22 set, 2020 - 20:48 • José Carlos Silva , Filipe d'Avillez
Jorge Miranda revela-se chocado com o facto de o Chega ter apresentado um projeto de revisão constitucional que prevê a possibilidade de se remover os órgãos genitais a criminosos condenados por violação de menores.
O projeto de revisão constitucional, a que a agência Lusa teve acesso, foi entregue esta terça-feira no Parlamento. O Chega já se tinha manifestado a favor da castração química, mas agora prevê a castração física quando os métodos químicos se revelarem ineficazes.
A ser aprovado este projeto do Chega, a Constituição passaria a permitir a "pena coerciva de castração química ou física a indivíduos condenados pelos tribunais portugueses por crimes de violação ou abuso sexual de menores, abuso sexual de menores dependentes e atos sexuais com adolescentes”.
O projeto prevê ainda a pena de prisão perpétua para crimes particularmente graves.
Entrevistado pela Renascença o constitucionalista Jorge Miranda revela-se profundamente chocado com a proposta e diz que não podia ter imaginado alguma vez ver um projeto de revisão constitucional desta ordem.
Na terceira ronda de votações, com a mesma lista d(...)
“Isto viola claramente normas fundamentais da Constituição, que correspondem a limites materiais de revisão constitucional. A Constituição garante a integridade física das pessoas, por um lado, e por outro não prevê a prisão perpétua. São, podemos dizer, duas aquisições importantes de avaliação jurídica que não se manifestam apenas em Portugal, mas em quase todos os países europeus”, explica.
“Isso da remoção dos órgãos genitais acho que não há em parte nenhuma do mundo. Acho que não há, a não ser eventualmente em algum país muçulmano, admito, não conheço... Mas em Portugal, pensar nisso, neste momento, acho absolutamente incrível. São chocantes, chocantes. Como é que em 2020 alguém se lembra dessas ideias?”, pergunta.
Ainda que os deputados aceitassem o projeto do Chega, Jorge Miranda duvida que alguma vez passasse no crivo do Tribunal Constitucional. “Acho que seria um limite material de revisão constitucional e é um caso que não está previso expressamente na Constituição, mas que corresponde aos princípios que eu tenho defendido – e muitos outros constitucionalistas – que em caso de violação grave de limites materiais (como a restituição da pena de morte, por exemplo, e esses dois pontos aproximam-se) o Tribunal Constitucional teria de se pronunciar. É espantoso, absolutamente espantoso.”
Jorge Miranda foi um dos pais da Constituição e admite que jamais imaginou, na altura em que o documento foi redigido, ver este tipo de iniciativa.
“Nunca! Nunca! Então nós tínhamos saído de um regime autoritário, havia um enorme risco de um regime comunista, género Cuba, havia manifestações esquerdistas nas ruas que punham em causa a vida e a liberdade das pessoas, num clima horroroso, se houve ponto em que a Assembleia Constituinte esteve de acordo foi relativamente aos direitos, liberdades e garantias. Houve muitas divergências, mas quanto aos direitos, liberdades e garantias fundamentais houve um acordo essencial”, afirma o constitucionalista, que não hesita em descrever a proposta como um retrocesso civilizacional.
“Como é que em 2020 já quase em meados do Século XXI se pensa isto? E qual é o fundamento com que isto é apresentado? Não se compreende. Causa-me uma impressão horrível”, conclui Jorge Miranda.