05 mar, 2020 - 00:00 • José Bastos (Renascença), Victor Ferreira (Público), Foto: Paulo Pimenta/Público
Até ao momento, Portugal não sofreu danos significativos por causa do contágio na Europa pelo novo coronavírus. Há setores mais expostos, como o turismo, que regista um impacto "moderado”, mas o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, pede cabeça fria e cooperação para se controlar a crise no plano da saúde pública e os riscos económicos.
No imediato, o Governo lança uma nova linha de crédito para apoio à tesouraria das empresas afetadas, com uma dotação inicial de 100 milhões de euros, revela o governante, nesta entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença.
A medida foi mais tarde anunciada por António Costa no Parlamento. O ministério acrescentou depois alguns detalhes: o plafond máximo é de 1,5 milhões de euros, a comissão e garantia é de 0,75%, a garantia vai até 80%, a contragarantia é de 100% assim como a bonificação da comissão de garantia. A linha de crédito será incluída no programa Capitalizar, com condições melhoradas, diz o Governo.
Ouvimo-lo dizer que há um impacto bastante moderado do coronavírus na economia. Temos de nos preparar para um cenário que se agrava antes de melhorar?
O impacto sentido pelas empresas ainda é relativamente moderado, para não dizer bastante reduzido. A exceção mais evidente são os setores dos transportes, das viagens e da hotelaria, em que estamos a ter um ritmo muito acelerado de cancelamento de reservas e o ritmo das novas reservas está a cair bastante. Muitas viagens estão a deixar de ser feitas, ou pelo menos adiadas, e isso significa um impacto bastante sensível. No automóvel, nos medicamentos, na indústria de uma maneira geral tem havido ou stock de matérias-primas e componentes para algumas semanas ou fornecedores alternativos. Agora, a preocupação essencial é quanto tempo é que isto vai durar, que impacto é que isto pode ter? Quanto mais duradoura for esta crise, maior será o impacto e quanto mais rápida for a propagação da doença, também maior será o impacto. O que significa que, para gerir o impacto, precisamos de um grande esforço na contenção da taxa de propagação.
Qual foi a mensagem que os empresários lhe passaram?
Alguma preocupação relativamente à incerteza e um pedido de compreensão por parte do Governo relativamente ao que poderá suceder no futuro. É necessário termos medidas de apoio às empresas, quer na gestão dos recursos humanos, quer no financiamento e de apoio à tesouraria. Temos essa artilharia preparada e disponível para colocar à disposição das empresas. Não podemos evitar os danos. Mas podemos mitigá-los e sobretudo tentar preservar a capacidade de as empresas poderem funcionar em pleno, o mais rapidamente possível, quando houver retoma.
Que tipo de “armas” é que tem nesse arsenal?
Determinámos a baixa paga a 100% e isso é uma coisa importante para que as pessoas se sintam tranquilas. É importante também o apoio à tesouraria. Estamos a preparar uma linha de crédito, que contará já com cerca de 100 milhões de euros, com benefício total da comissão de garantia. É uma linha com garantia pública e que permitirá às empresas respirarem um pouco mais em alguma situação de stress de tesouraria.
Como é que essa linha de crédito pode ser acionada?
Através do sistema já conhecido da garantia mútua, que as empresas conhecem bem e que neste caso terá condições ainda mais favoráveis.
Em Itália, criaram créditos fiscais. Inclui este tipo de medidas para as empresas, que têm prazos fiscais a cumprir?
À medida que a situação for evoluindo e tivermos uma noção mais exata dos impactos, se é que eles vão existir, deveremos ponderar todas as possibilidades. Tal como estamos a fazê-lo na saúde pública, também no plano da atividade económica devemos ter disponibilidade para actuar segundo as circunstâncias.
Qual é o principal problema nesta altura?
Temos de decidir com base na informação disponível. Neste momento ainda temos muitas incertezas. Por exemplo, quanto tempo irá durar esta crise? Vai ela ter a mesma duração e impacto em todo o lado? Sabemos que na China a laboração em muitas unidades industriais já recomeçou. Os portos chineses já reabriram. Mas qual vai ser a dinâmica da retoma? Quem adiou viagens ou férias vai em força retomar ou não? São estas incertezas que temos de ter em consideração. Temos de criar às empresas as melhores condições para absorverem algum impacto da diminuição de atividade, se ela porventura vier a acontecer. Temos de manter toda a capacidade produtiva da nossa economia disponível para a retoma e temos de ir tomando decisões à medida que as circunstâncias o justificarem, tendo em conta a informação que temos.
Diz-se que vai ser preciso rever metas e orçamentos. Também caminhamos para aí?
