada, para resolver nada de concreto na vida das pessoas. Como é que lhes responde?
A minha formação de base é de jurista, é em Direito, portanto tenho uma fé limitada nas leis, tenho uma fé maior nos homens e nas mulheres. Acho que uma lei é um quadro. Um quadro que estabelece princípios, linhas de orientação, preferências... E esta proposta da lei de bases da saúde que temos em cima da mesa é clara quanto às nossas preferências. O resto é um caminho que se faz no dia a dia, de luta e de trabalho. Eu não acredito que uma lei de bases de um país como o nosso possa ser uma lei de bases fechada, tem que dar alguma amplitude a um executivo para fazer uma governação que seja adequada que são as suas opções.
Portanto, acha que não deve ser fechada. Daí posso depreender que acha que não deve acabar com as PPP.
Uma lei de bases, na minha perspetiva, não deve ser uma lei proibitiva. Isso é de facto, na minha perspetiva, um dogmatismo que não deve estar na lei. Em termos de política prática, se me pergunta se eu acho que devemos caminhar, ou não, pelo alargamento de PPP a resposta seria diferente. Acho que a lei não as deve proibir.
Então deveremos caminhar ou não para o alargamento das PPP?
Com a informação que temos em cima da mesa, esse é um caminho que tem a sua utilidade circunscrita. Portanto, no futuro, o que devemos fazer é o reforço do Serviço Nacional de Saúde e da gestão pública.
Portanto, acabar com as PPP ou deixar que elas acabem naturalmente.
Exatamente. Deixar a abertura na lei para que um executivo que queira fazer esse caminho, em casos excepcionais, supletivos, temporários, possa ter essa opção, e há casos em que isso possa ser necessário. Em termos de futuro acho que não devemos, uma vez mais, proibir. Mas atualmente temos ainda quatro PPP, vamos ter três daqui a um mês, e elas têm um determinado resultado em termos de avaliação e nós devemos seguir aquilo que é a indicação dessa avaliação. Agora, nós sabemos que o modelo de avaliação tem fragilidades.
O que preferia era uma lei que não proíba, mas uma ação governativa que vá terminando com as PPP.
O que preferia era uma lei que não proibisse e uma acção governativa que afirmasse e praticasse o reforço da gestão pública.
Há um ano o seu antecessor dizia que não bastava uma legislatura para fazer o que era preciso na Saúde, que eram precisas duas. Concorda?
Não sei quantas legislaturas são precisas para reerguer o SNS, porque o contexto é adverso de onde quer que olhemos para ele. Do ponto de vista dos desafios demográficos e epidemiológicos - a população mais envelhecida, mais doenças -, do ponto de vista da tecnologia e das reivindicações dos profissionais que também sofrem o efeito de tudo isto. E também do ponto de vista daquilo que é a apreciação pública dos serviços. Não podemos é confundir os casos negativos com aquilo que é o cenário geral.
Mas admite que é preciso reerguer o SNS?
Sem dúvida. Eu disse no início das minhas responsabilidades nesta pasta que não dormiria descansada enquanto os meninos do São João continuassem nos contentores. Hoje, durmo menos preocupada porque os meninos do São João já não dormem em contentores, porque até ao final deste mês será possível adjudicar o concurso para a obra do hospital pediátrico integrado. Agora, não durmo descansada por outros motivos, porque os portugueses esperam demais pelo acesso ao SNS. Fazemos 31 milhões de consultas de cuidados de saúde primários, fazemos mais 12 milhões de consultas hospitalares, fazemos 600 mil cirurgias e compramos fora um terço deste número. Precisamos de melhorar a produtividade do SNS.
O ministro das Finanças podia ajudá-la a dormir melhor?
E costuma ajudar.
Às vezes, parece que todos os outros ministros, mas em especial o ministro da Saúde, é um secretário de Estado do ministro das Finanças...
Isso é um mito. Quem me conhece sabe que na minha maneira de ser isso nunca seria possível. A minha preocupação fundamental é a saúde dos portugueses. A sustentabilidade dos serviços públicos é a segunda.
Mas todos os especialistas dizem que o SNS está subfinanciado e até há um número que tem sido avançado sistematicamente: mil milhões de euros.
Há estudos de 2016, de 2015, que iam nesse sentido. O que é facto é que nós já repusemos também esse valor no financiamento do SNS e sabemos que continuamos a ter dificuldades.
Há muitos equipamentos que estão obsoletos e que é necessário investir. Esse investimento surge no Orçamento do Estado, mas depois não é executado em grande parte.
É verdade. Uma cativação indireta que é mais terrível que as cativações de que às vezes alguns sectores se queixam e de que a saúde de facto está isenta, que é a falta de capacidade que nós às vezes temos de executar as verbas que nos são afectas. Não basta dizer “há verba para investimento”, é preciso ter depois projectos, ter os projectos bem feitos, e ter os projectos com concursos realizados.