16 out, 2020 - 15:55 • Marina Pimentel
O voto obrigatório e a aplicação da prisão perpétua para os crimes mais graves são duas ideias que não constavam do documento apresentado pelo Chega, mas que André Ventura anuncia que vai agora juntar ao seu projeto de revisão constitucional admitido pelo presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, há oito dias, abrindo formalmente um processo de revisão constitucional a que se podem agora juntar outros partidos.
Em declarações ao programa “Em Nome da Lei” da Renascença, o deputado André Ventura, do Chega, admite que “quer fazer uma rutura com a Constituição”, começando por quebrar todos os tabus em matéria da sua revisão.
Uma das suas propostas é acabar com o artigo que fixa os limites materiais à revisão constitucional, para “quando tiver a maioria poder mudar livremente a Constituição, sem estar amarrado a uma matriz” em que não se revê e de que fazem parte, por exemplo, a forma republicana de governo. Mas também a independência dos tribunais, a liberdade de expressão ou a laicidade do Estado.
O líder do Chega diz que ”não lhe restou outra alternativa que não fosse avançar com um projeto de revisão constitucional .Porque sempre que apresentava um projeto lei, ele não era admitido por violar a Constituição”.
André Ventura quer alterar 10 artigos da Constituição, para impor a castração química ou mesmo a física aos abusadores sexuais de menores, trabalhos forçados para presos, a prisão perpétua, o voto obrigatório, o fim da progressividade fiscal (paga mais quem ganha mais) e a obrigatoriedade de o primeiro-ministro e os ministros de Estado serem portugueses originários e não de nacionalidade adquirida, à semelhança do que a Constituição prevê em relação ao Presidente da República.
As propostas do Chega em matéria criminal são liminarmente rejeitadas pelo penalista Paulo Saragoça da Matta. O advogado penalista recusa qualquer forma de punição definitiva, ”porque o erro judiciário existe” e lembra que “a integridade física não é livremente disponível". "Nem pela vontade do próprio abusador sexual, poderíamos aplicar a castração como pena acessória”, argumenta.
Paulo Saragoça da Matta rejeita a prisão perpétua, a castração dos abusadores de menores e os trabalhos forçados dos presos e diz que “ficaria muito chocado se a lei portuguesa viesse a permitir semelhante coisa”. O advogado da área criminal não está de acordo também com a eliminação dos limites materiais à revisão da Constituição, com exceção da forma de Governo. Aceita também oportuno o debate em torno da progressividade dos impostos sobre o rendimento. Lembra que quando foi estudante de Direito “uma taxa de 33% já era considerada confisco”, sendo que agora o escalão mais alto entrega aos Estado 48% do seus rendimentos.
Parlamento
No prazo de 30 dias a contar de hoje, será constit(...)
As propostas do Chega em matéria penal são também rejeitadas por Jorge Bacelar Gouveia que as considera mesmo “repugnantes” .O constitucionalista entende, no entanto, que” é positivo ter-se aberto um processo de revisão, porque é preciso fazer alterações na Constituição”.
Das propostas do Chega, merece a sua concordância o voto obrigatório. Mas Jorge Bacelar Gouveia já “não aceita que se eliminem os limites materiais à revisão da Constituição”, porque isso seria acabar com a nossa matriz jurídico-constitucional.
“Eu não estou a defender”, diz o antigo deputado do PSD, “que o povo não seja soberano, mas então é preciso assumir a despesa de fazer uma rutura constitucional porque não podemos retirar da Constituição aquilo que dela faz parte a título identitário”. Isto, ”além do sinal que estamos a dar às pessoas". Do artigo 288 fazem parte uma série de garantias. “Então estamos a dizer às pessoas que acabam a independência dos tribunais, a separação das Igrejas do Estado, a liberdade de expressão”, pergunta o professor de Direito Constitucional.
A constitucionalista Teresa Violante adianta que, numa análise de Direito Comparado, se conclui que nem todos os países têm limites de revisão da Constituição tão alargados quanto o nosso, mas têm outros mecanismos que impedem que uma maioria que se forma num determinado momento possa alterar a matriz constitucional. Defende que “nem todas as ideias apresentadas pelo Chega podem ser discutidas no mesmo plano“. Não vê ”qualquer problema na admissibilidade da questão da progressividade fiscal” e admite mesmo discutir a questão da extensão da nacionalidade originária, que já é uma exigência para o Presidente da República, para os cargos de primeiro-Ministro e ministro de Estado.
No entanto, ”há outras propostas que não são possíveis sem uma rutura de regime”. Teresa Violante defende que ”não é possível fazer uma transição de regime para a monarquia no quadro da Constituição portuguesa, nem a aplicação de certas penas que podem ser consideradas degradantes como a castração química”. A professora universitária lembra também que ”a questão não pode ser discutida apenas no âmbito constitucional” por causa dos sistemas transnacionais de que Portugal faz parte, como a União Europeia e o Conselho da Europa.
São declarações ao programa de informação da Renascença "Em Nome da Lei" que é emitido aos sábados ao meio-dia e à meia-noite, esta semana dedicado sobre o processo de revisão constitucional e o único projeto que para já está sobre a mesa, da autoria do partido Chega.