24 ago, 2020 - 20:47 • Redação com Lusa
Os médicos de família lamentaram esta segunda-feira publicamente as declarações do primeiro-ministro numa conversa privada nas quais chama “cobardes” aos médicos envolvidos no caso do surto do lar de Reguengos, considerando-as “extemporâneas, infundadas e altamente lesivas da dignidade dos médicos de família”.
“A Direção Nacional da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) lamenta publicamente as recentes declarações do Senhor Primeiro-ministro, relacionadas com a conduta dos médicos integrados nos quadros da Administração Regional de Saúde do Alentejo e que cuidaram de doentes com COVID-19 internados no Lar de Reguengos de Monsaraz. Em simultâneo, mostra total apoio aos colegas diretamente envolvidos na gestão deste difícil contexto de prestação de cuidados de saúde”, lê-se num comunicado da associação, hoje divulgado.
Em causa está um pequeno vídeo, de sete segundos, que circula nas redes sociais, que mostra o primeiro-ministro, António Costa, numa conversa privada com jornalistas do Expresso alegadamente chamando “cobardes” a médicos envolvidos no caso do surto de covid-19 em Reguengos de Monsaraz.
“A APMGF considera extemporâneas, infundadas e altamente lesivas para a dignidade dos médicos de família as declarações do Senhor Primeiro-ministro. Consideramos fundamental a união de todos os interlocutores no sector da saúde, na defesa da melhoria da prestação dos cuidados à população”, defendem os médicos de família.
A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar acrescenta que estes clínicos “são essenciais à prestação de cuidados de saúde e indispensáveis na resposta organizada à situação especialmente preocupante” que o país vive.
O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, assegurou também hoje que não houve “nenhuma recusa” por parte dos médicos de família do centro de saúde para tratar os doentes com covid-19 em Reguengos de Monsaraz.
Esta polémica já levou a Ordem dos Médicos a pedir uma audiência urgente com o primeiro-ministro, a qual se vai realizar na terça-feira de manhã.
O presidente do PSD, Rui Rio, recusou-se hoje a comentar as declarações sobre médicos feitas em privado pelo primeiro-ministro, António Costa, após uma entrevista ao Expresso, afirmando haver princípios que não ultrapassa.
"Há princípios éticos que eu não passo e não comento, pura e simplesmente", sublinhou Rui Rio, à margem de uma visita à Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, no distrito de Viana do Castelo.
Confrontado pelos jornalistas sobre este episódio, Rui Rio disse não comentar "conversas em 'off', muito menos quando as conversas em 'off' são mandadas para as redações dos outros jornais".
O Expresso já repudiou, numa nota da Direção, a divulgação desse vídeo. “Os sete segundos do vídeo ilegal descontextualizam quer a entrevista, quer a conversa que o primeiro-ministro teve com o Expresso”, refere a nota, acrescentando que o jornal “desencadeará, de imediato, os procedimentos internos e externos para apurar o que aconteceu e os responsáveis pelo sucedido”.
Apesar de ser uma conversa privada, CDS-PP e Chega criticaram as declarações do primeiro-ministro.
O deputado único da Iniciativa Liberal (IL) considerou hoje “inadmissível” que o primeiro-ministro “atire as culpas” da situação no lar de Reguengos de Monsaraz para os médicos e afirmou estar do lado desta classe nesta “polémica”.
“Acho que a manifestação de desagrado por parte da classe [médica] tem toda a razão de ser porque, ao longo destes meses, tem sido dito que a classe médica, de enfermagem e de auxiliares de saúde têm sido autênticos heróis no combate à pandemia e, assim que há um problema, no caso em concreto no lar de Reguengos, as culpas são atiradas para a classe médica e para a falta de profissionalismo e, até, de coragem que teriam tido, para ajudar a resolver o caso. É inadmissível”, disse João Cotrim Figueiredo.
À margem de uma tertúlia de celebração dos 200 anos da Revolução Liberal, no Porto, o parlamentar declarou que a IL está do lado da classe médica “nesta polémica” com o primeiro-ministro, António Costa.
O parlamentar salientou ser preocupante o chefe do Governo dizer que as ordens profissionais não têm competências para fiscalizar as entidades oficiais, sublinhando que todos têm possibilidade de fiscalizar atos, uns com mais competências técnicas, outros com mais eco na comunicação social.
“Todos temos competência e obrigação de fiscalizar atos da função pública, da administração pública e do Governo, e, se o primeiro-ministro não gosta de ser fiscalizado, não gosta de escrutínio, como aparentemente não gosta porque ficou muito satisfeito com a redução dos debates quinzenais no parlamento, é um problema do primeiro-ministro”, afirmou.
Segundo João Cotrim Figueiredo, Portugal vive atualmente uma situação de “hegemonia” que não é saudável do ponto de vista democrático, acrescentando que a IL repudia todas as tentativas de calar as críticas a atos de governação, por entender que todos têm a obrigação de “construtivamente” criticar o que está a ser menos bem feito.