06 set, 2020 - 18:50 • Eunice Lourenço , Susana Madureira Martins
A picardia entre o Presidente da República e o PCP veio em crescendo ao longo da semana passada e do fim-de-semana. E chegou ao discurso encerramento da Festa do Avante!, com o líder comunista, Jerónimo de Sousa, a acusar Marcelo Rebelo de Sousa de promover uma aproximação entre PS e PSD para “uma política de direita”.
No seu discurso, Jerónimo de Sousa fez questão de deixar bem claro que o problema do país não é a pandemia de Covid-19, que esta só veio agravar problemas que já existiam e contra os quais é necessária uma política diferente para a qual o PCP continua disponível e que “conta como nenhum outro para assegurar os interesses dos trabalhadores e das camadas populares”. Mas que não acredita que o PS tenha capacidade de levar a cabo.
“De pouco valem declarações do PS de que não quer nada com o PSD se as opções que vier a adotar forem, mais coisa menos coisa, aquelas que o PSD adotaria, sem romper com orientações e compromissos que têm sustentado a política de direita. Tanto mais quando se continuam a registar em matérias relevantes convergências entre os dois partidos, parte de um processo de rearrumação de forças posto em marcha, e em que o atual Presidente da República se insere, para branquear o PSD visando a sua reabilitação política e a cooperação mais intensa com o PS, indispensáveis à política de direita”, atirou Jerónimo de Sousa, provocando alguns assobios na pouco habitual plateia sentada em cadeiras frente ao palco principal da Festa do Avante!.
O secretário-geral comunista acusou os que usam o “discurso do medo de que não há alternativas” e tentam usar a pandemia para cortar mais direitos aos trabalhadores. “Foi esta política que fragilizou Portugal e que, naturalmente, a epidemia tende a agravar, acrescentando problemas aos graves problemas que o País já enfrentava e quando novos sinais de retrocesso económico e social estão aí e fazem-se ouvir, com o grande capital, com a das forças políticas que o servem, a preparar o terreno visando esse retrocesso, usando a epidemia como pretexto”, afirmou.
“Aí estão a travar o aumento geral dos salários e do Salário Mínimo Nacional. Aí estão a questionar o aumento dos salários dos trabalhadores da Administração Pública, pré-anunciando novos períodos de congelamento a somar à década em que perderam salários e poder de compra. Aí estão a falar de novas mudanças na legislação laboral, designadamente para introduzir novas linhas de exploração, por exemplo na situação de teletrabalho. Aí estão a perpetuar o mau funcionamento dos serviços públicos, do atendimento nas unidades de saúde à janela, ao telefone ou ao postigo, até ao prolongamento de aulas virtuais ou às longas filas na rua nos serviços de Segurança Social ou dos Correios”, continuou Jerónimo de Sousa, incluindo nestas críticas os que, como Mário Nogueira, o comunista líder da Frenprof, consideram que não há condições para os professores voltarem às escolas em segurança.
“Aí os temos a reclamar novas reformas estruturais, esse eufemismo que utilizam para esconder as medidas que propõem de aprofundamento da exploração do trabalho e de destruição de serviços públicos, para mostrar ao diretório das grandes potências da União Europeia, mesmo que nada tenham a ver com a epidemia. Teias bem urdidas procurando criar o ambiente propício”, acrescentou ainda o líder comunista.
Reportagem
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Antes do ataque a Marcelo, Jerónimo de Sousa fez questão de deixar já o anúncio de várias propostas que o PCP irá entregar no Parlamento. “Entre as muitas iniciativas que temos em preparação, retomaremos a luta pelo aumento do Salário Mínimo Nacional para 850 euros; pela criação de um suplemento remuneratório para os trabalhadores dos serviços essenciais e permanentes; pelo subsídio de insalubridade, penosidade e risco; pela compensação remuneratória e reconhecimento da proteção social dos trabalhadores por turnos e do trabalho noturno; pelo alargamento do acesso ao subsídio de desemprego e o reforço dos seus montantes e duração. Continuaremos a lutar pela eliminação dos cortes salariais associados ao lay-off, pela proibição dos despedimentos de todos os que veem ameaçado o seu emprego e não apenas nas empresas com lucros”, anunciou.
Quanto ao Orçamento do próximo ano, o líder comunista defendeu que “tem de dar resposta aos problemas mais imediatos, inadiáveis e urgentes”. E elencou: “acudir a quem perdeu rendimentos com apoios extraordinários que garantam condições de vida, a quem tem em risco a sua atividade apoiando em particular as micro e pequenas empresas, dotar o SNS de todos os meios que garantam a prestação de cuidados de saúde, de garantir a reabertura da rede de cuidados primários, e o atendimento devido, de assegurar os meios de diagnóstico, prevenção e tratamento não só da Covid, e estancar a entrega de dinheiros públicos que fazem falta ao SNS para os grupos privados que negoceiam com a doença”.
Um suplemento salarial para trabalhadores de serviços essências e a criação de uma rede pública de lares de terceira idade foram duas das ideias lançadas por Jerónimo de Sousa no discurso de encerramento da Festa do Avante, onde reafirmou ideias há muito defendidas pelo PCP, como a nacionalização do Novo Banco e da TAP e a saída de Portugal do euro.