30 abr, 2020 - 07:01 • Eunice Lourenço , Susana Madureira Martins
António Costa ouve. Ouve os epidemiologistas, os economistas, os parceiros sociais, os partidos, os colegas de governo. E em nenhum sector há consenso. E, depois, decide, aparentemente respaldado por quase todos, mas sem certezas de nenhum.
É assim que tem acontecido nos momentos de decisivos do combate à epidemia de Covid-19. Logo quase no início, quando se intensificou o debate sobre fechar ou não as escolas, o primeiro-ministro ainda disse que seguiria a opinião dos especialistas. Mas, depois de uma reunião pouco conclusiva do Conselho Nacional de Saúde Pública, que acabou com António Costa a decidir poucos dias depois ao contrário do parecer, o primeiro-ministro terá percebido que não teria certezas científicas a guiar as suas decisões.
Despois desse episódio do Conselho Nacional de Saúde Pública, o Ministério da Saúde em articulação com o gabinete do primeiro-ministro organizou as sessões de esclarecimento com dirigentes políticos, parceiros sociais e especialistas, que têm decorrido quinzenalmente na sede do Infarmed, em Lisboa. Mas os especialistas ouvidos – sempre os mesmo quatro, a que se acrescenta uma responsável da Direção Geral da Saúde – também nunca deram certezas.
“Os peritos não se entendem. Não têm um parecer, cada um fala por si”, disse à Renascença um dos convidados regulares a participar nestas sessões. Nunca deram um parecer comum, a reunião sempre se processou com cada qual a dar a sua opinião. “Deviam, pelo menos, ter tentado consensualizar” algumas orientações, lamenta a mesma fonte. E dá um exemplo: o epidemiologista Manuel do Carmo Gomes sempre defendeu o uso de máscaras, enquanto Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e do Conselho Nacional de Saúde, só na última reunião começou a reconhecer algumas vantagens em usar máscaras.
Além destes dois epidemiologistas, o quarteto de especialistas é formado ainda por Carla Nunes e Baltazar Nunes, ambos especialistas em Epidemiologia e Estatística da Escola Nacional de Saúde Pública. Nas reuniões, fala também sempre Rita Sá Machado, chefe de divisão de Epidemiologia e Estatística da Direção Geral de Saúde.
Quando anunciou o encerramento das escolas e uma avaliação dessa medida a 9 de abril, António Costa contaria em ter mais certezas para decidir. Para a reunião no Infarmed de dia 7 foi pedido aos especialistas que se centrassem nessa questão: haverá ou não condições para o regresso ao ensino presencial. Mas, mais uma vez, não houve um parecer, cada um falou por si, relatam à Renascença.
Por isso, a 9 de abril, o primeiro-ministro, no fim do Conselho de Ministros sobre a reabertura das escolas, começa por dizer que “a comunidade científica ainda não pode prever com suficiente precisão em que dia ou semana o poderemos fazer com segurança”.
“Apesar desta dúvida fundamental, o Governo tem o dever de decidir e os alunos, as famílias, os professores e os portugueses em geral têm direito a ver definido como decorrerá este último período, como se processará a avaliação e qual o calendário da conclusão deste ano letivo”, continuou o primeiro-ministro, na conferencia de imprensa em que anunciou a decisão do Governo de não retomar as aulas presenciais do ensino básico e do 10 ano neste ano letivo.
Perante as incertezas científicas, é preciso alguma previsibilidade para famílias e empresas e, portanto, é preciso decidir. E uma das preocupações do primeiro-ministro é não apanhar os portugueses desprevenidos.
“Devemos ser transparentes e avisar as pessoas com maior antecedência possível. (…) As pessoas devem ter tempo para organizarem a sua vida, para se prepararem”, disse António Costa, em entrevista à Renascença, quando questionado sobre os efeitos de ter anunciado o ‘confinamento municipal’confinamento municipal’ da Páscoa uma semana antes de acontecer. Na sexta-feira, quando anunciou o mesmo tipo de medida para o fim-de-semana alargado de 1 a 3 de março, justificou da mesma forma.
Para além das reuniões no Infarmed, para as quais têm sido convidados os líderes partidários e parlamentares, os conselheiros de Estado, os parceiros sociais e outros representantes, Costa tem tido reuniões com a concertação social e com os partidos, como as que aconteceram esta quarta-feira, antes das decisões em Conselho de Ministros. Uma forma de tentar incluir todos e diminuir a objeção e as críticas às medidas, mas que participantes dessas reuniões reconhecem que servem para mais do isso, ao assumirem que o Governo tem atendido a algumas das propostas que os partidos levam para essas reuniões.
Nas reuniões desta quarta-feira, ao que foi relatado à Renascença, o Governo mostrou que tem um plano “mais claro” do lado da economia do que da parte da saúde pública. Ou seja, há um calendário de reabertura da economia, mas não são conhecidos os critérios sanitários para aferir como o desconfinamento está a resultar ou não e as condições em que será preciso dar passos atrás ou não avançar.
“Não estão claras as bandeiras vermelhas que condicionam a decisão de avançar para a fase seguinte”, disse à Renascença um dos participantes nas reuniões com os partidos. À saída da reunião com Costa, a líder do Bloco, Catarina Martins, acaba também por apontar a necessidade desses critérios. Também na reunião de terça-feira no Infarmed não ficaram claros esses critérios. Um dos especialistas enunciou o limite de quatro mil internamentos como o critério para aferir a capacidade do Serviço Nacional de Saúde. Mas, ao que relatam à Renascença, esse limite seria num cenário de abertura total e uma abertura faseada como a que está a ser preparada minimiza o risco.
Outro especialista salientou a importância do R0 (taxa de contaminação por infetado) como critério de avaliação. Mas Portugal vai avançar para o levantamento de restrições com um R0 superior a 1 em regiões como a de Lisboa. “Vamos ser o pais mais arrojado a abrir”, salienta à Renascença um dos convidados presentes no Infarmed, lembrando que os países europeus que foram levantando restrições tinham R0 abaixo de 1 e que a Coreia do Sul e a China só abriram quando conseguiram voltar à fase de contenção (a fase em que volta a ser possível identificar bem as cadeias de transmissão”.
No fim da reunião de terça-feira, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, anunciou que haverá uma “matriz” para ajudar o levantamento de restrições, mas não explicou como será essa matriz.
Com incertezas e sem “linhas vermelhas” bem conhecidas, Portugal vai, então, sair do estado de emergência, como tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro desejavam e a pressão social também. Mas, mesmo dentro do Governo, há reservas e incertezas, com ministros a defenderam mais a abertura da economia do que outros, mais cautelosos.
Marcelo, que à saída da reunião de terça no Infarmed confirmou o fim do estado de emergência à meia-noite de dia 2, não terá feito perguntas na reunião desse dia, ao contrário do que aconteceu nos anteriores. Uma atitude vista como um sinal de alguma reserva por parte do Presidente que receia que seja necessário voltar atrás. E, à saída, fez questão de lembrar que se for necessário repõe o estado de emergência.
A mudança de regime jurídico para enquadrar a contenção social e de circulação coloca quer o Presidente quer a Assembleia da República de fora do processo decisório. A partir de agora, tudo se vai processar por decretos do governo. Mas Marcelo não vai sair de cena. “Vai trazer o mundo a Belém”, disse à Renascença um colaborador do Presidente, que na segunda-feira começa a receber os administradores de empresas de comunicação social. E para a próxima semana também já estão a ser preparadas audiências com instituições particulares de solidariedade e outros representantes do sector social.