19 jul, 2019 - 20:03 • João Pedro Barros , Hugo Monteiro
Um grupo de 85 deputados do PSD e CDS-PP – ao qual se juntou, entretanto, o socialista Miranda Calha – entregou esta sexta-feira no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva da lei sobre o direito à autodeterminação da identidade de género, no que se refere à promoção, no sistema educativo, de medidas que promovam o exercício desse direito, da “expressão de género” e das “características sexuais das pessoas”.
A lei foi aprovada em 12 de julho de 2018, com votos contra de PSD e CDS. O requerimento foi elaborado pelos deputados sociais-democratas Miguel Morgado, Nilza Sena e Bruno Vitorino.
Foi assinado, entre outros, pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, pelos sociais-democratas Maria Luís Albuquerque, Hugo Soares, Adão Silva ou Marques Guedes e pelos democratas-cristãos João Almeida, Pedro Mota Soares, Telmo Correia ou Filipe Anacoreta Correia.
“A Constituição da República Portuguesa tem no artigo 43 uma proibição expressa do ensino, por imposição do Estado, de uma religião, doutrina ou ideologia. A lei aprovada pelos partidos da esquerda inclui, no artigo 12, a questão da regulação do ensino desta ideologia de género nas escolas portuguesas. À luz do artigo 43, isto constitui uma violação da Constituição”, explica Miguel Morgado à Renascença.
O deputado frisa que o grupo não se opõe à lei em termos genéricos, mas apenas à parte relativa ao ensino, o dito artigo 12. Na fundamentação jurídica do pedido, os signatários defendem que "a Constituição da República Portuguesa não só garante 'a liberdade de aprender e ensinar' (artigo 43, nº1), como protege a escola portuguesa da intromissão do Estado, e do poder político, na programação da educação e da cultura, 'segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas' (artigo 43, n.º2)".
“A ideologia de género tem tantos direitos como qualquer outra. Pode ser discutida e difundida, visto que vivemos num país que assegura a liberdade de expressão, mas as ideologias não podem ser ensinadas nas escolas. Não estamos a discutir a idade em que se pode assumir a ideologia de género, nem através de que meios”, esclarece Miguel Morgado.
O que está em causa
O artigo 12.º da lei é relativo à educação e ensino e refere, na sua alínea 1, que "o Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas".
Está previsto o desenvolvimento de “medidas de prevenção e de combate contra a discriminação” e de “mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco” que afetem crianças e jovens que manifestem uma identidade “que não se identifica com o sexo atribuído à nascença”. Para atingir tal objetivo, será dada a formação adequada para docentes e outros profissionais do setor.
Na sua alínea 3, o mesmo artigo estabelece um prazo de seis meses desde a publicação da lei em Diário da República (a 7 agosto de 2018) para que os membros do Governo responsáveis pelas áreas da igualdade de género e da educação adotem "as medidas administrativas necessárias" para a sua implementação.
Os deputados afirmam que este artigo "deixa por determinar o campo de ação da Administração e do Ministério da Educação na execução das disposições legais", dando-lhe uma grande “latitude”, “violando o princípio constitucional da determinabilidade da lei”. Para além disso, consideram que a imposição do ensino destes conteúdos a todas as escolas constitui "uma flagrante violação da autonomia que lhes é conferida pela Constituição".
Iniciativa pretende suscitar a “discussão pública”
Miguel Morgado explica à Renascença que a iniciativa surge neste momento porque será no próximo ano letivo que se “estreia, na prática, o novo normativo", findo o período de adaptação previsto.
Por outro lado, os deputados signatários consideraram “necessário” apresentar esta iniciativa “ainda na representação dos portugueses que os elegeram” - alguns deles, incluindo Miguel Morgado, não serão candidatos a deputados na próxima legislatura. O último plenário da atual sessão legislativa decorreu esta sexta-feira.
O número de assinaturas reunidas ficou muito acima dos 23 parlamentares exigidos pela Constituição. Sem expectativas sobre o prazo que o Tribunal Constitucional levará a pronunciar-se, Miguel Morgado sublinha que é tão ou mais importante “suscitar a discussão pública”.
“Fazemos isto sem prejuízo de iniciativas futuras, mas estamos confiantes nas razões que aduzimos. Creio que este é um dos casos em que a Constituição é muito clara”, sustenta o social-democrata, que se congratulou com o facto de Miranda Calha, “um deputado constituinte”, se ter juntado à iniciativa.