26 nov, 2020 - 17:43 • Marina Pimentel
O constitucionalista Paulo Otero subscreve as dúvidas do Governo sobre a legalidade do artigo aprovado pela oposição parlamentar, que travou a transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco.
Em declarações à Renascença, o professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa afirma que está em causa uma violação clara do artigo da Constituição, que impõe o cumprimento das obrigações emergentes dos contratos assinados pelo Estado.
“À luz da Constituição, a elaboração do Orçamento tem de respeitar obrigações emergentes de contratos que vinculem o Estado. É isto que diz o número 2 do artigo 105. Aprovando a proibição dessa transferência – se essa transferência constar como consta de um contrato – isso significa que a solução do Orçamento é inconstitucional”, explica Paulo Otero.
Não é todo o Orçamento que fica em causa, mas apenas o artigo aprovado para impedir a nova transferência do Estado para o Fundo de Resolução e deste para o para o Novo Banco. Se o Presidente da República tiver dúvidas sobre a sua constitucionalidade, pode requerer a apreciação preventiva e nesse caso o OE não poderia entrar em vigor no dia 1 de janeiro, e o país teria de ficar a viver num sistema de duodécimos. É uma das soluções possíveis, mas há outras.
“O Presidente promulga, mas não está impedido de desencadear a fiscalização sucessiva do Orçamento, seja o Presidente, o Governo ou um conjunto de deputados. Já aconteceu anteriormente”, acrescenta Paulo Otero.
Ou seja, o Presidente pode promulgar o Orçamento e pedir ao Tribunal Constitucional que fiscalize a norma em causa. Esse pedido também pode ser feito por um décimo dos deputados eleitos (23).
Uma terceira hipótese pode ser desencadeada pelo Novo Banco. “O Novo Banco não está impedido de impugnar judicialmente a disposição do orçamento e pedir, junto do tribunal em causa, a inconstitucionalidade em relação à solução”, afirma Paulo Otero.
O Governo considera que o artigo do Orçamento a impedir a transferência de cerca de 476 milhões de euros para o Fundo de Resolução pode ser inconstitucional e admite pedir a fiscalização da norma que foi aprovada no Parlamento esta quinta-feira de manhã.
Em declarações à Renascença, o ministro das Finanças, João Leão, disse que o artigo proposto pelo Bloco de Esquerda, e que teve o apoio do PSD, viola a Constituição.
O primeiro-ministro, António Costa, acusa PSD e Bloco de Esquerda de cederem à “tentação populista” e de brincarem com o fogo.
Na resposta, o presidente do PSD diz que está a "defende os contribuintes" com a suspensão de uma nova transferência para o Novo Banco. Rui Rio afirma que se o banco cumprir, o Estado também vai cumprir com os seus compromissos.