Admito que sim, admito que não. Com o grau de incerteza que temos hoje, qualquer previsão seguramente se arrisca a estar errada, ou por defeito ou por excesso. Ao longo destes últimos anos, Portugal tem surpreendido todas as projeções. O país cresce acima da média europeia, cresce consistentemente acima das projeções e cresce apoiado sobretudo no investimento e nas exportações. Todas as projeções podem ser um exercício muito fútil. Continuaremos a trabalhar tal como o estamos a fazer neste momento até que se justifique fazer uma revisão.
Tem dados sobre o impacto nas viagens e no turismo?
Havemos de ter números mais exatos dentro de poucos dias. Várias associações estão a conduzir inquéritos sobre o ritmo de cancelamentos e de ofertas, mas já sabemos que eles estão a ser significativos. Uma das preocupações que existem em relação ao Turismo é o que vai acontecer na Páscoa. É uma época muito importante na atividade turística, tem impacto significativo no crescimento da nossa economia e esta é uma grande incerteza. Não quero dramatizar. Tivemos um arranque do ano muito positivo. Estávamos com perspetivas muito fortes para o ano. Se as coisas melhorarem na Primavera, se tivermos um bom movimento de retoma, estou convencido que o segundo trimestre e a segunda metade do ano já poderão ser melhor.
Que lições vão ficar, quando as coisas acalmarem? A necessidade de a Europa se reindustrializar e quebrar a dependência de mercados como o asiático?
Essa discussão está em curso desde há alguns anos, sobre o acesso ao mercado interno por parte de empresas de países terceiros, sobre o que significa a Europa voltar a controlar elementos estratégicos das cadeias de valor do futuro, como sejam nas tecnologias digitais, na mobilidade eléctrica, etc... Riscos ambientais, de doenças ou geopolíticos, têm levado os decisores a questionarem-se sobre se faz sentido ter cadeias de valor tão extensas à roda do globo. Nos últimos 30 anos, as cadeias de valor foram-se espalhando pelo território à procura das melhores condições. O risco logístico e todos os outros que identifiquei têm levado nos últimos tempos a encurtar as cadeias de valor. E Portugal tem sido muito beneficiado com isso. Muito do investimento estrangeiro que tem crescido significativamente nestes últimos anos corresponde precisamente à localização no nosso país de unidades industriais que servem cadeias de valor que dantes poderiam ter unidades instaladas na China, na Ásia, e que agora se estão a aproximar da Europa. Portugal pode vir a beneficiar de um movimento de aproximação das cadeias de valor aos centros de consumo.
Hora da Verdade
Na segunda parte da entrevista PÚBLICO/Rádio Renas(...)
Ainda há margem para crescer?
Os investidores procuram Portugal por três ou quatro coisas que não desaparecem. O talento, a abertura ao mundo, às línguas e a capacidade de nos relacionarmos em equipas multiculturais; o profissionalismo da nossa gente, que é sempre muito louvado pelos investidores estrangeiros; e depois a segurança, a previsibilidade, a estabilidade política, orçamental e financeira. Espero que estes elementos não desapareçam.
Falando de investimento estrangeiro, falemos dos de Isabel dos Santos. O Governo já conseguiu falar com a empresária e perceber qual será o futuro de empresas como a Efacec?
A Efacec é uma empresa com competências que são importantes para o país. Queremos preservá-las. Neste momento, enfrenta dificuldades que têm sobretudo a ver com a falta de clareza relativamente ao accionista de controlo. O arresto sobre as participações da engenheira Isabel dos Santos gera uma grande indefinição. Parece importante esclarecer e assegurar estabilidade accionista. Esperamos que isso possa ser feito através de agentes privados, de accionistas, dos bancos que financiam a engenheira Isabel dos Santos e aqueles que financiam também a Efacec. Queremos evitar o pior cenário.
Mas já tem uma solução, está perto?
Está mais perto do que já esteve.
E o risco desses danos reputacionais já está contido?
A empresa precisa rapidamente de uma solução na estrutura accionista. Neste momento temos uma accionista que não consegue sequer controlar a sua participação, por via do arresto. Portanto, esta situação precisa de ser resolvida muito rapidamente, estou convencido que se o fizermos depressa, será possível depois estabilizar a empresa e consolidar o seu crescimento.
E falando-se de Angola sabemos também que o FMI está preocupado com as dívidas a empresas portuguesas. Sabendo-se que não tutela esta área, o que é que o Ministério da Economia pode fazer?
