25 jun, 2020 - 12:13 • Marta Grosso
“Pode, mas não deve”, diz o vice-presidente do PSD Morais Sarmento sobre a nomeação de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal. Numa comunicação aos jornalistas, nesta quinta-feira, condenou, em nome próprio, o Presidente da República.
De todas as afirmações que vieram a público sobre a escolha de Mário Centeno, a do chefe de Estado foi “a mais incompreensível”, afirmou.
“O senhor Presidente da República é mestre de Direito e é por isso, para mim, absolutamente incompreensível como é que, apenas por razões políticas – não vejo outras que o justifiquem – faça tábua rasa da existência de regimes absolutamente distintos antes e depois de 1998, que levam, portanto, a soluções de governação absolutamente distintas antes e depois e a regras de nomeação e incompatibilidade absolutamente distintas”, apontou.
Sobre a eventual nomeação do ministro das Finanças(...)
Morais Sarmento tinha começado a conferência de imprensa com “um esclarecimento essencial” sobre essa mesma distinção e clarificação, face às “sucessivas referências indiferenciadas ao histórico de nomeação para o Banco de Portugal”.
“Ora, em 1998, na sequência de um processo de oito anos, o Banco de Portugal conhece uma alteração radical do modelo de funcionamento. Até aí, a primeira relação é com o Governo da República, não é uma dependência hierárquica direta, mas é uma relação tutelar, o que significa que o processo de nomeação não conhece, até esse momento, especiais impedimentos ou incompatibilidades”, começa por dizer.
“A partir de 1998, a situação altera-se radicalmente. Desaparece qualquer relação tutelar, é afirmada a independência do Banco de Portugal, a inamovibilidade dos seus membros e, como primeira relação, a relação com o Banco Central Europeu e não com o Governo de Portugal”, descreve.
Assim sendo, prossegue, “a partir de 1998, o Banco de Portugal não teve 30 governadores, teve dois: Vítor Constâncio e Carlos Costa”.
“Nenhum deles é social-democrata, mas a verdade é que nenhum levantou problemas sérios de incompatibilidade”, sendo “com a indicação agora pretendida do ex-ministro das Finanças que se levanta, pela primeira vez desde que o Banco de Portugal conhece seu estatuto de independente, um problema sério de incompatibilidade de funções”, conclui o vice-presidente do PSD.
Morais Sarmento não compreende, por isso, as referências a governadores antes de 1998 – e, muito menos, “pasme-se, durante o Estado Novo” – visando nestas críticas, sobretudo, Marcelo Rebelo de Sousa.
“Não compreendo, sinceramente, pela especial responsabilidade e pelo claro conhecimento que o Presidente da República tem sobre esta matéria. São completamente incompreensíveis as declarações” de Marcelo Rebelo de Sousa.
Ministro das Finanças demissionário considera que (...)
O PSD já transmitiu ao Governo a posição do partido, que “é desfavorável à escolha do professor Mário Centeno”.
“Entendemos que é desaconselhável, não traz clareza. Não a faríamos e não concordamos”, declarou, apesar de o atual quadro legal existente “permitir ao Governo proceder a esta escolha”.
O Governo já indicou, assim, “ao PSD e ao país” ser sua intenção nomear o ex-ministro das Finanças como próximo governador do Banco de Portugal. “Nos contactos com o PSD, [o Governo] deu nota, nos mesmos termos em que o fez publicamente, da vontade de indicar Mário Centeno para o Banco de Portugal", afirmou Morais Sarmento.
Sobre as iniciativas legislativas que surgiram entretanto, o social-democrata esclareceu que o PSD está contra soluções que “atropelem princípios e se traduzam em iniciativas ‘ad hominem’”, como algumas que chegaram ao Parlamento.
Um período de incompatibilidade – “vulgo período de nojo” – “não superior a dois anos” é, “um dos aspetos” que o PSD considera “essenciais” no processo de nomeação do governador do Banco de Portugal.
Esta regra deverá aplicar-se também, na ótica do partido, “a órgãos executivos da banca nacional e, em certos casos, a consultores”.
Em Nome da Lei
É o que defende a investigadora Susana Coroado, au(...)
Os sociais-democratas defendem ainda “a existência de um parecer obrigatório do Parlamento, de natureza não vinculativa”, à escolha do governador.
“Somos favoráveis a uma iniciativa legislativa que tenha caráter geral e abstrato e para defender os princípios da confiança e da estabilidade, que se aplique para o futuro de forma rigorosa a todas as situações, mas não sirva para, atropelando princípios, resolver problemas concretas”, declarou Morais Sarmento.
O vice-presidente do PSD critica assim iniciativas legislativas que, no seu entender, “visam, não mudar as regras a meio do jogo, mas no fim do jogo e alterar imediatamente o quadro de estabilidade e confiança que deve suportar os nossos regimes políticos”.
“Não somos favoráveis à justiça legislativa revolucionária que tradicionalmente se traduziu em leis ‘ad hominem’, como neste caso se parece pretender em determinadas legislativas”, criticou ainda.
Mário Centeno anunciou a saída do Governo no dia 9 de junho e, nesse próprio dia, o Parlamento aprovou dois projetos de lei com vista a incluir um período de nojo para a nomeação de governador do Banco de Portugal para quem tenha desempenhado funções no Governo.
Os dois projetos aprovados – do PAN e do PEV – sugerem um período de cinco anos, mas o PSD desde logo manifestou a sua preferência por um tempo mais curto.
Os diplomas foram aprovados com os votos do PSD, CDS, Chega, BE, Iniciativa Liberal e deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. O PS votou contra e PCP e Verdes optaram pela abstenção.