Temos acompanhado as diligências diplomáticas que o Estado Português tem desenvolvido ao mais alto nível junto do Estado angolano, para que as dívidas fossem reconhecidas e se encontrasse uma forma de pagamento. Foram feitos muitos acordos nesse sentido. A situação cambial de Angola tem-se agravado, não vale a pena escondê-lo, e por isso tem até havido dificuldade em assegurar o cumprimento em divisas destas dívidas históricas. Estamos a desenvolver esforços quer junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) quer junto do Ministério das Finanças (MF), para ajudar. Angola está numa situação difícil. É um parceiro estratégico muito importante para Portugal. Sendo um país de grande potencial demográfico, económico, todo o crescimento futuro pode ser muito bem aproveitado pelas empresas portuguesas. Sempre que angola cresceu, Portugal também beneficiou. Nestes momentos difíceis é altura de estarmos ao lado desse parceiro estratégico.
Para encerrar este capítulo do investimento estrangeiro, faz sentido manter a sede da AICEP no Porto mas toda a administração em Lisboa, geograficamente distante das regiões onde há muitas exportadores e investimento estrangeiro?
Não vou comentar a situação da AICEP, porque está estritamente na dependência do MNE. A missão da AICEP é nacional. Tem captado investimento para todo o país e não creio que seja a circunstância de estar em Lisboa que tem levado a uma menor cobertura ou menor apoio quer às empresas portuguesas que investem lá fora ou que querem exportar, quer à captação de investimento estrangeiro para Portugal.
Mas uma das críticas recorrentes entre empresários é a de que a máquina estatal está toda em Lisboa. Como é que responde a isso?
Na área por que sou responsável, que são os fundos dedicados ao apoio às empresas, o grosso dos incentivos e apoios ao investimento que são concedidos está concentrado nas regiões Norte e Centro. As instituições financeiras do ministério da Economia estão todas sediadas no Porto, onde está concentrado o grosso dos seus recursos. Não tenho dúvida de que nas regiões Norte e Centro está muito da dinâmica exportadora e empresarial do nosso país, e que é preciso continuar a acarinhar. Também sei que a nossa administração tende a ser muito centralizada e concentrada na capital. Não desvalorizo isso. Acho que até era desejável mudar e espalhar um pouco mais pelo território a capacidade de decisão. Agora isso não me pode levar a ignorar os factos: o grosso dos apoios às empresas tem ido para o Norte e para o Centro.
Como vê a gestão política em casos como a não recondução de Correia de Campos na concertação social, no caso do aeroporto de Montijo. Está a faltar diálogo e política a um governo que deixou de ter o apoio tácito e escrito a suportá-lo no parlamento?
Não sei se concordo com essa análise. O Governo tem feito um grande esforço de convergência com aqueles que foram os parceiros que suportaram a governação na legislatura anterior. O orçamento teve muita interação quer na proposta original quer sobretudo na configuração final. Mesmo na nomeação para órgãos do Estado. É verdade que parece agora detetar-se algum afastamento, mas ao longo da última legislatura a solução designada geringonça nunca suprimiu as diferenças entre partidos. Aliás, foi essa a riqueza da solução. É preciso recordar isso e todos os dias perceber que aquilo que foi o grande ganho em termos políticos foi recompensado pelos eleitores, que gostaram disso e querem que isso seja continuamente renovado.
Tomou a iniciativa de propor alterações à lei das parcerias público-privadas (PPP), que foi lida como retirada da decisão ao MF, colocando-a no Conselho de Ministros (CM). O que é que pretendeu com essa alteração?
Essa iniciativa não foi minha. Eu colaborei nela, como colaborou o MF e a presidência do CM, em termos da formulação final do diploma. Não há nenhuma matéria relativa a PPP que vá ao CM sem ser proposta pelo ministro das Finanças. Portanto, não pode haver decisão do CM sobre PPP sem que o ministro das Finanças a proponha. Não há nenhuma diminuição do poder decisório do MF, há apenas depois uma responsabilidade colectiva maior do CM. Ao logo destes anos, houve renegociações e revisões de PPP, o MF tem experiência e foi essa experiência que foi acolhida nesta revisão. Não tenho responsabilidade maior do que ter colaborado nisto mas julgo que não há aqui nenhuma diminuição da responsabilidade do ministro das finanças.
Acredita que Mário Centeno vai manter-se como ministro das Finanças até ao final do mandato deste Governo?
Acredito que todos os membros do governo, incluindo eu próprio, estão nisto a prazo. Foi importante para o sucesso da nossa economia cumprir a legislatura. Crescemos economicamente, diminuímos desigualdades, reduzimos risco de pobreza, melhorámos condições das famílias e de empresas e projetámos a imagem de Portugal no mundo graças a um sentido de previsibilidade, governabilidade e responsabilidade financeira. Isto consegue-se com estabilidade e é nisso que o governo está apostado, uma solução de governo para a legislatura, mas todos os membros do governo estão à disposição do senhor primeiro-ministro.
Estaria à disposição para a pasta das Finanças?
Eu estou completamente empenhado nas funções que desempenho como ministro da Economia e como responsável, dentro do governo, pela coordenação da área da transição digital.